Tuesday, January 29, 2013
Dois poemas de Maria do Rosário Pedreira
Lê , são estes os nomes das coisas que
deixaste – eu, livros, o teu perfume
espalhado pelo quarto; sonhos pela
metade e dor em dobro, beijos por
todo o corpo como cortes profundos
que nunca vão sarar; e livros, saudade,
a chave de uma casa que nunca foi a
nossa, um roupão de flanela azul que
tenho vestido enquanto faço esta lista:
livros, risos que não consigo arrumar,
e raiva – um vaso de orquídeas que
amavas tanto sem eu saber porquê e
que talvez por isso não voltei a regar; e
livros, a cama desfeita por tantos dias,
uma carta sobre a tua almofada e tanto
desgosto, tanta solidão; e numa gaveta
dois bilhetes para um filme de amor que
não viste comigo, e mais livros, e também
uma camisa desbotada com que durmo
de noite para estar mais perto de ti; e, por
todo o lado, livros, tantos livros, tantas
palavras que nunca me disseste antes da
carta que escreveste nessa manhã, e eu,
eu que ainda acredito que vais voltar, que
voltas, mesmo que seja só pelos teus livros.
**
Lembrava-se dele e, por amor, ainda que pensasse
em serpente, diria apenas arabesco; e esconderia
na saia a mordedura quente, a ferida, a marca
de todos os enganos, faria quase tudo
por amor: daria o sono e o sangue, a casa e a alegria,
e guardaria calados os fantasmas do medo, que são
os donos das maiores verdades. Já de outra vez mentira
e por amor haveria de sentar-se à mesa dele
e negar que o amava, porque amá-lo era um engano
ainda maior do que mentir-lhe. E, por amor, punha-se
a desenhar o tempo como uma linha tonta, sempre
a caira da folha, a prolongar o desencontro.
E fazia estrelas, ainda que pensasse em cruzes;
arabescos, ainda que só se lembrasse de serpentes.
Maria do Rosário Pedreira
in Poesia Reunida, Quetzal, 2012
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25 comments:
↓
Primeira pessoa comentando AQUI e agradecendo ao Primeira Pessoa pelo comentário lá no arquitetonho!
Maravilhas de poemas!
Abraço-tchê!
:o)
tonho,
nada ali é perfumaria.
vem de dentro.
como aqui.
abração deste seu amigo montanhês,
r.
dois pra lá
vão bailando como vento de fim de tarde
envolvendo a ramagem que emoldura a flor
dois pra cá
e duas pétalas caíram
abs mano
poemas bonitos, de escavar o coração.
beijo!
em são raimundo dizemos, luciana, que é de "cavucar"... rs
sua presença por aqui, sempre eleva.
beijào do
roberto.
esses portugas, marquinho...
essas portugas....
a poesia fica ainda mais poesia na boca deles, na pena deles...
e nós apreciamos, né?
beijão,
r.
Leí a Maria do Rosário por primera vez aquí... Y de nuevo aquí leo sobre esa nostalgia y herida que deja el amor en la piel del que ha amado, esa nostalgia que por nostalgia se repite, una y otra vez, esperando como en este poema que el amor, ese amor vuelva, aunque sólo sea a recoger los libros y los poemas que dejó esparcidos entra las sábanas revueltas.
Besos, Roberto.
Dois poemas de primeira!
para chorar
o rosário
basta um olhar
....
Um beijo e aquela abraço, Roberto.
verdade, cris.
dois poemaços de uma das maiores poetas da língua portuguesa nos dias de hoje.
eu gosto demais.
beijabraço,
r.
fico feliz te tê-las "apresentado", indigo.
maria do rosário pedreira está no Facebook, sabia?
se você dispuser desta ferramenta e tiver vontade, terá acesso às atividades da escritura aí bem pertinho de você.
beijão,
r.
Dois poemas nostálgicos e belos e fortes, muito fortes: que corta e dói...!
beijoss
palavra-punhal.
nas costas.
beijão, cirandeira.
r.
do rosário de Rosário: porreta
a palavra que levita
abraço broda
maria do rosário é pedreira, broda.
abração!
Ah, como eu gosto!
Bem como já diz o nome: o rosário e a pedreira...
Beijo!
é bem isto, adri: rosário e pedreira.
numa maria só.
beijào,
r.
Nossa, os poemas dessa moça tem um tanto de ti, Beto...:-) Achei. Acho queé o transbordamento. Você transborda. E eu aqui doidinha para ler Meninos de São Raimundo, esses dois que adoro ler...
Beijos,
sabes que a maria do rosário pedreira, ainda que portuguesa, portuguesa da nossa contemporaneidade, ainda que já tendo sido distinguida com alguns prémios literários, a verdade é que passa ainda algo despercebida, o que não se compreende, não apenas pela poderosa máquina comercial que a apoia (leya) mas também, e sobretudo, pela escrita maior de que aqui nos deixas dois exemplos. o primeiro poema, então, é soberbo! parece loucura o que vou dizer, mas faz-me lembrar o cesário verde não por cantar o amor, mas por o fazer agarrando-se às pequenas sensações do quotidiano, tornando as pessoas nos cheiros, nos objetos, nos pequenos tiques e idiossincrasias, nas pequenas marcas na pele, na sua e na que por si nos outros deixa, quase como quem deambula, da cabeça até aos pés, nesse corpo infinito a que chamamos de amor, o principal cigarro que mata antes do tempo. mas, como contornar este vício?...
abraço, meu primeiro amigo!
p.s. continuamos uma cavalgada que nos há de levar bem longe; agora o paços de ferreira com duas batatas a zero, assim escancarando as portas do jamor, para a final da taça. no campeonato, um mano a mano com o rival do norte. hum, a coisa promete.
abraço renovado!
acho que, tudo o que a gente gosta de ler, de ouvir, carrega muito da gente, taninha.
o livro tá saindo.
definiremos, esta semana, os últimos detalhes.
ta ficando bonitinho. acho que cê vai gostar.
beijão do
r.
maria do rosário, meu querido euriquíssimo, é uma das maiores reinvenções do amor.
digo-o, porque poucos (as), neste ofício de habitantes da palavra, possuem a coragem que ela tem de se expor, real ou fingidamente (como disse-o pessoa), nos arrepios da afeição maior.
maria do rosário mostra a pele.
abração do seu amigo
r.
ps: final da taça? como diriam os "fanqueiros" e maloqueiros, em geral, "é nóis!"...
falando em "é nóis", amanhã tem cruzeiro X atlético (nosso derby), na reinauguração do mineirão. meu irmão toninho já tem o ingresso, tá contando os minutos.
é ele lá e eu, cá.
os cacarejantes capitaneados por ronaldinho gaúcho são favoritos.
uns lá, outros cá, mas cá ou lá, cá e lá, estamos juntos, porque quem cacareja não canta de galo :) como bem dizias: "é nóis" :)
abraço, meu querido amigo!
euriquíssimo,
sabe quando a gente pensa que tá num lugar, mas tá - na realidade - noutro?
tem um pedaço grande meu comendo feijão tropeiro e bebendo cachacinha desde a manhã de hoje, em regime total de concentração para o clássico de amanhã.
é bem isto.
é nóis aí, aqui e "lá"...
é nóis em todo lugar.
é nóis, onipresença. rs
abração,
r.
Que poemas delisiosos, não conhecia esta poeta, fico grata por esta belíssima lírica descoberta, abraço grande, adorei intensamente estes dois poemas, parabéns Maria do Rosário Pedreira e a ti por a escolha e publicação.
este segundo poema é das obras mais primas que já vi!
Gracias, Roberto. Estuve por el facebook de la poeta. Y encargué el libro a una librería portuguesa y ya lo tengo en mis manos. En algún momento colgaré alguno de sus poemas y mi traducción en el blog. Un abrazo enorme, Roberto, y gracias.
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