Newark, um dia qualquer do outono de 2007
Zé de São Raimundo,
hoje tive muita saudade de você.
E tive saudade da gente naquele espaço-tempo, e de tudo aquilo em que acreditávamos.
Saudade da nossa juventude e de você com aquele cabelo djavaneado, besuntado de creme japonês, formigueiro andante pelas ruas de Governador Valadares.
Saudade das minhas camisas floridas - vela aberta ao vento -, fita do Senhor do Bonfim no pulso esquerdo, e a incerteza pulsando naquele coração que flertava com o futuro mais oculto.
Num tempo em que vivíamos na poesia, ingênuos, incautos, verdes, nós acreditávamos que sobreviveríamos da palavra e que encontraríamos no ritual de esculpir verbos um meio de vida e sobrevida.
Ledo engano, Zé, como tantos outros.
Achávamos que um governo petista resolveria os problemas maiores do nosso país.
Víamos em Lula a figura de um novo Messias e por incontáveis momentos reconhecemos em José Dirceu a sabedoria de um rei Salomão.
Fomos logrados, meu caro amigo. Feliz ou infelizmente, o tempo é o senhor de todas as verdades.
O PT caiu na vala comum e sei que já não acendemos velas para a estrela solitária.
Perdemos a inocência ao sabor das decepções.
Viver é doce e é amargo, é esta a lição tirada.
E assim vamos somando e subtraindo, botando e tirando coisas do embornal.
Das coisas que me caíram do alforje, a sua amizade e presença constante, estão entre as que mais me fazem falta.
Perdi um referencial, um espelho no qual eu via refletir minha vontade de mudar o mundo. Baixei os braços, Zé.
Quixote sem Sancho, hoje eu toco na banda apenas pelo dever de cidadão. O que é louvável e me deixa honrado da cabeça aos pés. Mas transformei-me num contente.
Mais um.
Sinto falta de nossa amizade. Sinto falta de você em meu cotidiano conflituoso, briguento. Faz me falta o ofício de sonhar. Faz-me falta a luta.
Ao meu modo, venho vencendo a peleja pelo pão e pelo conforto. Tenho consciência disto. E gratidão.
Sempre tive certeza de que conquistaria isto (mesmo nos dias mais chuvosos!) e, apesar de minha preguiça, indisciplina e limitações mais gritantes, o fracasso já não é uma possibilidade, posto que estou no lucro faz muito tempo.
Mas, eu lhe confesso, caro amigo, que de vez em quando, adormeço com o céu azul de Minas Gerais nas retinas. E sonho com as muriçocas de São Raimundo, os lambaris da Biquinha, o ardido da pinga de Coroaci, a névoa aos pés da santa anunciando a chuva e a água cor de barro do 'rião' que ainda desliza em direção ao Espírito Santo e ao mar.
Quimera?
Quem me dera, amigo Zé.
Quero te ver em breve, se a vida assim nos permitir. Vá guardando a cachaça, que eu providencio o tira-gosto para a prosa da boa.
Vê se não some mais.
Abraço e amizade perene do
Roberto.
14 comments:
ah... comentar o que diante desta crônica saudade?
"a qalavra e que encontraríamos no ritual de esculpir verbos um meio de vida e sobrevida.
Ledo engano, Zé, como tantos outros.
Será?
Pelo que leio a o verbo alimenta tua alma! Missão muito mais que cumprida meu Amigo!
Essa gente que habita a tua memória se torna íntima. Beleza de Zé assim contado...
Beijos,
para a pinguinha?
prepare carne de sol com mandioca, Beto
eu levo a cerveja para arredondar rsrs
abs
Salve mestre das palavras! Sensacional,pode acreditar viajei com você na saudade !Realmente gosto de ler você.
A vida poderia ser bem mais simples. O mundo sempre nos engana. Iludidos, acabamos nos distanciando das pessoas e coisas que nos são tão preciosas.
Sempre bom vir aqui.
bjs
reencontros pelos braços da palavra... enquanto a cachaça alumia desejos e acende promessas num quase-tempo que talvez já não seja mais do que tudo quanto nos sobra da pele.
nostalgia-poema, este, robertílimo. a veia poética e sensível ao rubro.
abracílimo!
p.s. é chegada mais uma hora de especial significado para ti e nosso bispo. dá notícias.
Uma história verdadeira, uma desilusão igualmente verdadeira, R!
Mas com certeza, ele voltará.
Beijo!
amizade sincera, como diria o cantador
abração
Bom d+ ter saudade do vivido assim com gosto quando as desilusões são sonhos que impulsionaram a ser o que somos.
Beleza de texto!
Abs,
Que saudades! Obrigada pela leitura. Amizade avante! Reencontro necessário! Não esquece em estender ao convite.
Bjs
Saudades do teu blog.
Um texto sensível e verdadeiro, R!
Beijo por ele
eis os nomes que ameaçam a memória por nada saberem do tempo, robertílimo. e desafiar o tempo é, por um lado, a sua maior ousadia e, por outro, a certificação da verdadeira amizade.
o brasil há de proporcionar-nos outros reencontros, reencontros alargados com poesia e pão. não será no paulo padeiro, mas que importa? somos nós que fazemos os lugares e toda a sua magia. já assim foi com d. helena, assim será com todos os que vierem - e que sejam muitos e repetidas vezes.
já preparo o cachecol e a camisola para a grande celebração. vou ser, provavelmente, o único cruzeirista do mundo a festejar em tons de... encarnado - tons de lisboa, cores de portugal!
abracilium, dom robertus limius!
Mesmo que a vida tenha mudado o rumo da prosa, os amigos verdadeiros estarão sempre ali nos esperando...
Nostálgico e bonito.
Beijo.
Parole
também não enviei a minha carta!
Caro menino, terias na infancia passado pelo sul da Bahia,Alcobaça?
Não sei pq te vejo as vezes por lá.
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