Tuesday, May 19, 2015

De olho na placa


Roberto Drummond me apresentou ao poeta Afonso Borges  no 'século passado', em Belo Horizonte. Foi empatia à primeira prosa e eu jamais imaginaria que aquele jovem inquieto viria a criar um dos mais importantes projetos culturais do Brasil.
O seu -  nosso - Sempre um Papo é motivo de orgulho não apenas para os mineiros, pois trata-se de uma das maiores referências quando o assunto é literatura no país.
Quase três décadas depois, continuamos nos frequentando e comungando de outras afinidades que vão além do gosto pela palavra. Entre elas está a afeição pelo Mercado Central da capital mineira, um dos cartões postais da cidade, ponto de encontro dos belorizontinos e reduto de turistas.
Aquele Mercado Central que já foi motivo de crônicas deste raso escriba em outras ocasiões. 
Este, que já elogiou o doce do abacaxi vendido em suas galerias.
Que já teceu loas ao antológico fígado acebolado, tão delicioso e único, que deveria ser colocado na bandeira de Minas Gerais.
Que já rabiscou vias-sacras etílico-grastronomicas que começavam no Rei do Torresmo, continuavam no beco entre os bares Fortaleza e Governador Valadares, terminando no Bar da Loura ou no Casa Cheia.
Este, que é fã dos queijos e doces vendidos ali e que já comprou cachaça, compotas, frutas, verduras, legumes, artesanato e até carne de sol feita em Montes Claros.
Infelizmente, recentemente, este cronista começou a ver o mercado de uma forma menos bela. Por um motivo diferente do de Afonso - que já abordarei -, mas que vai desaguar no mesmo lugar.
    Esta semana Afonso esteve por lá com a filha Manuela e quase bateu o carro diante de uma faixa de dez metros de comprimento, onde se lia: 
    "Favor efetuarem o pagamento antes de se dirigirem ao veículo. Não temos cobrança no terminal de saída"
    - Onde está o erro? Aliás, onde estão, os erros? - perguntou o poeta.
   Nas redes sociais, ele pediu a participação da população no sentido de preservação da língua portuguesa nas placas e faixas espalhadas pelo país. Afonso chegou a propor a criação de um 'bunker' de defesa contra erros da língua portuguesa em áreas públicas e privadas. Falou em patrulha ortográfica, que pode soar truculento e pretensioso, mas não é.

Sem querer dissertar sobre o massacre a que é submetida cotidianamente a língua portuguesa, atenho-me ao descontentamento que levou Afonso Borges a se manifestar publicamente contra o mercado.
E aproveito a dica para falar do meu,  aos olhos do mundo menos nobre que o dele.
É que eu quero protestar contra os preços abusivos que os comerciantes estão praticando no local.
Por mais cheio que estiver, um prato de comida a quilo contendo arroz, feijão, couve, farinha e carne de panela não deveria custar 48 reais.
Mas lá ele pode e absurdamente custa.
Assim como é absurdo o preço do estacionamento.
Dez reais por hora?
Não que eu seja mesquinho e não possa pagar, mas acho demasiado caro. Trata-se de um preço muito distante da realidade brasileira.
O absurdo dos absurdos, no entanto, dá expediente no banheiro masculino.
Cobram 0.50 centavos por cada vez que se se usa um ambiente sujo, fétido e que não possui tampa sobre os vasos sanitários ou instalação para pessoas com necessidades especiais. Dois dos cubiculos dispõem daqueles vasos antigos em que o usuário tem que se equilibrar, de cócoras, conforto zero, como faziam os romanos nos tempos de César.
Onde é que a queixa de Afonso Borges se encontra com a minha?
No detalhe, meus amigos.
A ganância está fazendo com que os comerciantes do Mercado Central de Belo Horizonte parem de atentar para o detalhe.
Detalhe nas placas. Detalhes nas faixas.
Detalhe nos menores detalhes.
E transformando aquele santuário da mineiridade em um lugar comum.

3 comments:

CANTO GERAL DO BRASIL (e outros cantos) said...

Sempre Um Papo bom te ler, cronista...

Abs,
Darrama.

Tatiana said...

Não consegui cumprir todo teu Precioso rol de recomendações gastronômicas em BH, Roberto, mas no Casa Cheia eu estive! �� Não lembro dessa placa do estacionamento, mas o mexidoido e a cachaça foram inesquecíveis!

d'Angelo Rodrigues said...

Os mercados são uma espécie de santuário popular, onde a vida é celebrada a partir de dogmas onde a felicidade impera, onde a gula é enaltecida e não pecado, e o vinho e o pão da eucaristia são os pastéis, os tragos e outras delícias. Aqui em minha terra o mercado não é necessariamente grande, nem tão rico em matizes, e ainda que sabotado em sua aparência em intervenções desastrosas ao longo dos anos, continua congregando vidas de várias gerações.