Thursday, January 7, 2016
Topázio, 149
Aquele menino tinha tesouros que valiam mais que ouro.
Mais que prata e do que queijo e requeijão.
Ele tinha um embornal com bolinhas de gude, um pião de madeira e um álbum de figurinhas do Grande Circo Mexicano.
Tinha cadernos da escola, um livro de tabuada e uma caixa de lápis de cor.
Ele tinha um cãozinho que fazia companhia e lhe lambia as mãos. E tinha uma andorinha fazendo ninho na cumeeira da varanda, um canarinho cantando ao longe e um girassol que sorria.
Ele tinha um coreto de igreja e uma igreja com torre e sino. E tinha um pátio embandeirado e uma fogueira de São João.
Tinha dez padre-nossos e quinze ave-marias. Tinha um catecismo. Um terço e um sermão do padre João.
Levava um santinho no bolso da camisa e um anjo da guarda, no coração.
Tinha uma solidão domingueira e uma febre de gripe.
Tinha um rosário de lombrigas e um medo de morrer.
Tinha cachumba, catapora e uma tatuagem no braço, como prova da vacinação.
Tinha um redemunho que levantava a poeira da rua e onde vivia o cramunhão.
Tinha também um oratório, a morada de Deus.
E tinha Deus.
Aquele menino tinha um terreiro, que era um latifúndio do tamanho do Texas.
E um varal pendurando as roupas que à noite se transformavam em fantasmas e lhe afugentavam o sono, trazendo as pisadeiras.
O menino tinha um vento com voz de Caruso que varria seus telhados.
E uma chuva nervosa fazendo algazarra no milharal.
Ele tinha uma janela pro rio. Tinha um rio. Um relâmpago e um trovão.
Tinha um amigo imaginário e um outro, filho da vizinha.
Tinha calções sujos de terra e um exército de formigas.
Um rebanho de boizinhos de melão de São Caetano e um canavial de capim.
Tinha vulcões de formigueiro, pequenos vesúvios que jamais entraram em erupção.
E ossos de galinha enterrados na terra, material de arqueologia vã.
Aquele menino tinha dinossauros fantasiados de lagartixas e calangos que sabiam dizer sim.
E outras criaturas pré-históricas, como o louva-a-Deus que molhava a bunda na água, besouros encouraçados e verdes esperanças.
Aquele menino tinha uma orquestra de cigarras à hora da Ave-Maria.
E tinha Maria, uma irmã.
No quintal daquela casa ele escreveu seus primeiros evangelhos, pensou nano-pecados, cometeu insignificantes heresias.
Foi lá, no número 149 da Rua Topázio, que ele enterrou a infância, alguns sonhos de algibeira e todas as certezas.
Ele tinha um quintal e o quintal é o lugar onde todo menino jaz
O quintal da casa, meus amigos, é o cemitério da inocência.
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4 comments:
Ola moço,
E os sonhos e as certezas de gente adulta é enterrado em que lugar??
Os meninos são felizes mesmo com sonhos enterrados num quintal.
Feliz novo ano. Feliz dias.
beijos
Pois é!
[ minha desordem não é camuflada ]
bandy,
sua sumida.
materialize-se.
a saudade é um objeto sólido.
beijos
r.
e é, margoh...
a saudade mata a gente.
beijos
r.
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