São tão distintos os nossos filhos, quanto os dedos de nossas mãos.
Abro a mão esquerda - que é a mão do coração - e fico contando e constatando que só sei contar até três.
Afinal, eu tenho três filhas. E tão diferentes, são as três.
Emília, a mais velha, tem 32 anos. É casada e toca a vida do jeito dela no sul deste país.
Com ela eu aprendi algumas lições daquilo que os antigos chamavam conflito de gerações.
Assim como eu acho que meu pai pensava de mim, eu penso dela.
Parece que Emília faz tudo para me contrariar.
Para vocês terem uma idéia, eu sou Cruzeiro e ela é Atlético.
Ela gosta de MMA, eu gosto de ler poesia.
Ela gosta de rap, eu gosto de música.
Ela fala de Kanye West, que eu nem sei quem é.
E eu retruco com Miles Davis, de quem ela certamente não quererá saber.
Ela gosta de filmes, eu de cinema.
E até o nosso jeito de lidar com Deus é diferente.
Ela vai à igreja todos os domingos, enquanto eu carrego Deus dentro dos sapatos.
No que eu me descabelo com as nossas diferenças (com o que ainda me resta de cabelos, que se diga), ela ri.
E parece que ri também para me contrariar, constato.
E rio também, obviamente bastante atrasado, já que os jovens chegam sempre antes.
Clarice, a caçulinha, tem 9 anos de idade e é muito ligada a mim. Mas ultimamente especializou-se em me criticar.
No outro dia, ela entrou no carro e eu escutava um cd de Renato Braz em que ele interpretava uma canção de Tom Jobim.
Mal se sentou no banco do carona, ela foi ao cd player e trocou para o rádio, perguntando:
- Não tem música "de verdade" para se escutar neste carro?
E dá-lhe Bruno Mars na veia de seu velho.
Clarice tem um senso de estilo que me assusta.
Desde o pré-primário que ela se levanta e se produz toda.
Vai para a escola como se estivesse indo a um concerto de Lady Gaga.
E não vai para assistir.
Vai para cantar, para performar, eu intuo.
Quando menorzinha, dizia que queria ser manicure quando crescer.
De uns tempos para cá, diz que quando for grande quer ser "chefe".
- Chefe de que? - quero saber.
- Chefe de qualquer coisa. Chefe do mundo, de preferência.
E eu fico sem saber que profissão é esta.
Isabella, a do meio, é também bastante peculiar.
Alternativa, gosta de praticar skate, surfe, estas coisas que de uns tempos para cá começaram a chamar de esporte.
É centroavante do time de futebol feminino da cidade e marca gols na mesma proporção com que me sacaneia.
Na última nevasca, alertei minha mulher para não sair de casa sem se agasalhar mais do que o costume, porque estava "um infeno de frio".
Isabella ia a caminho do banho, ainda meio insone, mas parou e me alertou:
"Papai, você está usando esta metáfora de forma errada. No inferno faz é calor".
E eu vou responder o que?
Eu só aprendi verdadeiramente o significado da palavra metáfora vendo "O carteiro e o Poeta". E minha filha, aos 11 anos, já leciona sobre o tema.
No outro dia, pedi a ela para trocar o "ringtone" do meu celular, pois me irritava aquele barulho de marcha fúnebre. Afinal, ela é minha assessor para assuntos tecnológicos e similares.
E ela trocou.
Desde então, toda vez que alguém me liga, aparece a voz do Michel Teló cantando "Ai Se Eu Te Pego".
E em espanhol.
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