(Para as poetas Jô Diniz e Ana de Istambul)
Passo de carro e os vejo emparelhados. Existirá na vida aquilo que chamam de inveja branca?
Sim, existe.
E eu a conheço, tenha ela a cor que tiver.
Falo o seu idioma.
Domino seus desdobramentos.
Comungo da hóstia amarga dos invejosos, mas minha inveja não é daqueles que conseguiram mais e melhor.
Não invejo os campeões, os brilhantes, os ricaços, os bem nascidos e os bonitões.
Minha inveja é dele e dela, que vejo do outro lado do parabrisa .
Ele e ela, que caminham pelas ruas como que encantados por um violino imaginário.
Dele e dela, ela e ele, que poderiam ser outros quaisquer, que não estes.
E a minha inveja é de não sê-los e de não tê-los sido.
É inveja da inocência e da inconseqüência.
Do verdor, do frescor, da ausência de noção do perigo. Inveja da forma como eles amam.
O amor na juventude é o melhor amor que existe, posso assegurar.
Ele é chama que não se apaga e vive para sempre em quem o viveu, ainda que, agora, em fantasmagórica saudade.
Na outono da vida o amor parece não existir mais. Evapora, feito éter.
Mas eu falava dele e dela. E eles estão de mãos dadas numa avenida que conduz ao futuro que eles não sabem ainda ser incerto. Ele e ela de mãos dadas na praça.
Ele e ela num banquinho, as mãos entrelaçadas e o pedido feito ao meteorito que riscou o céu.
Ela lhe oferecendo a lua branca e cheia. Ele batizando uma estrela com o nome dela.
Toca uma balada romântica de Cazuza ao longe e aquela é a música que lhes embala a noite e tudo o que lhes foi prometido por Deus. Qualquer deus.
Na noite que cheira a jasmim e a grama verde, recende também a lavanda do pescoço dela e a água de colônia do queixo dele.
Beijos que se multiplicam como peixes, afagos que se perpetuam, pele que arrepia e o planeta ficou zonzo. A Terra parece ter parado de girar. E eles se amam como se não existisse o amanhã.
Para que nos servirá o amanhã? – pergunto eu.
Para que o amanhã, se a felicidade reside aqui, urgentíssima, agora, no carinho deles?
Vejo que ele apanha uma pedra no chão. Tem o formato de um coração, imagino. Diamante mais verdadeiro.
Ele dá pra ela a margarida que roubou do outro lado da grade E um anel de flandres, feito da tampa do copo de água mineral, que ela promete guardar pra sempre.
Em troca ela lhe oferece o ombro. Insinua o colo. E ele lhe garante ter dois bilhetes – de ida – para o paraíso.
Ele e ela sem medo de amar…
Ele e ela sem medo da felicidade, ou daquilo que algum adulto sem graça batizou de medo de ser feliz.
A graça de ser jovem existe, acima de tudo, porque os jovens não conhecem o medo. E há tempo de sobra para recomeçar do zero.
Eles desconhecem o desgaste, a rotina, os filhos e suas necessidades, o tempo que passa cruel e pontualmente e as pequenezas envolvendo dinheiro, pagamentos, prestações, ambições profissionais e a incorporação de bens.
Benditos sejam aqueles que conseguem, por um dia que seja, amar na idade madura com a graça, fúria e inocência dos jovens de ontem, de hoje e de sempre.
Benditos sejam eles. Benditos sejam...
Amém.
6 comments:
"Para que o amanhã, se a felicidade reside aqui, urgentíssima"
Sim, para quê?
Bj.
Lídia
Lidia, querida, o amanhã, às vezes, se torna uma paisagem distante. Apreciemos a janela do agora.
Grande beijo do
r.
Uma doçura de texto.
Tem dias que recolho os pedaços de mim e me vejo na cortina dos olhos, pendurados nos cílios e ao fechá-los tudo vira filme, a memória é a tela. Que o dia traga os retalhos da vida, pra eu bordar com fios de seda as lembranças tatuadas no avesso da alma. Hoje, somente hoje.
Beijo
Bandys,
sua passagem por aqui é sempre um motivo de grande alegria. Desde sempre.
Beijo grande do
R.
Gostei muito! Belo texto!
Tão verdadeira essa inveja! O frescor de não saber nada das outras estações da vida. Uma bolha colorida dançando no ar diante do nosso olhar!
Silvana,
a natureza humana também foi dividida em quatro estações, já reparou?
Grande abraço
r.
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