Quando comecei a luta no jornal Brazilian Voice não tínhamos uma equipe de trabalho e houve um período em que eu fazia tudo sozinho.
Era, literalmente,
jornalista e jornaleiro. E era outras coisas mais.
Aprendi alguma coisa de informática - no susto! - e maximizava isto com voluntarismo e vontade de vencer.
Fazia os textos, diagramava, criava eventuais anúncios e mesmo com minhas mais gritantes limitações, conseguia fechar em tempo as edições.
Quando a gráfica entregava o jornal, eu dava uma folheada rápida e saía com o furgão cheio, aquele cheiro de tinta fresca entrando pelos poros.
Distribuía inicialmente em New Jersey.
Atravessava o Rio Hudson e fazia Nova York, começando pela ilha de Manhattan e depois o bairro do Queens, onde ficava concentrada a comunidade brasileira.
Aprendi alguma coisa de informática - no susto! - e maximizava isto com voluntarismo e vontade de vencer.
Fazia os textos, diagramava, criava eventuais anúncios e mesmo com minhas mais gritantes limitações, conseguia fechar em tempo as edições.
Quando a gráfica entregava o jornal, eu dava uma folheada rápida e saía com o furgão cheio, aquele cheiro de tinta fresca entrando pelos poros.
Distribuía inicialmente em New Jersey.
Atravessava o Rio Hudson e fazia Nova York, começando pela ilha de Manhattan e depois o bairro do Queens, onde ficava concentrada a comunidade brasileira.
E seguia dali para o
norte, com paradas em cidades de Connecticut e Massachusetts.
Só voltava para casa dois dias depois, exausto, mas pronto para a próxima edição.
De vez em quando, aparecia alguém disposto a entregar o jornal comigo. Íamos rindo, relembrando família e Brasil. E o tempo passava mais rápido.
Só voltava para casa dois dias depois, exausto, mas pronto para a próxima edição.
De vez em quando, aparecia alguém disposto a entregar o jornal comigo. Íamos rindo, relembrando família e Brasil. E o tempo passava mais rápido.
Samuel Cervidanes, um
amigo ipatinguense, ofereceu-se para me acompanhar numa destas viagens.
Cumprimos a primeira etapa do trajeto e, quando saíamos de Queens para pegar a ponte em direção à rota que nos levaria a Connecticut, envolvi-me em um acidente.
Um táxi atravessou o sinal vermelho e mesmo eu me esforçando para não colidir, acabei acertando-o de lado, em um ângulo esquisito.
Ele nem parou.
Cumprimos a primeira etapa do trajeto e, quando saíamos de Queens para pegar a ponte em direção à rota que nos levaria a Connecticut, envolvi-me em um acidente.
Um táxi atravessou o sinal vermelho e mesmo eu me esforçando para não colidir, acabei acertando-o de lado, em um ângulo esquisito.
Ele nem parou.
Devia estar com alguma
irregularidade na documentação. Fugiu. E ainda levou meu para-choque dianteiro
enganchado à sua lateral.
No nosso carro ninguém se machucou, mas o capô começou a fumegar. Decidimos seguir adiante, até encontrar o primeiro posto de gasolina, onde tentaríamos solucionar o problema.
Quando entramos no Bronx - na época um dos lugares mais perigosos do país, com altíssima taxa de criminalidade -, o carro tossia, ameaçando parar a qualquer momento. Populado pelos deserdados deste país, o bairro era um gueto em que as gangues de negros e hispânicos travavam uma luta furiosa por território. Intimidava, claro. Samuel e eu não éramos, necessariamente, dois 'tough guys'.
No nosso carro ninguém se machucou, mas o capô começou a fumegar. Decidimos seguir adiante, até encontrar o primeiro posto de gasolina, onde tentaríamos solucionar o problema.
Quando entramos no Bronx - na época um dos lugares mais perigosos do país, com altíssima taxa de criminalidade -, o carro tossia, ameaçando parar a qualquer momento. Populado pelos deserdados deste país, o bairro era um gueto em que as gangues de negros e hispânicos travavam uma luta furiosa por território. Intimidava, claro. Samuel e eu não éramos, necessariamente, dois 'tough guys'.
- "Demos sorte", disse Samuel apontando para a placa da Shell.
Parei o carro. Reconheci imediatamente que eram hispânicos. Provavelmente porto-riquenhos.
Desci, tentei puxar
conversa, mas as pessoas passavam por mim como se eu fosse um poste.
À porta fechada da oficina mecânica havia um banquinho onde um homem alto e forte estava sentado com um rádio entre as pernas.
À porta fechada da oficina mecânica havia um banquinho onde um homem alto e forte estava sentado com um rádio entre as pernas.
E ele escutava,
impassível, o locutor anunciar músicas românticas como se nada mais existisse
neste mundo.
Pedi para utilizar o banheiro e ele não respondeu.
Pedi para utilizar o banheiro e ele não respondeu.
Espichei o portunhol
um pouquinho mais e expliquei meu infortúnio, mas ele sequer olhou para
mim.
Absorto, olhava fixamente para algum ponto nas imediações como se vigiasse o lugar.
E eu ali, ao seu lado, tenso, pois começava a escurecer e correríamos risco de morte, caso inventássemos de passar a noite dentro do carro.
Absorto, olhava fixamente para algum ponto nas imediações como se vigiasse o lugar.
E eu ali, ao seu lado, tenso, pois começava a escurecer e correríamos risco de morte, caso inventássemos de passar a noite dentro do carro.
Naquele tempo
não existia telefone celular e não havia um único orelhão nas
imediações, como já verificara Samuel.
Foi aí que
saiu uma voz familiar de dentro do radio do homem.
Era Roberto Carlos, cantando em espanhol.
Sorri e tentei puxar assunto, outra vez:
Era Roberto Carlos, cantando em espanhol.
Sorri e tentei puxar assunto, outra vez:
- Este é o Rei, falei
com forçado orgulho.
O homem sacudiu a
cabeça e respondeu em espanhol:
- Nem príncipe. O
grande rei da canção se chama Nelson Ned.
Senti ali uma abertura e comecei a entoar, desajeitadamente:
"O
que é que você vai fazer domingo à tarde
Pois eu quero convidar você pra sair comigo,
Passear por aí numa rua qualquer da cidade,
Vou dizer pra você tanta coisa que a ninguém eu digo”
Passear por aí numa rua qualquer da cidade,
Vou dizer pra você tanta coisa que a ninguém eu digo”
O homem sorriu, provavelmente encantado por uma canção que conhecia, escutada pela primeira vez num idioma que não era o seu, pois Nelson Ned era um grande sucesso cantando em espanhol para toda a América Latina.
Era a senha para quebrar o gelo.
Expliquei que o
"pequeno gigante” era meu conterrâneo e o homem se iluminou por
inteiro, mostrando pela primeira vez os dentes amarelados.
- Conterrâneo, eu disse. "De Ubá, Minas Gerais".
- Conterrâneo, eu disse. "De Ubá, Minas Gerais".
Ele deve ter entendido que o cantor era meu amigo ou parente, pois abriu imediatamente a porta da oficina, indicando outra porta, onde ficava o banheiro.
Mal entrei,
tomei um susto.
O local não era mais uma
oficina mecânica, apesar de muitas ferramentas em escaninhos bem organizados, um elevador hidráulico e um
cheiro de combustível misturado com maconha.
Tratava-se de um
casino clandestino, com máquinas de caça-níquel, mesas de carteado e homens mal
encarados bebendo cerveja e fumando cannabis.
Quando saí do
banheiro, o novo 'amigo' me apresentou a uma outra pessoa, que intuí ser o chefe
daquela operação.
Perguntaram quanto eu
tinha no bolso.
- "Pouco mais de 50 dólares", respondi.
- "Pouco mais de 50 dólares", respondi.
O homem sorriu e disse que eu não iria precisar do dinheiro.
Na sequência, remendou o radiador com solda e disse:
- Chegando a Nova
Jersey, mande trocar a peça por uma nova. Vai aguentar até você chegar lá.
Quando entregou a chave, sorriu novamente, negando-se a receber aquela ninharia que eu insistia em lhe entregar:
- Esta é por Nelson Ned.
Quando entregou a chave, sorriu novamente, negando-se a receber aquela ninharia que eu insistia em lhe entregar:
- Esta é por Nelson Ned.
Retomamos a estrada e fui pensando, entre aliviado e emocionado, nas ironias desta vida.
Um homem, que no
Brasil era tratado como anão de circo, fora dele, era reverenciado como um rei.
Um rei amado e generoso, capaz de salvar um conterrâneo do perigo e reconduzi-lo com segurança ao
caminho de casa.
Tornei-me um súdito, desde então.
E o meu rei é imenso.
E o meu rei é imenso.
15 comments:
Roberto, quanta história boa nesta história.
Linda sua crônica. Nelson Ned é mais que um vencedor. Pensa. Muito mais.
E você também. Obrigada por nos contar tantas histórias lindas "escrevinhadas" com seu imenso coração.
O homem é do tamanho da sua fé já disse Nelson Ned.
Imenso é você! Suas histórias reais são prenhe de poesia sempre, porque seu olhar é embriagado de beleza!
"E tudo passa, tudo passará...e nada fica, nada ficará..."
O Nelson foi um vencedor, de qualquer forma. Missão cumprida e escapou do circo e das roupas de palhaço. Venceu, sim.
Beijos, Beto
E Nelson Ned ficou sabendo disso?Espero que sim.
Muito boa a sua crônica, Roberto. Gostei.
bj
Muito boa a cronica, Roberto, li de um fôlego. E mostra uma grande verdade tb, muitos artistas aqui no Brasil só são bons depois de mortos. Abração.
putz grila!
que barato, Roberto. emocionou. primeiro a sua história de resistência no jornalismo, depois a sua resistência ao perigo e mais adiante, a resistência de Nelson, um dos caras mais simpáticos da música popular, dizia a minha mãe.
e tens toda a razão, os verdadeiros reis são os que nos salvam em terras estrangeiras! viva o grande NELSON NED!!!
(gosto muito da sua escrita, é desacadeada pela emoção mas consegue manter uma técnica de narrativa muito bem eleborada, sou fã)
um beijo.
ena, que cronicaço, robertílimo! os reis são assim mesmo, passam incólumes a tudo, até mesmo às injustiças a que os homens os votam, porque se não for mais nada, será o tempo quem lhes tributa justiça - vê só o eusébio que precisou morrer para que todo o país (e o mundo) se recordasse de como há alguns que inscrevem a roseta da eternidade estando vivos, aqui mesmo na terra.
um texto do melhor que tenho visto por aqui, sempre com aquele teu jeito melódico, quase feminino, de nos envolver na escrita, como se numa canção dançável.
um abracílimo!
lá em monlevade onde nasci e cresci, o rei lá de casa sempre foi o nelson ned. a moça que trabalhava lá só ouvia ele o dia inteiro. e aprendi a gostar. e muito! grande nelson ned!
Excelente crônica, Bob.
Você é craque nesse metiê.
Assim como foi Nelson Ned.
Abraçaço.
Verdadeira paixão pelas suas cronicas. Também tenho boas memórias de Nelson Ned, dancei muitas vezes ao som da sua voz. Continue a deliciar-nos com a sua escrita. Felicidades
Beto, nem vou me deter a questão SUPERAÇÃO pra não cair em lugar comum, porém, o que me gritou, e mt, nessa crônica foi o olhar do homem (no caso, vc). saber viver,pra mim, é a questão maior. ter os olhos abertos e limpos para o mundo, para os detalhes, todos,e principalmente aqueles mais sutis. a burrice dos pseudos intelectuais, os que se rotulam como elite, possivelmente, jamais permitiria que saíssem vivos dessa situação. sabe pq? pq olham o mundo sentados diante de um computador ou de uma máquina de escrever, não sabem a verdade de cada esquina, desconhecem a crueza do chão. qual saberia um verso de canção do pequeno-grande Nelson Ned? o cara é brega! o preconceito é uma arma letal. adorei a crônica, vc é o cara. show!
bjão
às vezes, quando achamos estar perdidos, o cosmos já nos colocou no caminho de casa. e ainda nos faz ser lume para caminhos alheios, como para o meu ao ler essa beleza de crônica. delicadeza ao tocar a fineza e a aventura da vida. beijos!!
Oi!Parabéns pelo teu trabalho!
Gostaria de convidá-lo a conhecer meu novo endereço:
www.feitaparailetrados.blogspot.com
Ainda estou arrumando a casa, mas já pode se abrigar por lá!
Tô te esperando...
Roberto, há tempo não conseguia mais acessar ao seu blog, hoje, consegui retornado através de outro blog. Seu texto é nota dez. Além de bem construído é recheado de verdades, as quais em não sabia. Excelente história. Pode pensar em começar a registrar para editar um livro.
Grande abraço!
por onde andas tu, robertílimo? saudades de uma braga diferente contigo...
abraço!
Que "estória", hein?? Ou história??? rsrsrsr... Quisera ter encontrado contigo quando estive, por 2 meses, junho a agosto de 2013, em NYC!
Abraços..
Alípio
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