Monday, March 28, 2011

O Resgate de Abaporu


Descobri esta semana que Abaporu, de Tarsila do Amaral, um dos quadros mais importantes das artes plásticas no Brasil, é "emigrante" na Argentina. E isto doeu demais. O quadro faz parte de uma exposição no Palácio do Planalto e chamou a atenção do visitante Barack Obama, que perguntou à sua colega Dilma Roussef, o que ele representava para o Brasil. Abaporu tem esta força e apelo. Dilma fez as honras da casa e explicou se tratar de um dos maiores expoentes do movimento modernista de 1922. Ela se esqueceu de explicar, no entanto, que o quadro representa muito mais. Abaporu é muito mais que apenas um dos maiores produtos do movimento modernista de 22 e é, talvez, o mais conhecido de todos os quadros já pintados no Brasil. Será que não seria o caso de as autoridades brasileiras "repatriarem" Abaporu? Ter o emblemático quadro de Tarsila enfeitando a parede de um museu de Buenos Aires equivale, pra mim, a ver o Cristo Redentor numa montanha de Pequim ou Istambul. Já imaginaram as Cataratas do Iguaçu num cartão postal italiano? Ou o pantanal matogrossense no Texas? Faria bem para a auto-estima do país, que vive um momento tão bom, tão progressista, e seria uma espécie de resgatamento do futuro. Por mais que a volta de uma obra importante para a simbologia de país possa parecer uma busca do passado e de um tempo que se perdeu na história, no nosso caso pode ser exatamente o oposto disto. Afinal, o "país do futuro" parece estar, finalmente, acertando suas contas com o Destino e colocando os pés no melhor dos presentes. E o momento brasileiro é de exuberância, de resgate do amor-próprio, de grandes descobertas, de progresso e de ocupar um lugar que sempre nos foi prometido, mas jamais cumprido. Este futuro parece ser agora. Sei que parecerá estranho falar a um país com tantas carências, da necessidade do resgate de uma obra de arte, quando temos que resolver tantas outras pendências. Mas sou partidário de que cultura deveria ser prioridade nesta que é a sétima maior economia do planeta. Sei que virão me dizer que é mais urgente o combate ao tráfico de drogas e a pacificação das favelas. E que gerar novos empregos, semear novas escolas e resolver os mais prementes problemas de infra-estrutura, ocupam o lugar mais alto na lista de prioridades. E que é mais importante resgatar nossas meninas levadas para serem escravas sexuais nos bordéis do mundo, do que trazer de volta um quadro bonito. E que, muito antes de repatriar Abaporu, seremos cobrados a trazer de volta aqueles nossos filhos que colocaram o pé na estrada para ganhar o mais suado de todos os dinheiros, num outro país Sim, eu sei. Mas sei , também, que resgatar ícones da brasilidade pode ser possível, e que isto pode ter um efeito muito positivo na vida das pessoas. Vejam a alegria que Ronaldinho Gaúcho deu ao retornar ao Brasil. Seu retorno não agrada apenas a rubro-negros, mas a todo aquele que gosta do esporte bretão. Algumas empresas bancam os 1.2 milhão de reais que ele ganha por mês. E Ronaldinho Gaúcho nem é um Abaporu da bola. Ele, que é, hoje, quase um ex-jogador de futebol, nunca foi um Pelé, um Garrincha... Outro caso também recente e que causou bastante polêmica, foi o do valor a ser gasto no blog da cantora Maria Bethânia: quase um milhão de dólares. Um blog é apenas um blog, por mais que Maria Bethânia seja uma das maiores cantoras nascidas neste país. E Tarsila do Amaral é muito mais que uma das maiores. É a maior. Como uma operaçao desta natureza poderia ser ser feita? Confesso que não sei. A iniciativa privada, que ganha milhares de milhões todos os dias, bem que poderia prestar este serviço ao país. E descontar no imposto de renda. E isto é apenas um palpite de um sujeito que saiu há quase 30 anos do Brasil, mas que sempre teve o coração plantado por aí, como se ele fosse um pé de bananeira, um cajueiro ainda em flor. Nunca deixei de amar o país ou de respeitar aquilo que julgo ser importante para uma pessoa nascida nesta terra. Sou aquele sujeito que, toda vez que vou a São Paulo, tenho o estranho costume de ir ao Masp ver O Plantador de Café, de Portinari. Às vezes, vou só pra ver o quadro, saindo em seguida e me enfiando num táxi, para fincar bandeira no Bar do Léo (Rua da Aurora, número 100, bem no meio dos decadentes puteiros, no centro da cidade, e onde servem melhor chope do Brasil). Chegando lá, passo tardes inteiras tomando uns canecos, as retinas cheias da beleza roubada das tintas de nosso grande pintor e me sentindo o mais brasileiro de todos os brasileiros. Mas, este aí sou eu, e tenho dessas bobagens em mim. Eu sou apenas um palpiteiro nascido no Brasil.


A Música Que toca Sem Parar:

nos violões dos Irmãos Assad, a magia de Heitor Villa-lobos, Choros Nº 1.

Wednesday, March 16, 2011

Os Jetsons: relembre as tecnologias e veja o que é realidade

















Fonte: www.terra.com.br


Quem nunca se imaginou vivendo em cidades aéreas, dirigindo carros voadores e tendo uma empregada-robô para servir e limpar a casa? Se essa visão de futuro está no imaginário das pessoas, muito se deve a Os Jetsons, clássico desenho animado da Hanna-Barbera que mexe com a imaginação de toda uma geração há décadas.

Assista a episódios de Os Jetsons no Terra TV.

Estamos na metade do caminho do futuro imaginado por Os Jetsons. Toda a ação da série, produzida pela primeira vez entre 1962 e 1963, com uma segunda versão entre 1985 e 1987, se passa no distante ano de 2062. Quase 50 anos depois da mais famosa família do futuro chegar à TV, e faltando cerca de 50 anos para chegarmos à época em que vivem George, Jane, Judy, Elroy, Rosie e Astro, o que será que deu certo, o que foi superado e o que ainda podemos ver daqui pra frente na tecnologia imaginada pelos produtores do desenho?

Em entrevista ao Terra, Bob Hathcock, produtor da segunda versão da série na década de 80 e filho de Jerry Hathcock, produtor do desenho original na década de 60, disse que acredita que os escritores responsáveis por pensar na tecnologia usada em Os Jetsons não estavam tentando ser videntes ao mostrar a forma que as pessoas viveriam em 2062. "Eles estavam apenas tentando ser engraçados. Era uma espécie de Os Flintstones ao contrário", afirma.

A verdade é que muitas coisas que usamos e consideramos banais hoje em dia já haviam sido imaginadas há 50 anos não por técnicos em informática ou engenheiros, mas por profissionais de desenho animado. As videoconferências são um exemplo. Tão comuns quanto falar ao telefone, reuniões por vídeo entre filiais de empresas ou conversa entre amigos pelo Skype acontecem o tempo todo. Não precisaremos esperar até 2062 para ver cenas como o senhor Spacely conversando com George se tornando reais. E para quem não lembra, os "videofones", como eram chamados no programa, foram um prenúncio da era da mobilidade em que vivemos hoje, com videochamadas sendo feitas até pelo relógio de pulso.

Se por um lado esse tipo de situação já chegou, por outro ainda temos mais 50 anos pela frente para colocar em prática outros hábitos da família do futuro. Quer ter uma empregada-robô em casa? Hoje, em lojas de varejo, é difícil que você encontre uma Rosie para vender. Mas as pesquisas em robótica avançam a passos largos, e pesquisas com robôs humanoides capazes de realizar tarefas domésticas já estão em desenvolvimento. Só para citar um exemplo, pesquisadores sul-coreanos criaram um robô capaz de fazer a limpeza da casa, colocar a roupa na máquina de lavar e esquentar a comida no microondas. Robôs como o Mahru-Z, ou até mesmo como Rosie, aparecem a todo momento em feiras de robótica e em centros de pesquisa, mas sua fabricação em série, por enquanto, é inviável. Quem sabe daqui a 50 anos?

Futuro aéreo ainda é distante
Mas há muita coisa no desenho que estamos a uma distância gigantesca de alcançar. Tudo em Os Jetsons parece querer ficar no espaço. Os carros, as casas e até mesmo as partidas de golfe são mostrados no ar. "No final dos anos 50 e a maior parte dos anos 60 estávamos na época da corrida espacial e nós pensávamos que todas as coisas maravilhosas que estavámos ouvindo falar viriam a acontecer. As coisas nem sempre acontecem como você pensa. As pessoas comuns não vislumbraram a internet do jeito que ela é e o quanto ela assumiu as nossas vidas, mas achávamos que haveria aviões pessoais e edifícios flutuantes", diz Hathcock.

Nesse tempo que separa Os Jetsons do mundo que vivemos parece que o ser humano aprendeu a manter os pés no chão. Ainda damos passos pelas ruas e as rodas dos nossos carros seguem girando firmes no solo, e tudo indica que vai continuar assim por alguns anos. Protótipos de "carros voadores" até aparecem, mas mais se parecem com aviões do que com os veículos compactos que voam pelos céus de Orbit City no mundo dos Jetsons. Mesmo que o Pentágono tenha lançado um programa no ano passado querendo testar protótipos até 2015, é muito incerto pensar em um modelo desses pelas ruas - ou pelos ares - até 2062.

Futuro que já é passado
Mas o que é mais divertido pensar em Os Jetsons é no que era para ser futuro e virou passado muito tempo antes. Meio século antes de chegarmos à época em que se passa o desenho, já vivemos em um mundo em que buscamos informações em alta velocidade tocando em telas - enquanto a modernidade do desenho está cercada de botões.

Em oposição a objetos ultramodernos que talvez nunca saiam do campo das ideias, exemplos de projetos de futuro deles que já ficaram no nosso passado não faltam. Enquanto no desenho uma máquina preparava uma refeição completa em uma cápsula pressionando um botão, os funcionários das empresas do mundo Jetsons ainda batiam ponto com cartão-ponto (o que muita gente que vive na época dos crachás com chips nem deve conhecer). Da mesma forma, enquanto um avatar fazia o exercício matinal por George ou as pessoas conseguiam passar objetos pela tela da TV, os estudantes ainda consultavam informações em enciclopédias na série.

"Sei que as pessoas acham legal que um monte de coisas no programa se tornou realidade. Mas eu estou mais impressionado com a maneira como as coisas são diferentes do que o show tinha previsto", afirma Hathcock. Para o produtor, quando os robôs pessoais ou outros avanços em hardware chegarem as pessoas não vão se impressionar tanto, pois já é uma realidade com que elas estão acostumadas. Mas será que Hathcock, anos depois de ter trabalhado na séria, ainda arrisca o que poderia nos impressionar em 2062? "As maiores mudanças serão na bioengenharia e geoengenharia. Se nós pudermos viver o suficiente para vê-las será muito legal."

Saturday, March 12, 2011

4 Poemas de António Franco Alexandre

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Um dia abres os olhos e descobres
os inexactos corpos misturados
e ficas sem saber de que maneira
este estranho centauro nomear.
já te espantou o lume, quando viste
uma língua no sonho da saliva,
e te riste, de ser tão branco o sangue
que nas beiras da noite adormecia.
Agora é o teu corpo que procura
na orla da floresta, uma fogueira
onde acordar as mãos de forma humana
e resolver enfim, mas para sempre,
se ser o sacro emblema do horror
ou o primeiro verso de um poema


**

Duende
Assírio & Alvim, 2002

quero dizer-te: não morras.
Nem me digas quem és, quem foste, como sabes
a língua que se fala sobre a terra.
Ao lume lanço
toda a vontade de viver, ser vivo,
a cautela do ar, ardendo em torno.
Passarei, terás passado em mim, só quero
dizer-te: não morras nunca, agora, nunca mais.


Quatro Caprichos
Assírio & Alvim, 1999


**

Ocupam-te as nuvens, bem vejo
como te cega a dimensão da água,
como ordenas os quartos e os rios
a mesa da brancura e os limites

na rua continuam perguntando
que nome melhor rima com a boca
bem sei que te distraem os cargueiros
a dobra da janela nos cabelos

um sopro é a avenida o horizonte
rasgado pelo meio


A Pequena Face
Assírio & Alvim, 1983


**

Vou pôr um anúncio obsceno no diário
pedindo carne fresca pouco atlética
e nobres sentimentos de paixão.
Desejo um ser, como dizer, humano
Que por acaso me descubra a boca
e tenha como eu fendidos cascos
bífida língua azul e insolentes
maneiras de cantar dentro de água.
Vou querer que me ame e abandone
com igual e serena concisão
e faça do encontro relatório
ou poema que conste do sumário
nas escolas ali além das pontes
E espero ao telefone que me digam
se sou feliz, real, ou simplesmente
uma espuma de cinza em muitas mãos.



António Franco Alexandre
Quatro Caprichos
Assírio & Alvim, 1999

A Música Que Toca Sem Parar:
de meus becos mais escuros fui buscar Ooh Baby!, com o grupo Gamalon.

Tuesday, March 8, 2011

Carnaval, o verdadeiro túmulo do samba

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A letra da antiga cantiga diz que quem não gosta de samba não é bom sujeito. E que é ruim da cabeça ou doente do pé.
Eu gosto de samba, mas não sei sambar.
Sim, tenho um pé bichado, herança dos tempos em que achava que sabia jogar futebol, mas não sambo porque não sambo.
E isto não deveria fazer de mim um mau sujeito.
Gosto de samba de roda, de samba canção e de breque, de samba com cheiro e sabor de samba.
E me dá coceira o pagode industrial que tentaram me empurrar goela baixo, posto que, para mim, não passa de uma degeneração do gênero.
Constato que samba e carnaval se deformaram.
Onde foi parar o Rei Momo?
O que foi feito das colombinas e dos pierrôs apaixonados?
E os bailes de salão, movidos a marchinhas, serpentinas e confetes?
Esse atrofiamento do carnaval de agora me deixa sem graça.
E o bom e velho samba foi banalizado e já não passa de um pretexto - e não de uma razão - para a maior celebração nacional .
O samba já não veste fantasia.
Ele usa um disfarce.
Chamem-me de purista, se quiserem.
Rotulem-me como saudosista.
Mandem-me para um museu.
Coloquem-me numa camisa de força.
Despachem-me para Guantanamo Bay ou exilem-me em Cabul.
Mas não me calarei.
Teimo em associar samba e carnaval, embora tenha cada vez mais a certeza de que hoje são coisas bastante diferentes, e que já não caminham de mãos dadas.
São como aquele casal que continua vivendo debaixo do mesmo teto, ainda casado, mas ali ninguem se ama mais.
Uma vez por ano, carnaval e samba saem juntos à rua, cordiais, mas sem afeto.
Um casamento de aparências e de aparências somente.
Agora, o carnaval de rua apenas faz parte de uma grande engrenagem, tentáculo de organizações mafiosas que usam a maior festa popular do Brasil como cortina de fumaça para encobrir atividades paralelas.
Escola de Samba e o jogo do bicho andam lado a lado. Mão na mão.
Com o passar dos tempos, empresários espertos transformaram o carnaval num grande negócio e não existiria nada de errado nisto, se o conceito original não tivesse sido distorcido, adulterado, em detrimento do lucro.
E que aqueles que fazem a festa – o povo - recebessem um pedaço do bolo.
Os camarotes patrocinados por grande empresas são uma espécie de virtrine da vaidade por onde circulam apenas os bem nascidos, os bonitos, os famosos, aqueles a quem chamam de VIP.
É para sair bem na tv. E rende um dinheirão.
Ou será que os camarotes estão abertos aos verdadeiros protagonistas do carnaval?
Uma vez por ano o morro desce à avenida, mas cada pessoa ali é usada como mero figurante de uma superprodução hollywoodiana.
Numa espécie de efeito dominó, a maior festa popular do Brasil vem virando outra coisa.
Tomem o carnaval baiano, por exemplo.
A Bahia possui um dos sambas mais interessantes do Brasil.
O samba de roda baiano tem uma característica própria e é completamente diferente do samba do resto do país.
Mas ele, o samba de roda, não é convidado para o carnaval baiano.
Ala das baianas, em Salvador, é aquele lugar em que as vendedoras de acarajé se perfilam na margem das ruas para vender quitutes aos turistas.
Carnaval baiano virou sinônimo de axé music, de trios elétricos, de abadás, dancinhas de estação que já estarão esquecidas e devidamente substituídas por outras igualmente sexistas nos próximos anos.
Esta aberração baiana é musicalmente descartável, como deveria ser o próprio carnaval.
Deveria ter outro nome e ser apenas mais um axé-folia, como outros milhares que já acontecem pelo Brasil.
Melhor seria se mudassem tudo isto de nome e legitimassem a farsa.
Pode ser que, assim, Noel, Dorival, Cartola e Lamartine descansassem, finalmente, em paz.


A Música Que Toca Sem Parar:
de Wilson das Neves, interpretada por Zé Renato e Renato Braz, O Dia Em Que o Morro Descer e Não For Carnaval.


O dia em que o morro descer e não for carnaval
ninguém vai ficar pra assistir o desfile final
na entrada rajada de fogos pra quem nunca viu
vai ser de escopeta, metralha, granada e fuzil
(é a guerra civil)

No dia em que o morro descer e não for carnaval
não vai nem dar tempo de ter o ensaio geral
e cada uma ala da escola será uma quadrilha
a evolução já vai ser de guerrilha
e a alegoria um tremendo arsenal
o tema do enredo vai ser a cidade partida
no dia em que o couro comer na avenida
se o morro descer e não for carnaval

O povo virá de cortiço, alagado e favela
mostrando a miséria sobre a passarela
sem a fantasia que sai no jornal
vai ser uma única escola, uma só bateria
quem vai ser jurado? Ninguém gostaria
que desfile assim não vai ter nada igual

Não tem órgão oficial, nem governo, nem Liga
nem autoridade que compre essa briga
ninguém sabe a força desse pessoal
melhor é o Poder devolver à esse povo a alegria
senão todo mundo vai sambar no dia
em que o morro descer e não for carnaval.

Friday, March 4, 2011

"Eu só peço um dia
que a melancolia
deixe a poesia
em paz"

(Paulo César Pinheiro)