Thursday, February 21, 2019

Uma coisa meio Barry White


 Gustavo Veiga estava no Rio de Janeiro gravando o seu próximo CD (Dois Universos) e eu aqui, em New Jersey, penando com mais uma crise de bronquite. Havia acabado de chegar ao escritório, a alma empoeirada por um apartamento em construção e precisando urgentemente de um café para acordar.
Tocou o telefone e a voz do amigo saudou do outro lado da linha:
- Parceiro, estamos terminando de gravar Nossa História e o Jaime quer falar com você.
O Jaime - a quem ele se referia - é Jaime Alem, maestro da Maria Bethânia e de quem sou grande admirador. Ele está produzindo o trabalho e Nossa História é a primeira parceria (letra minha com melodia de Gustavo) a chegar a um CD.

- Roberto, tudo bem? Estamos precisando de um verso para o Gustavo ler no finalzinho da canção. Uma coisa meio Barry White, entende?
Não entendi.
E sabia que não sairia nada como ele queria.
Pedi meia horinha de prazo e, 5 minutos depois, enviaria por Whatzapp as palavras que seriam recitadas ao final da canção que fala de "chuva com peso de chumbo e beijos de final de novela."
Saiu isso aqui:

"Apesar dos desencontros
E das janelas fechadas
Dos dissabores do tempo
E das rotas desviadas
Refaço o mapa das nuvens
Mudo o sentido das chuvas
E escrevo
o seu nome no silêncio."

Nem Barry, nem White.
Dois dias depois recebi o aúdio da gravação. Arrepiei-me por inteiro.
A saber:

Jaime Alem é um competentíssimo arranjador.
E o parceiro Gustavo Veiga deixou um pedaço do meu coração amalgamado em seu disco.
Estou muito feliz.

* Foto: Jaime Alem e Gustavo Veiga.

Tuesday, February 5, 2019

Isabela voou


Será que ela tinha uma boneca Hello Kitty?
Assistiria Bob Esponja na televisão?
Gostaria de A Bela e a Fera e da Pequena Sereia?
Qual a sua fábula favorita?
Será que seu cabelo ficava mais bonito com laço de fita?
Usava trancinhas? Tererês?
Gostaria de sorvete de morango?
Comia brócolis?
Do que gostava de brincar?
Amarelinha, videogame, bonecas de pano – às quais tratava como pequenas filhas e lhes dava amor e cuidados -, ou esconde-esconde?
Pedra, papel e tesoura?
O que gostava de cantar Isabella?
Ciranda-Cirandinha? Twinkle twinkle little star?
Nos seus sonhos, feitos de nuvens e inocência, ela conversava com os bichos?
Falaria com anjos?
Teria amiguinhos imaginários, daqueles que só as crianças vêem e que os adultos dizem ser o anjo da guarda?
Nos seus pesadelos, feitos de monstros de outras dimensões e bruxas malvadas, quem era o herói que a salvava?
O Pai? 
O amiguinho imaginário? 
Ou despencaria de um precipício até beijar o chão?
Será que Isabella acordava chorando no meio da noite?
Será que sorria?
Quando nasceu o primeiro dentinho?
Gostaria de cães e gatos? Teria um? 
Gostaria de livros, de desenhar? 
Qual a flor favorita de Isabella Nardoni?
Cravo, lírio ou jasmim?
O que desenhava ela em seu caderno de escola?
Amiguinhos? 
Bichos? 
Criaturas como as dos cartoons?
Qual era a sua cor predileta?
Azul? Rosa? Cobalto? Carvão?
Qual o tamanho de seus sapatos? 
Já teria pintado as unhas?
Será que algum dia mergulhou no mar? 
Teria gostado do carinho das águas deslizando pela pele?
Gostaria de brisa, vento e verão?
Seria fogo ou terra, essa menina tão linda?
Qual o seu signo no horóscopo chinês?
O que lhe reservaria o futuro?
Na adolescência iria ter acne ou sardas, quando exposta ao sol?
O que lhe estaria reservado nas cartas da cigana e nas linhas da palma da mão?
Quando se apaixonaria pela primeira vez?
Teria em seu futuro um grande amor?
Que profissão abraçaria a adulta Isabella Nardoni?
Médica-veterinária? 
Trabalharia num banco? 
Venderia passagens aéreas para ilhas paradisíacas e pacotes para a Disney? 
Seria dona de casa?
Se casaria? 
Teria filhos?
Ninguém sabe. Ninguém saberá.
Isabella Nardoni voou.
Foi atirada do 6º andar do edifício onde viviam o pai, a madrasta e dois irmãos.
Saiu pela janela e voou. Virou anjo.
Como aqueles com os quais agora se mistura.