Tuesday, August 30, 2016

A dançarina



Ela dança quase parada
olhando a névoa que devora a pedra
e baila a bordo da casa que flutua
como um barco cigano

Dança com os olhos molhados
a cada aceno de despedida
a cada fantasma do passado
e a cada nova ferida

Dança a noite mal dormida
nas retinas fatigadas
na alma estilhaçada
na carne toda doída

Dança o sorriso de plástico
a flor murchando no peito
dança em nome do pai
do filho e do espírito santo

Dança de mal com Deus
dança de bem com o homem
dança com os pecados seus
mesmo os que não cometeu 

Dança com um par invisível
rodopia com a dor indizível
dança com os dois pés amarrados
e seus sapatos de cinderela

A moça dança sozinha
e no rodar de sua saia
rodopiam dores
maremotos, furacões

Dança um tango sem alma
dança para encontrar a calma
dança para esquecer
a solidão que escolheu como par

A moça dança, dança, dança...
ela não consegue parar de dançar
a moça dança, dança, dança...
ela não para de rodopiar.

A moça dança, dança, dança...


(30 de Agosto de 2016) 


* Poema de Caixa de Suspiros, primeiro livro de poemas do autor desde 1988. Lançamento previsto para abril de 2017.