Monday, December 15, 2014

As visões reveladoras de Geraldo



(Para o Geraldo Corredor da Paz,
que está sendo operado do coração neste momento e  precisa de boas energias)


Geraldo Carlos, o Corredor da Paz é um velho amigo.
Não fosse tão bagunçado e tivesse que se desfazer, de tempos em tempos, de seu acervo de fotografias, ele seria, sozinho, o museu da imigração brasileira nos Estados Unidos.
Vira e mexe, alguém joga fora caixas de fotos que ele pede pra deixar na casa por alguns dias, mas que nunca volta para apanhar.
Ah, Geraldo...
O danado era atleta, acreditem. E dos bons.
Vem daí o apelido 'Corredor da Paz'.
Geraldo corria maratonas e ganhou muitas provas pelo Brasil afora.
Sempre foi um espírito leve, uma alma boa que gosta de fazer o bem, sem olhar a quem.
Um homem livre.
Um indivíduo que não gosta de ter chefe. Que não pertence a ninguém.
Lembro-me de que há cerca de vinte anos, ele começou a aparecer na redação todos os dias. E ajudava em tudo o que podia.
Chamei-o à minha sala e fiz-lhe uma proposta de trabalho. Queria pagar por aquilo que ele fazia voluntariamente.
Ficou de pensar.
Reapareceria seis meses depois dizendo que, "do jeito que estava, estava bom". 
Não queria patrão. Não queria horário de trabalho e nada que o prendesse. Nem salário.
Continuou ajudando. Ajuda até hoje.
E não é só a mim que Geraldo ajuda.
Sempre que sabe de alguma criança precisando de um computador ou de livros para a escola, realiza trabalhos remunerados até conseguir o dinheiro necessário.
Ele tem o costume de passar numa padaria todas as manhãs recolhendo pães. E sai pela cidade procurando mendigos, principalmente os que vivem às margens do Rio Passaic, entre Newark e Harrison.
Geraldo é um super-herói pós-moderno. Um herói meio santo. Meio Rock n'roll.

E é neste papel que já ajudou a polícia a prender muitos "bad guys", ainda que isto significasse colocar em risco a própria vida.
O nariz torto no 3x 4 da identidade é um atestado disto, cortesia de uma gang de rua que ajudou a colocar atrás das grades.
Mas é a fotografia a sua grande paixão.
Desde que chegou , abandonou as pistas de corrida para se dedicar ao hobby, fotografando e posando ao lado de celebridades, artistas, atletas consagrados e chefes de estado. Nunca precisou de credencial ou crachá.
Excêntrico, vai chegando devagarinho, com aquele visual que é só seu.
Já o vi vestido de Tio Sam, mas ele pode aparecer de São Francisco de Assis ou Abraham Lincoln. Depende da lua.
Sua cabeça é uma tela onde, de vez em quando, reluz uma estrela de Davi.

     - Você é judeu, Geraldo?
     - Eu não, mas Jesus foi.
Possui este ar místico, gosta de contar sonhos estranhos que quase sempre falam de uma luz branca e figuras bíblicas.
De vez em quando, tem revelações.

Soube no sábado que ele estava internado em um hospital da cidade. Comprometi-me a vê-lo e recordei de uma outra internação de emergência, em que saí voando do escritório para visitá-lo no St. James.
Encontrei-o ligado a tubos eletromagnéticos, tinha uma agulha de soro enfiada na veia e aquele ar de quem está partindo para uma outra dimensão.
Assim que me viu, chamou-me para perto e falou com uma voz misteriosa:
    - Não sei o que vai acontecer comigo, mas se eu morrer, enterre meu coração em Governador Valadares.
    - "Deixa de bobagem, homem", respondi.
    Geraldo retomou o ar misterioso, chamou-me para ainda mais perto e murmurou ao pé do ouvido:
    - "Pega este papel. Guarde-o. Tive uma visão claríssima com estes números que estão escritos nele. Passe na lotérica e jogue. Somos sócios", sussurrou.

Saí do hospital e passei na lotérica, claro. A visão foi "claríssima",e a loteria correria na mesma noite.
Cheguei em casa, dormi e me esqueci.
Dois dias depois, o Corredor da Paz apareceu na redação vendendo saúde e perguntando se eu havia jogado os números que me dera.

    - "Claro", respondi.

Fomos juntos até a lotérica conferir o resultado, mais sócios do que nunca:
13, 20, 22, 32, 40 e 44.
A visão de Geraldo havia nos dado:
1, 9, 14, 29, 30 e 34.

O que me faz concluir que as visões reveladoras de Geraldo costumam falhar.
Ele, não.

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