Tuesday, December 29, 2015

Super-homem


O filósofo alemão Friedrich Nietzsche explica os passos através dos quais o Homem pode tornar um 'Super-Homem' em Assim Falou Zaratustra.
Mais adiante na história os estudantes norte-americanos Jerry Siegel e Joe Shuster criaram o Superman, personagem das revistas de quadrinhos, que posteriormente ganharia as telas na pele de Christopher Reeve.
Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa, eu sei.
O Superman de Christopher Reeve acabou se tornando um dos maiores fenômenos do cinema em todos os tempos.
A suposta origem dos poderes do Superman é o Sol amarelo da Terra.
Em Krypton o astro é vermelho, e essa diferença de freqüência eletromagnética entre ambos os astros faria com que, de alguma forma, as células do corpo de Kal-El fossem "carregadas" como verdadeiras baterias vivas.
Descobri isto na Internet, a mãe de todos os burros.
O homem de aço voava, atravessava estruturas, conseguia evitar o tombamento de um edifício, desentortava uma ponte de ferro, prendia bandidos com bravura e charme.
Seu corpo era impenetrável às balas e à inveja.
Quando não estava salvando a humanidade de inescrupulosos bandidos, era um esforçado repórter do jornal Planeta Diário.
Ironia do destino, o ator que deu a vida ao super-herói no cinema teve um fim trágico.
Amante da equitação, caiu de um cavalo num momento de lazer, ficando paralisado numa cadeira de rodas.
Seus últimos dias foram marcados pelo sofrimento.
Minha idéia de super-homem, no entanto, é diferente.
Em sua certidão de nascimento não consta Krypton, mas Mutum, um vilarejo remoto no Leste de Minas.
Meu super-homem trabalhou na roça até ser grande o suficiente para tentar a sorte na cidade grande.
Não se sentou num banco de escola, porque desde menino, ao invés de um lápis, empunhou uma enxada.
Ele plantou café, feijão, milho, hortaliças, cuidou da criação e amansou cavalos.
Ele, que calçou um par de sapatos pela primeira-vez aos 17 anos.
Ele, que na cidade grande, trabalhou em troca de comida e pelo direito de dormir num cubículo no fundo de um quintal.
Sua gratidão pela acolhida foi tamanha, que todos os seus filhos tiveram o nome do homem que o abrigou em sua chegada à civilização.
Conseguiu se alistar na polícia militar de Minas Gerais enxergando ali uma possibilidade única de sobrevir e criar a família.
Seu uniforme, de cor cáqui e sem nenhuma divisa nos braços, em nada se assemelhou à malha azul e vermelha dos grande herói dos quadrinhos e das telas.
Ele, que não possuía capa que lhe permitisse vôos mais altos e tinha passos miúdos, mas firmes.
Caminhou miúdo, chegou longe.
Ele, que casou e teve filhos, todos eles Carlos.
Ele, o meu pai.
A sua figura indestrutível tem sido pra mim, desde a mais tenra infância, um referencial e uma fortaleza.
Graças a ele, andei e ando de cabeça levantada pelas ruas de onde quer que meus pés pisem.
Sua honestidade era (e é!) um dos super-poderes.
A firmeza, a lealdade e a persistência eram (e são!) outros.
Hoje, meu super-homem vive momentos difíceis.
Aos '82 anos, ele trava agora uma das mais difíceis batalhas de sua vida.
Nenhum deles se chama Lex Luthor, Bizarro, Mongul, Metallo, Darkseid, Brainiac ou o Ultra-Humonóide, que foi o primeiro adversário do herói dos quadrinhos e das telas.
Seo Antônio, ou melhor, Seo Totoca, tem diante de si o desafio de nocautear uma pneumonia e uma veia entupida,o que tem lhe deixado impossibilitado de caminhar e duplicou-lhe a visão.
E eu, como no tempo em que devorava com voracidade as aventuras de meu herói das revistas em quadrinhos, quero chegar ao final desta história com a sensação de que meu mito maior venceu seu inimigo.
Meu super-herói, meu superpai, tem em mim muito mais que um admirador, ele tem em mim um crente.
Meu coração e minhas preces estão com ele lá no Brasil, aqui, e em todo o lugar.
O bem vencerá.
Tenho fé.


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Tuesday, December 22, 2015

Papai Noel


Todo ano é a mesma ladainha e você já deve estar de saco cheio e não é, certamente, de presentes.
Pedem-lhe tanto, Papai Noel.
Pedem roupas, brinquedos, perfumes, e grandes 'modernagens'.  Foi-se o tempo em que apenas crianças faziam pedidos.
Hoje elas ganharam a companhia inconveniente dos adultos, o que aumentou o grau de dificuldade do seu ofício.O trenó ficou pequeno depois que as miudezas foram inchando e deixaram de caber debaixo de uma árvore de natal.
Sua profissão é das mais difíceis, meu amigo. Aliás, tão difícil, que acho que você é um super-herói, destes de capa e espada.
Sua missão é quase tão complicada quanto a de um engenheiro da Nasa ou de um neurocirurgião.
Fazer feliz, contentar, requer ciência e coração.
Como você consegue? Qual é o seu segredo?
Tenho tanta pena de você.  Pedem-lhe tanto. Dão-lhe nada.
Pedem video-games, computadores e celulares de última geração.
Celulares destes que mandam cartas eletrônicas, tiram fotografias panorâmicas, fazem filmes e até servem para ligações telefônicas.
Pedem coisas impossíveis, velho Noel.
Pedem um emprego novo, um patrão que não encha a paciência e um aumento de salário.
Pedem um carro zero quilômetro, um inverno sem neve e um título de campeão no futebol.
Pedem uma viagem à Europa com direito a um cappuccino em Roma e uma taça de beaujolais nos Champs-Élysées, assim, com sotaque bem francês.
Pedem-lhe uma casa-própria, com muros brancos e jardim de flores que permanecem vivas mesmo quando não for mais primavera.
Pedem uma carreira.
Imploram por uma aposentadoria.
No tempo em que apenas os pequeninos deste mundo pediam presentes, era tudo imenso e a infância parecia maior que a própria existência humana.
Você levava na algibeira bonecas de pano, bolas de futebol feitas de borracha e carrinhos de matéria plástica.
Já vi menino ganhar papagaio de papel, pião de cedro e até uma caloi.
Já vi menina ganhar bailarina que rodopiava sem ficar tonta, diademas de esmeraldas de araque e caixas de lápis de cor.
Um vizinho meu ganhou um porquinho da Índia, que acabou sendo de todos nós.
Eram outros os tempos, eu sei.
De todos os presentes do mundo, Papai Noel, a presença é, hoje, o que faz maior falta.
Não é qualquer presença. É determinada presença. Às vezes no plural.
Para mim, que vivo há tanto tempo fora do lugar onde nasci, o natal é sempre vazio de algumas presenças imprescindíveis.
Não que eu não me contente com a proximidade de minha mulher e minhas filhas, e de meu irmão Antonio e sua família, que vivem a algumas quadras de mim.
Não que os amigos que fiz aqui não preencham um espaço importante e que não sejam fundamentais no meu existir.
Ou que eu seja um sujeito ingrato, destes que nunca se contentam com o que têm.
Mas é que, às vezes, falta-me um abraço de pai, um beijo de mãe.
E este ano, mais que em todos os outros, tudo o que eu queria de presente era um abraço do meu pai e um beijo de minha mãe.
E isto não cabe no seu trenó.

Saturday, December 12, 2015

Que mistérios (e bichos) tem Clarice?





O New York Times elogiou o livro Histórias Completas, de Clarice Lispector, editado por aqui, em inglês. Achei ótimo. Sou fã.
Clarice é um fenômeno nas mídias modernas e é mais popular, hoje, do que quando estava viva.
A internet, às vezes, presta um serviço à história e promove pequenos milagres. Tem acontecido bastante e, não raro, ela faz justiça e redime o tempo, colocando alguns pingos nos is.
A poeta dizia que escrevia para não enlouquecer e, talvez por isto, seus textos tenham chegado com tanta facilidade ao coração das pessoas. Só as coisas naturalmente verdadeiras conseguem isto. Não existe atalho para se chegar ao músculo da emoção. Esta é a mensagem que fica.
Hoje proliferam na internet alguns textos muito bons e que, mesmo não sendo de sua autoria, são atribuídos a ela.
Ela, Caio Fernando Abreu e Luiz Fernando Veríssimo, são os campeões neste quesito. E os textos são tão bons, que Veríssimo disse em uma entrevista recente que já se sentiu tentado a assumir a parte que (não) lhe toca.
Algumas pessoas pensam que a escolha do nome de minha filha caçula foi uma homenagem a Clarice Lispector. Mas não foi.
Clarice Lima ganhou este nome em uma cama de hospital, ainda na barriga da mãe, uma hora antes do seu nascimento. Era para se chamar Clara, mas minha mulher teve este lampejo sob o efeito da anestesia peridural. Eu não tive argumentos para demovê-la. E nem tentei.
Foi uma gravidez complicada, em que o bebê, apressado, queria vir ao mundo aos cinco meses de gestação. Portanto, aquele não era um momento apropriado para polemizar.
Na verdade, eu nunca tive voto na escolha do nome para as minhas filhas e tive que me contentar em dar nome aos bichos da casa, que são muitos e que, sempre, foram imposição das mulheres que mandam aqui.
Foi uma espécie de pacto silêncioso, implícito, em que minha mulher nomearia as filhas e eu, os bichos, o que acabaria por transformar minha casa em um zoológico. Escolhiam o animal, eu esperneava, contrariado, e elas diziam: “não reclame. Deixamos você colocar o nome”.
E eu, bobão, fui aceitando.
A sharpei Jade, que já não se encontra conosco, foi substituída por Nina e Laila, da mesma raça. Jade morreu após 11 anos de bons serviços prestados. Não saía de perto de mim. Lambia minhas mãos, chorava de alegria quando eu chegava em casa, chorava de saudade quando eu não estava. Logo eu, que não sou “bicheiro” e que prostestei todas as vezes que algum animal entrou para a ‘família’.
O primeiro pássaro da casa, uma calopsita ‘batizada’ de Lucky (sortudo, para os que não falam inglês), era tudo de bom. Mas não foi assim tão afortunado. Ele vivia solto pela casa, até que, um dia, foi pisoteado. Adivinhem por quem?
Clarice, claro, sempre desatenta, a cabeça nas nuvens. O bichinho jaz ao fundo do quintal, ao lado da piscina.
Ela passou dois dias chorando, até receber as calopsitas Rico e Luna, como forma de ‘compensação’ por seu atabalhoamento e para cessar de uma vez por todas com o chororô que prometia não ter fim. Calou-se durante um bom tempo.
Na esteira do casal de calopsitas viria a cacatua Cacatua, que é o mesmo que você nomear um cachorro, cachorro.
Cacatua foi o maior presente de grego que recebi na vida. Peter Pantoliano, o presenteador, queria se livrar de um mico. Ou melhor, de um problema. Passou-o para mim e hoje não sei o que fazer para me desfazer deste pterodáctilo incômodo e barulhento. No entanto sei que, se houver um plebiscito, Cacatua fica na casa e eu me vou.
Cacatua passa dias a fio tentando fugir da gaiola, que batizei de Alcatraz. É incansável o monstrengo branco, com seus bicos de aço, bicho inteligente, engenhoso, obstinado e perspicaz. Nasceu para isto. De vez em quando, consegue fugir de Alcatraz.
Como? Eu não sei.
Deveria se chamar McGyver, de tão engrenhoso que é.  E, todas as vezes que foge, é um prejuízo financeiro e emocional para mim.
Já estraçalhou estantes, moldes de porta e janelas, pés-de-mesa, estofamento de cadeiras, controles remotos de televisão e até a biografia de Paulo Leminsky, escrita pelo jornalista Toninho Vaz.
Não aguento mais esta bicharada.
Por causa deles, há quatro dias Clarice não fala comigo. Ela agora cismou que quer ter um porquinho da índia. Fui contra, claro. Ela diz que posso chamá-lo de Justin Bieber. E foi aí que não aceitei mesmo. E nem vou aceitar. Mesmo que ela fique mais quatro dias sem falar comigo.
Com essa bicharada em casa é impossível viver em um ambiente silencioso e 100% limpo.
Outro dia levei o meu casaco ao tintureiro e a chinesa me disse que nunca tinha visto tanto pelo de cachorro em um outro lugar que não não fosse em um cachorro. Eu quase morri de vergonha.
Portanto, Clarice que me perdoe: porquinho da índia, só na Índia.
E c’est fini.

PS: esta seria uma crônica de homenagem a Clarice Lispector, que completaria 95 em 10 de dezembro.
Clarice Lima não permitiu.




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