Monday, February 27, 2012

Das coisas que preciso encontrar e que não são poucas
























Preciso encontrar meu passaporte brasileiro que exilou-se de mim.
Desde que cheguei de Portugal, em novembro do ano passado, que não sei do seu paradeiro.
Estará no bolso do paletó que me acompanhou na viagem?
Será que caiu no chão e foi encontrado pela mulher da limpeza, e colocado num escaninho do departamento de achados e perdidos de algum lugar?
Terá sido esquecido num café de aeroporto e hoje traz a cara de um terrorista, um traficante de drogas, ou outro contraventor no lugar onde um dia existiu uma foto minha?
Eu gosto da minha fotografia naquele documento.
Estou dez anos mais moço e meu rosto ainda não era esse mapa pluvial do estado de Minas Gerais.
Estou dez anos mais novo e o mundo era um lugar bem mais jovem.
Há dez anos ainda 'não havia para mim Sarah Palin, ou a sua mais completa tradução'.
Não havia Neymar nem Michel Teló, e meu time ainda não havia flertado com a Segunda Divisão.
Há dez anos eu ainda chorava as dores de outros onze de setembro.
Desde então, aumentou o buraco na camada de ozônio, subiu o preço da gasolina, árabes e judeus continuam na mesma e mesmo eu, continuo por aqui, na mesmíssima.
Só que mais gasto.

E seu eu precisar ir para o Brasil? - pergunto aos meus botões.
E se explodir uma guerra, e eu tiver que fugir como um cão, com o rabo entre as pernas? - pergunto à minha covardia.
Preciso encontrar a coragem para não fugir, é verdade.
Mas antes disto, preciso encontrar o meu passaporte.
E preciso de muito mais.
Preciso encontrar a coletânea de Carlos Drummond de Andrade, e ler em voz alta o Poema das Sete Faces.

(...)Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração (...)

Preciso encontrar minhas sete faces e, se preciso for, dá-las a tapa, pois ainda há tempo.
Ainda há tempo de mudar de opinião.
De mudar de ares, de roupa e de vida.
Há tempo de virar o jogo.
De ganhar o jogo.
De criar novas regras e de reinventá-lo, o jogo.
Tempo de rabiscar montanhas e dar novas formas às nuvens.
E de pagar o preço.
Pois ainda há tempo de cuidar da saúde e retomar as caminhadas matinais.
Preciso encontrar, ainda, o amor próprio, a inteligência de querer ser longevo, de querer viver mais e melhor.
Inteligência, pois sim.
E encontrar os meus óculos, perdidos num lugar de mim.
Mas não os óculos, estes que me permitem enxergar o mundo com meus dois graus de astigmatismo no olho esquerdo, e um ponto cinco de miopia no direito.
Preciso encontrar aquele par de óculos especiais que me permita enxergar-me neles, peneirando, na leveza dos aros, o sol da cegueira que me desilumina tristemente os dias.
Este par de óculos que me permite ver joio e joia, menino bonito de mim.


A Música Que Toca Sem Parar:
de Belchior, uma das muitas músicas muito bonitas dele, Belchior, Pequeno Mapa do Tempo.

Eu tenho medo e medo está por fora
O medo anda por dentro do teu coração
Eu tenho medo de que chegue a hora
Em que eu precise entrar no avião

Eu tenho medo de abrir a porta
Que dá pro sertão da minha solidão
Apertar o botão: cidade morta
Placa torta indicando a contramão
Faca de ponta e meu punhal que corta
E o fantasma escondido no porão

Medo, medo. medo, medo, medo, medo

Eu tenho medo que Belo Horizonte
Eu tenho medo que Minas Gerais
Eu tenho medo que Natal, Vitória
Eu tenho medo Goiânia, Goiás

Eu tenho medo Salvador, Bahia
Eu tenho medo Belém do Pará
Eu tenho medo pai, filho, Espírito Santo, São Paulo
Eu tenho medo eu tenho C eu digo A

Eu tenho medo um Rio, um Porto Alegre, um Recife
Eu tenho medo Paraíba, medo Paranapá
Eu tenho medo Estrela do Norte, paixão, morte é certeza
Medo Fortaleza, medo Ceará

Medo, medo. medo, medo, medo, medo

Eu tenho medo e já aconteceu
Eu tenho medo e inda está por vir
Morre o meu medo e isto não é segredo

Eu mando buscar outro lá no Piauí
Medo, o meu boi morreu, o que será de mim?
Manda buscar outro, maninha, no Piauí



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Monday, February 20, 2012

Carnaval, o Verdadeiro Túmulo do Samba

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A letra da antiga cantiga diz que quem não gosta de samba não é bom sujeito. E que é ruim da cabeça ou doente do pé.
Eu gosto de samba, mas não sei sambar.
Sim, tenho um pé bichado, herança dos tempos em que achava que sabia jogar futebol, mas não sambo porque não sambo.
E isto não deveria fazer de mim um mau sujeito.
Gosto de samba de roda, de samba canção e de breque, de samba com cheiro e sabor de samba.
E me dá coceira o pagode industrial que tentaram me empurrar goela baixo, posto que, para mim, não passa de uma degeneração do gênero.
Constato que samba e carnaval se deformaram.
Onde foi parar o Rei Momo?
O que foi feito das colombinas e dos pierrôs apaixonados?
E os bailes de salão, movidos a marchinhas, serpentinas e confetes?
Esse atrofiamento do carnaval de agora me deixa sem graça.
E o bom e velho samba foi banalizado e já não passa de um pretexto - e não de uma razão - para a maior celebração nacional .
O samba já não veste fantasia.
Ele usa um disfarce.
Chamem-me de purista, se quiserem.
Rotulem-me como saudosista.
Mandem-me para um museu.
Coloquem-me numa camisa de força.
Despachem-me para Guantanamo Bay ou exilem-me em Cabul.
Mas não me calarei.
Teimo em associar samba e carnaval, embora tenha cada vez mais a certeza de que hoje são coisas bastante diferentes, e que já não caminham de mãos dadas.
São como aquele casal que continua vivendo debaixo do mesmo teto, ainda casado, mas ali ninguem se ama mais.
Uma vez por ano, carnaval e samba saem juntos à rua, cordiais, mas sem afeto.
Um casamento de aparências e de aparências somente.
Agora, o carnaval de rua apenas faz parte de uma grande engrenagem, tentáculo de organizações mafiosas que usam a maior festa popular do Brasil como cortina de fumaça para encobrir atividades paralelas.
Escola de Samba e o jogo do bicho andam lado a lado. Mão na mão.
Com o passar dos tempos, empresários espertos transformaram o carnaval num grande negócio e não existiria nada de errado nisto, se o conceito original não tivesse sido distorcido, adulterado, em detrimento do lucro.
E que aqueles que fazem a festa – o povo - recebessem um pedaço do bolo.
Os camarotes patrocinados por grande empresas são uma espécie de virtrine da vaidade por onde circulam apenas os bem nascidos, os bonitos, os famosos, aqueles a quem chamam de VIP.
É para sair bem na tv. E rende um dinheirão.
Ou será que os camarotes estão abertos aos verdadeiros protagonistas do carnaval?
Uma vez por ano o morro desce à avenida, mas cada pessoa ali é usada como mero figurante de uma superprodução hollywoodiana.
Numa espécie de efeito dominó, a maior festa popular do Brasil vem virando outra coisa.
Tomem o carnaval baiano, por exemplo.
A Bahia possui um dos sambas mais interessantes do Brasil.
O samba de roda baiano tem uma característica própria e é completamente diferente do samba do resto do país.
Mas ele, o samba de roda, não é convidado para o carnaval baiano.
Ala das baianas, em Salvador, é aquele lugar em que as vendedoras de acarajé se perfilam na margem das ruas para vender quitutes aos turistas.
Carnaval baiano virou sinônimo de axé music, de trios elétricos, de abadás, dancinhas de estação que já estarão esquecidas e devidamente substituídas por outras igualmente sexistas nos próximos anos.
Esta aberração baiana é musicalmente descartável, como deveria ser o próprio carnaval.
Deveria ter outro nome e ser apenas mais um axé-folia, como outros milhares que já acontecem pelo Brasil.
Melhor seria se mudassem tudo isto de nome e legitimassem a farsa.
Pode ser que, assim, Noel, Dorival, Cartola e Lamartine descansassem, finalmente, em paz.



A Música Que Toca Sem Parar:
o clássico de Antônio Maria e Luiz Bonfá, Manhã de Carnaval.



Manhã, tão bonita manhã
Na vida, uma nova canção
Cantando só teus olhos
Teu riso, tuas mãos
Pois há de haver um dia
Em que virás

Das cordas do meu violão
Que só teu amor procurou
Vem uma voz
Falar dos beijos perdidos
Nos lábios teus

Canta o meu coração
Alegria voltou
Tão feliz a manhã
Deste amor

Wednesday, February 15, 2012

Dos amores eternos e verdadeiros


















O que foi feito dos grandes amores de outrora? – pergunto eu.
Leio na imprensa sobre Dado Dolabella e Luana Piovani, romance bastante badalado e que esta semana saiu das páginas de fofocas e foi para parar numa delegacia do Rio de Janeiro.
Edson Balinha, um amigo querido, costuma filosofar depois do quinto chope que, dizer “eu te amo”, não pode ser em vão.
Eu te amo é tão sagrado que, segundo ele, deveria ser uma palavra só: euteamo.
E, portanto, não pode ser usado à revelia, descartável como uma camisinha.
E isto nos desanima – poetas de plantão - muitíssimo. Nos faz perder um pouco a esperança na palavra amor.
Onde foram parar amores como os de Lampião e Maria Bonita, Sartre e Simone de Beauvoir, Jorge Amado e Zélia Gattai, Richard Burton e Elizabeth Taylor?
Terão caído na banalidade, na vala comum dos amores de verão?
Ainda bem que recebi esta semana um email do poeta Pedro Ramúcio, contando uma história triste e de rara beleza, que me fez reavaliar minhas posições mais recentes.
Usarei as palavras do próprio bardo, reproduzindo parte do seu email:
“Em 2006, estive em Vitória-ES e conheci um casal de artistas, Marcos e Bianca, inspiradíssimos e de muito talento musical. Ficamos amigos de cara, amor à música à primeira vista.
Em 2007, voltei lá e pude apreciar a dupla de novo com muito prazer e apuro do melhor repertório musical, bom gosto à mancheia.
Final daquele ano, recebi a notícia de que a Bianca estava muito mal de saúde (pulmão) e caso se recuperasse não voltaria a cantar. Bomba que o Marcos segurou até o fim.
No meio deste 2008, ela não resistiu ao tratamento médico e partiu.
Tenho ligado pro Marcos que me disse ter 'enterrado sua viola quando Bianca foi sepultada, também era seu canto que entrava sete palmos dentro da terra'. Sem Bianca não tinha como ele seguir cantando. Pra quem, pra quê?
Em setembro agora, estive lá com ele e vi muito sofrimento pra uma pessoa só carregar. Tentei mostrar-lhe que cantar seria o melhor remédio, ainda que no início muito amaro, mas santo também. Ele me prometeu que tentaria, eu confiei e dei a força que pude, ou seja, quase nenhuma. Tive que vir-me embora.
Da última vez que liguei pra ele, eis que Marcos me pede um poema que falasse dele e Bianca. Eu tinha escrito esta canção na noite anterior.”
E foi assim que Ramucio escreveu um belíssimo poema “Anjo Ortográfico” , fazendo justiça ao amor do casal. Espero, sinceramente, que este poema venha a se transformar em letra de canção, tirada da lira melodista do próprio Marcos.
E que ele reencontre na lembrança de sua amada, inspiração e forças para voltar a cantar.
Amores anônimos, como os deste casal, nos fazem crer que o sentimento maior do ser humano continua vivo. E palpitando nos corações das pessoas.
O bom e velho amor, não morreu.
Ele não morrerá jamais.


(29/10/2008)


A Música Que Toca Sem Parar:
para ilustrar esta crônica antiga, escolhi uma canção composta por um amigo querido, de São Domingos do Prata-MG. De (e com) Celso Adofo, a mais bela canção de amor que uma boa parte do Brasil ainda não conhece: Nós Dois.

E nós que nem sabemos quanto nos queremos
Que nem sabemos tudo que queremos
Como é difícil o desejo de amar

Você que nunca soube quanto eu quis
Que não me coube, não me viu raiz
Nascendo, crescendo nos terrenos seus

Eu na janela, olhando a lua
Perguntando à lua: onde você foi amar?

E nós que nem soubemos nos querer de vez
Estamos sós, laçados em dois nós
Um que é meu beijo e outro é o lábio seu

Não sei sair cantando sem contar você
Que eu sei cantar mas conto com você
Que eu vou seguir mas vou seguir você

Queria que assim sabendo se a gente se quer
Queria me rimar no seu colo mulher
Vencer a vida de onde ela vier

Ganhar seu chegar no chegar meu
Dar de mim o homem que é seu.

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Tuesday, February 7, 2012

Uma canção de inverno

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(A primeira vez que vi a neve, dezembro de 1984)


O publicitário Lineu Vitali telefona reclamando do frio. Ele foi dar o passeio de motocicleta das manhãs de domingo e desanimou. Voltou para a casa, inconsolável, murcho.
Esse Lineu, que gosta de voar de asa-delta, saltar de pára-quedas, fazer rapel, pilotar lanchas de alta velocidade e já deve até ter se jogado de um bungee jump.
Quem lê essa crônica pode pensar: nesse frio, quem quer andar de moto? Nem mesmo o Lineu, apaixonado praticante dos esportes radicais!
Mas Lineu Vitali está na Flórida.
E a temperatura por lá anda na casa dos 70 graus Fahrenheit.
Lineu está mal acostumado.
No outro dia tive que tirar quase um caminhão de neve do capô de meu carro.
E dá-lhe de remover a maçaroca branca da frente da casa, à pá.
Para uma pessoa como eu, avessa a exercícios físicos e que tem em amarrar os sapatos todos as manhãs a sua sessão diária de ginástica, é um suplício.
Quando termino a maratona, não quero medalhas, mas uma dose generosa de conhaque e um café fumegante, que faço questão de segurar entre as duas mãos, para me aquecer.
Lembro-me claramente da primeira vez que vi a neve.
Corria o ano santo de 1984 e nevara a noite inteira. Telefonei ao Brasil e contei aos meus pais, aos amigos e quem mais tivesse saco de ouvir.
“A neve é fofinha, parece aqueles doces feitos pela avó da gente. Deixa tudo branquinho, imaculado, lindo. A neve purifica”, lembro-me de ter expelido estas “pérolas”.
Quando cheguei ao trabalho, naquele dia, recebi uma pá das mãos de meu patrão.
Passei quatro horas limpando um estacionamento com capacidade para uns sessenta carros.
Começou ali a minha desilusão com os flocos “purificadores” que caem dos céus.
Mais de 20 anos se passaram e a neve (e frio) é, na minha concepção, um dos únicos pontos negativos de se viver nos EUA.
Sim, acostumei-me a ela, mas é um exercício de paciência, ficar torcendo para o inverno passar rapidinho para poder, finalmente, abraçar com paixão as primeiras flores da primavera.
O que é uma prova de desinteligência, penso com meus botões. Preciso urgentemente encontrar maneiras de preencher o tempo de forma produtiva durante a hibernação forçada dos invernos.
Não aprenderei a esquiar, certamente.
Passeios de snowmobile estão peremptoriamente fora de cogitação.
Entregar-me aos prazeres da culinária e do bom vinho, mais aliciantes e menos extenuosos, são uma ameaça à essa silhueta já robusta, produto de mais de quatro décadas de absoluto sedentarismo.
Peço sugestões a amigos, alguns indicam bons livros, idas a teatros e museus, ou mesmo alugar um dvd; Mario Bittencourt sugeriu uma esteira de caminhar, excomunguei-o; Tadeu Martins receitou entrar em uma aula de dança de salão.
Descartei, obviamente.
Nasci com dois pés esquerdos e meus quadris enferrujaram quando Noé ainda ia à mata cortar madeira para construir a sua arca.
Retornar ao Brasil é um projeto que vem ganhando significância e força dentro de mim, mas depende de alguns fatores.
Meu coração já está lá, é verdade, nas montanhas mineiras, numa casa com fogão à lenha, jardim e pomar, uma vasta biblioteca, céu perenemente azul, sempre salpicado de estrelas ao anoitecer.
Antevejo uma casa com ocasionais luas cheias, chuvas de março, margaridas a açucenas esparramadas, xaxins com avencas e samambaias pendendo da varanda, serestas e amigos violeiros, terreiro embandeirado no mês de julho e um “corguinho” para pescar lambaris a uma distância que se percorra a pé.
Enquanto esse dia não chega, é essencial que eu aprenda a conviver inteligentemente com esses três meses de agonia, chumbo e neve.
Afinal, passar um terço da vida desejando que o tempo passe rápido, nada mais é do que uma forma de suicídio.


A Música Que Toca Sem Parar:

com letra de Ronaldo Bastos e melodia de Celso Fonseca, a emblemática O Tempo Não Passou, um de meus hinos.


Vou te escrever pra falar de new york
Não vim aqui esperar pelo fim do mundo
Estou feliz no postal de new york
E tudo mais e a saudade cortando o fundo
Quando acordo lá pra as três da madrugada
Sinto um anjo vir rondar meu cobertor
Colo a boca sobre a pele da vidraça
Sinto as mutações do tempo a meu favor
Não sou ninguém sem voçê em liverpool
Ou numa ilha dos mares do sul
Olho o relógio e as horas não passam por mim
Num cartão postal o tempo estacionou
Parou seu carro no drive-in
Pra nós o tempo não passou!