Thursday, September 29, 2011

Estelionato Semântico


















Muitas vezes fazemos mau uso da palavra. Nós a atrofiamos, dando a ela um emprego diferente daquele para o qual foi criada.

No outro dia, vi um comentarista esportivo chamando um determinado jogador de medíocre, como se ele fosse o piorzagueiro do mundo.

Mesmo que ele fosse o pior defensor do planeta, a palavra escolhida pelo jornalista não o colocaria nesta categoria.

Medíocre, que significa "na média", vem sendo usada para designar uma coisa absolutamente sem importância, insignificante.

Outra palavra que me chama bastante a atenção devido ao seu emprego de forma errônea é ignorante.

Chamam de ignorante aquele sujeito destemperado, de estopim curto, estúpido, grosseiro.

Considerar “ignorante” uma pessoa que tem dificuldade em aprender, por exemplo, é errado.

Na minha leitura da vida, ignorante é toda a pessoa que não toma conhecimento de determinada coisa, e escolhe ignorá-la, por mera opção.

Existem ainda palavras que possuem um sentido duplo, mas que com o passar dos tempos acabaram representando apenas um deles.

Fortuna é um destes casos.

Inicialmente era usada - também - para designar o destino de uma pessoa.

Hoje ela é empregada apenas para dizer enriquecer, "fazer fortuna", o que me faz perguntar: seria correto dizer que o dinheiro, se não compra a felicidade, poderia comprar o destino de alguém?

Outra que se perdeu na poeira dos tempos é reivindicar.

Nos tempos antigos reivindicar algo significava “vir ao rei” para pedir alguma coisa.

Nos dias de hoje, com o sistema monárquico existindo em pouquíssimos países, o mundo inteiro utiliza esta palavra sempre que alguém quer pleitear alguma coisa, exigir um direito.

E o rei? Onde ficou o rei?

É de bom tom lembrar, também, que com todas as conquistas ao longo dos tempos, o movimento Feminista ganhou um novo papel na sociedade.

Portanto, algumas pessoas precisam tomar certos cuidados para que não transformem algo tão importante, numa espécie de machismo vestindo saia.

Aprendi com a vivência, por exemplo, que calma não quer dizer frouxidão. E que firmeza não pode ser confundida com truculência.

E paz, meus amigos, não é o contrário daGuerra.

Paz é harmonia, concórdia.

É sossego, tranquilidade.

É calma, repouso.

Um estado de não-beligerância.

Fazera s pazes é reconciliar-se.

E a paz armada, é aquela que se sustenta pelo temor que os inimigos têm um do outro.

Não seria um disparate afirmar que, nenhuma guerra é santa. E que talvez seja o único jogo em que ambos os lados saem derrotados.

Aprendi, ainda, que a covardia não é uma forma de autopreservação. Ela é, isto sim, um sintoma de fraqueza, de pusilanimidade.

E que se saliente que xiita não é sinônimo de fanatismo, mas sim, uma corrente dentro do islamismo.

E que fé e fanatismo são duas coisas completamente diferentes.

Estamos, portanto, em muitos casos, interpretando e a aplicando muitas palavras de forma absolutamente incorreta no nosso cotidiano.

O que vale citar Oscar Wilde, que disse que, sesoubéssemos quantas e quantas vezes as nossas palavras são mal interpretadas, haveria muito mais silêncio neste mundo.


A Música Que Toca Sem Parar:

toda a beleza de Palavra Acesa, de Fernando Filizola, com o Quinteto Violado.


Se o que nos consome fosse apenas fome
Cantaria o pão
Como o que sugere a fome
Para quem come
Como o que sugere a fala
Para quem cala
Como que sugere a tinta
Para quem pinta
Como que sugere a cama
Para quem ama
Palavra quando acesa
Não queima em vão
Deixa uma beleza posta em seu carvão
E se não lhe atinge como uma espada
Peço não me condene oh minha amada
Pois as palavras foram pra ti amada
Pra ti amada
Oh! pra ti amada
Palavra quando acesa
Não queima em vão
Deixa uma beleza posta em seu carvão
E se não lhe atinge como uma espada
Peço não me condene oh minha amada
Pois as palavras foram pra ti amada
Pra ti amada
Oh, pra ti amada
Pra ti amada

Tuesday, September 27, 2011

2 Poemas de Orides Fontela

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Fala



Tudo
será difícil de dizer:
a palavra real
nunca é suave.


Tudo será duro:
luz impiedosa
excessiva vivência
consciência demais do ser.


Tudo será
capaz de ferir. Será.
agressivamente real.
Tão real que nos despedaça.


Não há piedade nos signos
e nem no amor: o ser
é excessivamente lúcido
e a palavra é densa e nos fere.

(Toda palavra é crueldade)



A estrela da tarde


A estrela da tarde está
madura
e sem nenhum perfume


A estrela da tarde é
infecunda
e altíssima


Depois da estrela da tarde
so há:
o silêncio.


A Música Que Toca Sem Parar
:
Nô Stopa, que vi crescer, filha de um sabiá, cantando da própria lavra Abre Aspas.


Se eu fosse um poeta
E entortasse a minha linha reta
Você me daria um ponto?
Ponto de interrogação
Se eu pusesse meus enfeites
O prazer do meu deleite
Você me daria um ponto?
Ponto de interrogação

Abre aspas e me leva nos meus versos que são seus
Abrevia a minha história
Se o mundo anda tão depressa
Eu não tenho pressa, vou perder a hora
Vou perder o sono,vou passar em claro
Claro que eu não vou passar em branco

Abre aspas e me empresta os seus olhos de ateu
Alivia a minha história
Se o mundo anda em linha reta
Eu ando em linha torta, eu ando do meu jeito
Vou andar à toa, vou ficar na proa
Cansei de ser marujo raso
Vou andar à toa vou ficar na boa
Se o mundo espera então eu faço

Friday, September 9, 2011

Neste 11 de Setembro

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Como aconteceu no dia 8, no dia 9 e em muitos outros dias que o antecederam, o mundo irá acordar com o sol neste 11 de setembro.
No Tibet, um monge se levantará e fará sua primeira oração da manhã.
Em sua prece, pedirá à divindade que derrame sobre o mundo um manto de luz.
Luz para enxergar na escuridão da intolerância.
Luz para caminhar na retidão dos justos.
Luz para fazer transparecer as almas aflitas deste mundo.
Luz para aqueles que não conhecem outro caminho que não o do ressentimento.
Em Estocolmo, na civilizadíssima Suécia, uma moça loura como uma princesa viking, abrirá a janela para permitir que a brisa fresca de final de verão, entre em seu quarto e se espalhe pelos quatro cantos, trazendo fluidos bons.
Na Espanha, numa casa de pedra da Andaluzia, uma menina cigana cantará um canto místico, um canto gitano da mais pura magia.
Em Varadero, Cuba, uma senhora de setenta anos de idade, confidente dos Orixás, irá a uma cachoeira com uma oferenda de agradecimento.
Ela molhará seus cabelos grisalhos nas águas do riacho, e sentirá escorrendo por seu rosto uma alfazema límpida e confortante.
Tranqüila, entenderá perfeitamente a linguagem dos peixes e conversará com as plantas num idioma que só os graduados da umbanda sabem entender.
Numa savana do Quênia um grupo de meninos sairá correndo, peito nu de encontro ao vento, livres e leves, sentindo na pele uma carícia da natureza.
Nos pampas argentinos, um vaqueiro levará o seu gado para pastar num vale bonito, verdejante, e o minuano soprará ao seu ouvido uma confidência:
- Algo de bom está acontecendo neste instante, aqui no lugar em que habitas.
No limite das duas Coréias, dois camponeses, um de cada lado da História, estarão sentados no espaço imaginário onde, provavelmente, foi desenhada a linha da fronteira e, juntos, dividirão um prato de comida.
Um padeiro francês, na volta de sua derradeira entrega da madrugada, esfacelará os pães que não foram vendidos no dia anterior, e os dividirá com os esquilos famintos da praça.
Numa igreja siciliana, um padre se porá de joelhos evocando a figura perene de Deus e, numa emocionada oração, pleiteará para que o Todo Poderoso derrame sua bondade sobre a humanidade, tocando a cada cidadão, independente de credo ou cor.
Nas ruas de Belfast, na Irlanda, um grupo de católicos e protestantes conversará normalmente, como se todo o ódio e amargura fizesse parte de um passado que deve ser esquecido.
Em Sidney, na Austrália, um aborígine trafegará pelas ruas da cidade sentindo-se parte daquele quadrado de concreto, carros, buzina e progresso.
Na Cidade do Cabo, no extremo da África do Sul, negros e brancos estarão fazendo uma passeata pacífica, uma via-sacra de agradecimento pelo progresso obtido na convivência entre ambos nos últimos tempos. E pela promessa de harmonia de tempos que ainda hão de vir.
Juntos, combinarão que a palavra Apartheid será excluída do dicionário. E sairão dançando pela cidade como se fosse carnaval.
Num bairro distante da zona norte de São Paulo, um grupo de meninos jogará futebol durante o recreio escolar.
Uma moça bonita e bem vestida, saída provavelmente da capa de alguma revista de moda, auxiliará uma anciã a atravessar uma movimentada rua londrina.
Em Santiago do Chile, um motorista mostrará ao turista suíço um grupo de mães numa praça do centro da cidade.
Ao contrário do canto de tristeza pelo desaparecimento de seus filhos durante a ditadura de Pinochet, hoje elas entoam uma marcha folclórica, saudando a chegada da colheita nos campos chilenos.
Numa mesquita da faixa de Gaza, um rapaz que queria ser homem-bomba muda de idéia e promete plantar um jardim. Nesse mesmo instante, em Jerusalém, Ariel Sharon receberá uma comitiva árabe para uma reunião que decretará um cessar-fogo definitivo.
E nós, que vivemos nas cercanias de Nova York, olharemos para o céu cristalino de setembro e nele não haverá nenhum sinal de perigo.
Apenas um bando de pombas brancas, sinalizando a existência de um mundo em paz.


** Essa crônica foi escrita um ano após o ­ataque terrorista de 11 de setembro e será publicada nesta época do ano, enquanto eu viver, como forma de tributo a todos que perderam sua vida no episódio.

Foto de Scott Lewis: David Filipov olha a foto de seu pai, Al Filipov, no painel-tributo erguido no centro de visitação, em Nova York.
Al Filipov era o piloto do primeiro avião da American Airlines Flight a se chocar contra uma das torres do World Trade Center.



A Música Que Toca Sem Parar:
de George David Weiss e George Douglas e , o canto de paz de Louis Armstrong: What a Wonderful World


I see trees of green, red roses too
I see them bloom for me and you
And I think to myself what a wonderful world.

I see skies of blue and clouds of white
The bright blessed day, the dark sacred night
And I think to myself what a wonderful world.

The colors of the rainbow so pretty in the sky
Are also on the faces of people going by
I see friends shaking hands saying how do you do
They're really saying I love you.

I hear babies cry, I watch them grow
They'll learn much more than I'll never know
And I think to myself what a wonderful world
Yes I think to myself what a wonderful world.