Tuesday, March 4, 2014

Carnaval, o túmulo do samba



A letra da antiga cantiga diz que quem não gosta de samba não é bom sujeito.

E que é ruim da cabeça ou doente do pé.

Eu gosto de samba, mas não sei sambar.

Sim, tenho um pé bichado, herança dos tempos em que achava que sabia jogar futebol, mas não sambo porque não sambo.

E isto não deveria fazer de mim um mau sujeito.

Gosto de samba de roda, canção e de breque.

Gosto de samba com cheiro e sabor de samba.

E me dá coceira o pagode industrial que tentaram empurrar goela baixo. Na minha modesta opinião, ele é uma degeneração.

Constato que samba e carnaval se deformaram com o passar dos tempos.

Onde foi parar o Rei Momo? O que foi feito das colombinas e dos pierrôs apaixonados?

E os bailes de salão, movidos a marchinhas, serpentinas e confetes?

Esse atrofiamento do carnaval de agora me deixa sem graça.

E o bom e velho samba foi banalizado e já não passa de um pretexto - e não de uma razão - para a maior celebração nacional .

O samba já não veste fantasia. Ele usa um disfarce.

Chamem-me de purista, de antiquado ou do que quiserem.

Rotulem-me como saudosista. Mandem-me para um museu.

Coloquem-me numa camisa de força.

Despachem-me para Guantanamo Bay ou exilem-me em Cabul.

Mas não me calarei.

Teimo em associar samba e carnaval, embora tenha cada vez mais a certeza de que hoje são coisas bastante distintas, e que já não caminham de mãos dadas.

São como aquele casal que continua vivendo debaixo do mesmo teto, ainda casado, mas que não se ama mais.

Uma vez por ano, carnaval e samba saem juntos à rua, cordiais, mas sem afeto.

Um casamento de aparências e de aparências somente.

Com o passar dos tempos, empresários espertos transformaram o carnaval num grande negócio e não existiria nada de errado nisto, se o conceito original não tivesse sido distorcido, adulterado, em detrimento do lucro.

Seria justo que aqueles que fazem a festa – o povo - recebessem um pedaço do bolo. Mas isto não acontece.

Os camarotes patrocinados por grande empresas são uma espécie de vitrine da vaidade por onde circulam apenas os bem nascidos, os bonitos, os famosos, os vips.

É para sair bem na tv. E rende um dinheirão.

Uma vez por ano o morro desce à avenida, mas cada pessoa ali é usada como figurante de uma superprodução nos moldes de Hollywood.

Uma produção que travestiu o que deveria ser uma celebração de nossa cultura de raiz.

Tomem o carnaval baiano, por exemplo.

A Bahia possui um dos sambas mais interessantes do Brasil.

O samba de roda baiano tem uma característica própria e é completamente diferente do samba do resto do país.

Mas ele, o samba de roda, não é convidado para o carnaval baiano.

Ali, predomina o axé, um dos piores tipos de poluição sonora já inventado pelo homem.

Ala das baianas, em Salvador, é aquele lugar em que as vendedoras de acarajé se perfilam na margem das ruas para vender quitutes aos turistas.

Carnaval baiano virou sinônimo de axé, abadá e dancinhas sexistas que já estarão esquecidas e substituídas por outras igualmente descartáveis no ano que vem.

A meu ver, o carnaval da Bahia “oficial” deveria ter outro nome e ser apenas mais um axé-folia, como tantos outros  que acontecem fora do estado nas micaretas que se reproduziram feito praga ao longo dos anos.

Melhor seria se mudasse tudo isto de nome e legitimassem a farsa.

Pode ser que, assim, Noel, Dorival, Cartola, Lamartine e seus iguais, descansassem, finalmente, em paz.