A letra da antiga cantiga diz que quem não gosta de samba não é bom sujeito.
E que é
ruim da cabeça ou doente do pé.
Eu gosto de
samba, mas não sei sambar.
Sim, tenho
um pé bichado, herança dos tempos em que achava que sabia jogar futebol, mas
não sambo porque não sambo.
E isto não
deveria fazer de mim um mau sujeito.
Gosto de
samba de roda, canção e de breque.
Gosto de
samba com cheiro e sabor de samba.
E me dá
coceira o pagode industrial que tentaram empurrar goela baixo. Na minha modesta
opinião, ele é uma degeneração.
Constato
que samba e carnaval se deformaram com o passar dos tempos.
Onde foi
parar o Rei Momo? O que foi feito das colombinas e dos pierrôs apaixonados?
E os bailes
de salão, movidos a marchinhas, serpentinas e confetes?
Esse
atrofiamento do carnaval de agora me deixa sem graça.
E o bom e
velho samba foi banalizado e já não passa de um pretexto - e não de uma razão -
para a maior celebração nacional .
O samba já
não veste fantasia. Ele usa um disfarce.
Chamem-me
de purista, de antiquado ou do que quiserem.
Rotulem-me
como saudosista. Mandem-me para um museu.
Coloquem-me
numa camisa de força.
Despachem-me
para Guantanamo Bay ou exilem-me em Cabul.
Mas não me
calarei.
Teimo em
associar samba e carnaval, embora tenha cada vez mais a certeza de que hoje são
coisas bastante distintas, e que já não caminham de mãos dadas.
São como
aquele casal que continua vivendo debaixo do mesmo teto, ainda casado, mas que não
se ama mais.
Uma vez por
ano, carnaval e samba saem juntos à rua, cordiais, mas sem afeto.
Um
casamento de aparências e de aparências somente.
Com o
passar dos tempos, empresários espertos transformaram o carnaval num grande
negócio e não existiria nada de errado nisto, se o conceito original não
tivesse sido distorcido, adulterado, em detrimento do lucro.
Seria justo
que aqueles que fazem a festa – o povo - recebessem um pedaço do bolo. Mas isto
não acontece.
Os
camarotes patrocinados por grande empresas são uma espécie de vitrine da
vaidade por onde circulam apenas os bem nascidos, os bonitos, os famosos, os
vips.
É para sair
bem na tv. E rende um dinheirão.
Uma vez por
ano o morro desce à avenida, mas cada pessoa ali é usada como figurante de uma
superprodução nos moldes de Hollywood.
Uma
produção que travestiu o que deveria ser uma celebração de nossa cultura de
raiz.
Tomem o
carnaval baiano, por exemplo.
A Bahia
possui um dos sambas mais interessantes do Brasil.
O samba de
roda baiano tem uma característica própria e é completamente diferente do samba
do resto do país.
Mas ele, o
samba de roda, não é convidado para o carnaval baiano.
Ali,
predomina o axé, um dos piores tipos de poluição sonora já inventado pelo
homem.
Ala das
baianas, em Salvador, é aquele lugar em que as vendedoras de acarajé se
perfilam na margem das ruas para vender quitutes aos turistas.
Carnaval
baiano virou sinônimo de axé, abadá e dancinhas sexistas que já estarão
esquecidas e substituídas por outras igualmente descartáveis no ano que vem.
A meu ver,
o carnaval da Bahia “oficial” deveria ter outro nome e ser apenas mais um
axé-folia, como tantos outros que
acontecem fora do estado nas micaretas que se reproduziram feito praga ao longo
dos anos.
Melhor
seria se mudasse tudo isto de nome e legitimassem a farsa.
Pode ser
que, assim, Noel, Dorival, Cartola, Lamartine e seus iguais, descansassem,
finalmente, em paz.