Tuesday, September 25, 2012

Porque me deu uma saudade feladaputa de escutar Lula Cortes

Dos Inimigos
(Lula Cortes)



Dos inimigos
Temos medo ou revolta
De quem nos ama
Temos todo coração
Dos que se perdem
Temos pena ou remorso
Dos que se encontram
Vemos a satisfação
Dos que se negam
Vemos marcas no seu rosto
De quem não ama
Como é triste o seu viver
De quem não vê
Vejo a falta que ele sente
Inutilmente
Nós sentimos o seu sofrer
Do acusado
Já se sente a solidão
De quem não pensa
Vejo gestos tão confusos
De quem não ama
Como é triste o seu viver
De quem não vê
Vejo a falta que ele sente
Inutilmente
Nós sentimos o seu sofrer


* Essa vai pro Zé de Assis, meu broda.


Saturday, September 22, 2012

O Presente Maior




Para os meninos David Drummond e Hique Silva

 
O que dar de presente a um menino no dia de seu aniversário?
Das minhas recordações da infância salta uma bola de futebol, presente de uma tia de Belo Horizonte.
Cresci achando ter ganhado menos presentes do que mereci.
Adulto, entendi que recebi muito mais do que puderam me dar.
O que dar a um filho, menino, no dia de seu aniversário?
Um futuro brilhante?
Um lugar garantido em Princeton, quando ele crescer?
Um poema?
Uma canção?
O gol da vitória numa final de campeonato na escola?
Um dez em matemática?
Um pai e uma mãe honestos e de bom coração?
Estes últimos são, a meu ver, um presente imprescindível.
Tudo o mais, vem junto, a reboque, dentro dos limites de cada um.
Eu, se pudesse, daria uma professora carinhosa e meiga, quase uma extensão da avó.
E um carrinho de madeira, com capô de lata e rodas recortadas de uma velha sandália havaiana.
Um peão, uma pipa e um carrinho de rolimã.
Um embornal com um estilingue e muitas bolinhas de gude.
E frutas maduras, cheirosas, suculentas, tiradas diretamente do pé.
Daria ainda manhãs de grama orvalhada.
Uma estrela que nunca se apaga.
E uma fogueira de São João.
Daria férias inesquecíveis na fazenda.
E um piau prateado, daqueles que dançam no extremo da linha que pende da ponta da vara de pescar.
Daria ainda um passeio no lombo de um cavalo troteiro.
E a visão confortante, ao longe, de uma chaminé fumegando na paisagem.
Construiria uma estrada margeada por flores silvestres, margaridas, cravos, lírios e jasmins.
Daria um conselho de avô.
Um biscoito da avó.
Um mergulho no riacho.
Uma ducha na cachoeira.
Uma lua cheia.
Noites sem pesadelos, sem bruxas malvadas ou dragões cuspindo fogo.
Chuvas?
Só se fossem as de verão, cantando “sol e chuva, casamento de viúva”.
E o ar com cheiro da terra molhada e um arco-íris, com seu pote de ouro, bem no fim.
Daria-lhe ainda uma festa de aniversário coalhada de balões coloridos num dia ensolarado, bem no começo da primavera.
E um bolo de chocolate com uma vela numeral em cima, além um coral de amiguinhos do peito, puxando um desafinado mas, entusiasmado, ‘parabéns’.
Mas os tempos mudaram, eu sei.
E hoje só se fala em videogames, bicicletas cibernéticas, rollerblades, Ipods, celulares, roupas de grife, viagens a Disney e bonecos de super-heróis, daqueles que lançam raios laser de seus olhos.
Não existe nada de errado nisto.
Mudaram os tempos e as prendas que damos aos meninos.
O que não podemos mudar é aquilo que acredito ser o presente maior.
No meu relicário, que é onde guardo as coisas de maior valor, estão o respeito e a admiração por um cara que sempre me deu muito mais do que pôde dar:
O amor pelo filho, esse sim, é um presente que dura para sempre. Herdei do meu como lição.
O resto, todo o resto, também é importante.
Mas é coisa menor.
Bem menor.
Grande é a infância.
 
(Roberto Lima)
 
 
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Saturday, September 15, 2012

Pequenas memórias alienadas


Eu, que hoje entendo muito pouco de quase nada, naquele tempo já não entendia muito de muita coisa.
Usava calças-curtas e cantava o hino nacional na escola, todos os dias, antes do começo das aulas.
Era um menino católico - como todos os outros -  e às vezes emprestava minha voz a um Padre Nosso meio desafinado, capenga, naquele país pré-Edir Macedo, pré-Robério de Ogum.
Eu não sabia melhor.
Todo sete de setembro eu desfilava na avenida -  como um mestre-sala mirim - junto com uma legião de soldadinhos de carne e osso ao som de marchas militares e outros baratos afins.
Às vezes um tanque nos servia de carro alegórico, e aquilo era imponente e intimidador.
No palanque, homens com estrelas nos ombros, roupas engomadas e sapatos lustrosos sorriam.
No rádio de ondas curtas, Dom e Ravel davam a saber que aquele era o lugar dos patriotas.

"Eu te amo meu Brasil, eu te amo
Meu coração é verde, amarelo, branco e azul anil
eu te amo, meu Brasil, eu te amo
ninguém segura a juventude do Brasil".


A juventude, eu não sei, mas a infância brasileira fedia no escuro.
Duvido de que pelo menos uma minoria dos meus contemporâneos tivesse consciência do que se passava no país daqueles dias.
Naquele interior do interior do Brasil, eu era pequeno demais para saber que os descontentes desapareciam em porões.
E que os contentes eram os homens vestidos de verde-oliva.
E que eles eram truculentos, couraçados, trucidantes...
Eu não sabia que o País do Futuro, no presente, não passava de mais uma republiqueta das bananas na América Latina.
Eu era um passarinho engaiolado e não sabia.

Infelizmente, daquela minha turma de meninos ninguém deu em grande coisa.
A minha geração foi uma das mais sacrificadas desde a colonização do país.
Somos a chamada geração perdida, a que descobriu o caminho da emigração e despachou brasileirinhos e brasileirinhas  para os quatro cantos do mundo.

Nós nos instalamos entre os aborígenes da Austrália, entre os malditos chicanos do Texas e os brasiguaios de algum lugar mais dentro do que fora do Brasil, ali pelas cercanias de Assunção.
Somos os subalternos, os estafetas, os contínuos.
Somos os decasseguis, os brasucas, os expatriados.
Somos aqueles que batem continência, os que abrem as portas dos carros e dos hotéis; e os que guardam o veículo e a casa alheia, os que se conformam com a sorte menor.
Somos os que lavam os pratos. Os que limpam o chão.
Somos os que lavam os cadáveres nos necrotérios.
Os que passeiam os cães das madames.
Os que servem à mesa.
Os que cozinham para os bem nascidos, e muitos destes vieram tão depois de nós.
Exceções?
É claro que as há, como em toda regra criada pelo homem-lobo-do-homem.
Mas não somos páreo para os de antes, nem para os de depois da década de 1960.
Nós somos os de durante.
Somos os zés e marias-ninguém deste gigante fincado na América do Sul.
No grande esquema das coisas, somos uns desinfluentes quase sempre cheirando a suor e picotando o cartão de ponto em algum lugar.
A minha geração nasceu condenada a ser menor.
E isto, até outro dia, eu ainda não sabia.


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Tuesday, September 11, 2012


No dia 11 de Setembro



Como aconteceu no dia 8, no dia 9 e em muitos outros dias que o antecederam, o mundo irá acordar com o sol neste 11 de setembro.
No Tibete, um monge se levantará e fará sua primeira oração da manhã.
Em sua prece, pedirá à divindade que derrame sobre o mundo um manto de luz.
Luz para enxergar na escuridão da intolerância.
Luz para caminhar na retidão dos justos.
Luz para fazer transparecer as almas aflitas deste mundo.
Luz para aqueles que não conhecem outro caminho que não o do ressentimento.
Em Estocolmo, na civilizadíssima Suécia, uma moça loura como uma princesa viking, abrirá a janela para permitir que a brisa fresca de final de verão, entre em seu quarto e se espalhe pelos quatro cantos, trazendo fluidos bons.
Na Espanha, numa casa de pedra da Andaluzia, uma menina cigana cantará um canto místico, um canto gitano da mais pura magia.
Em Varadero, Cuba, uma senhora de setenta anos de idade, confidente dos Orixás, irá a uma cachoeira com uma oferenda de agradecimento.
Ela molhará seus cabelos grisalhos nas águas do riacho, e sentirá escorrendo por seu rosto uma alfazema límpida e confortante.
Tranquila, entenderá perfeitamente a linguagem dos peixes e conversará com as plantas num idioma que só os graduados da umbanda sabem entender.
Numa savana do Quênia um grupo de meninos sairá correndo, peito nu de encontro ao vento, livres e leves, sentindo na pele uma carícia da natureza.
Nos pampas argentinos, um vaqueiro levará o seu gado para pastar num vale bonito, verdejante, e o minuano soprará ao seu ouvido uma confidência:
- Algo de bom está acontecendo neste instante, aqui no lugar em que habitas.
No limite das duas Coreias, dois camponeses, um de cada lado da História, estarão sentados no espaço imaginário onde, provavelmente, foi desenhada a linha da fronteira e, juntos, dividirão um prato de comida.
Um padeiro francês, na volta de sua derradeira entrega da madrugada, esfacelará os pães que não foram vendidos no dia anterior, e os dividirá com os esquilos famintos da praça.
Numa igreja siciliana, um padre se porá de joelhos evocando a figura perene de Deus e, numa emocionada oração, pleiteará para que o Todo Poderoso derrame sua bondade sobre a humanidade, tocando a cada cidadão, independente de credo ou cor.
Nas ruas de Belfast, na Irlanda, um grupo de católicos e protestantes conversará normalmente, como se todo o ódio e amargura fizesse parte de um passado que deve ser esquecido.
Em Sidney, na Austrália, um aborígine trafegará pelas ruas da cidade sentindo-se parte daquele quadrado de concreto, carros, buzina e progresso.
Na Cidade do Cabo, no extremo da África do Sul, negros e brancos estarão fazendo uma passeata pacífica, uma via-sacra de agradecimento pelo progresso obtido na convivência entre ambos nos últimos tempos. E pela promessa de harmonia de tempos que ainda hão de vir.
Juntos, combinarão que a palavra Apartheid será excluída do dicionário. E sairão dançando pela cidade como se fosse carnaval.
Num bairro distante da zona norte de São Paulo, um grupo de meninos jogará futebol durante o recreio escolar.
Uma moça bonita e bem vestida, saída provavelmente da capa de alguma revista de moda, auxiliará uma anciã a atravessar uma movimentada rua londrina.
Em Santiago do Chile, um motorista mostrará ao turista suíço um grupo de mães numa praça do centro da cidade.
Ao contrário do canto de tristeza pelo desaparecimento de seus filhos durante a ditadura de Pinochet, hoje elas entoam uma marcha folclórica, saudando a chegada da colheita nos campos chilenos.
Numa mesquita da faixa de Gaza, um rapaz que queria ser homem-bomba muda de ideia e promete plantar um jardim. Nesse mesmo instante, em Jerusalém, Ariel Sharon receberá uma comitiva árabe para uma reunião que decretará um cessar-fogo definitivo.
E nós, que vivemos nas cercanias de Nova York, olharemos para o céu cristalino de setembro e nele não haverá nenhum sinal de perigo.
Apenas um bando de pombas brancas, sinalizando a existência de um mundo em paz.




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