Monday, September 25, 2017

Ele não é um messias


Estou assustado com o ódio que tomou conta do Brasil e dos brasileiros.
A convivência entre as partes, antes pacífica, agora está fraturada e destrói sólidas amizades construídas ao longo dos anos. Eu mesmo fui vítima da intolerância reinante, perdendo o benefício do convívio com pessoas que sempre andaram de mãos dadas comigo e desfrutaram do meu gostar.
Sou tolerante e respeito quem não tem o pensamento alinhado com o meu, mas confesso que fico absurdado quando vejo amigos próximos acendendo velas para Jair Messias Bolsonaro, como se ele fosse um salvador da pátria. 
Respeito, claro. Mas discordo, veemente.
Estes meus amigos gostam do discurso bravateiro e o apontam como a panaceia para os males tupiniquins.
Esquecem-se do dia em que o país apostou as fichas em Fernando Collor de Mello, um homem que se auto-intitulava 'o caçador de marajás'.
Collor não apenas não cumpriu o prometido, como ainda se tornou um dos presidentes mais corruptos da história. Tão corrupto, que foi impichado, escorçado, expulso da presidência sob o coro inconformado dos caras-pintadas.
Bolsonaro não caçará ou achará nada, além de gasolina aditivada para jogar na fogueira do ódio.
Não achará a solução para o problema da corrupção.
Não estancará a sangria da violência.
Não curará nossas mazelas econômicas, pois não tem lastro para tanto.
Ele não será salvador de nada.
N-a-d-a! 
Este ex-militar age no inconsciente coletivo como a ponta de um dedo bolinando a raiz escancarada do dente que dói. E nisto ele sabe o que faz.
Consegue até que alguns sintam saudade da ditadura, que foi um retrocesso do qual ainda não nos recuperamos completamente.
Ele percebeu que o brasileiro está cansado dos desmandos e maracutaias da classe política. E que o cidadão já não aguenta sofrer com tanta sacanagem.
O deputado tem consciência de que o crescimento de seus ideais está intimamente ligado à decepção e ao medo dos cidadãos.
Mensalões, petrolões, operações lava jato, satiagraha e tantas (tantas!) outras, que ardem na alma coletiva e tem efeito de gás paralisante.
Decepção com a classe política, cuja carne podre fede escancarada nos noticiários da televisão.
Decepção com as instituições.
Escárnio. 
Nojo de tudo e de todos.
E o medo da chapa quente, que é circular sem correr riscos de violência ou morte pelas ruas desprotegidas do país.
Bolsonaro sacou que a decepção com figuras que outrora foram menestréis da esperança de melhores dias, tiveram seus nomes envolvidos em curriolas. Transformaram-se em adubo para soluções extremas, drásticas, e que certamente se mostrarão trágicas.
Como um besouro do mau agouro, ele fica ali, zumbizando no ouvido dos incautos, alardeando que tem o poder de acabar com os bandidos e a bandidagem. 
Fala babando, com a raiva própria dos raivosos, reverberando na vontade e cansaço de uma crescente parte do eleitorado, como se ele fosse uma passagem só de ida para o paraíso. 
Diz que vai armar os cidadãos, para que estes respondam a bala, olho por olho, dente por dente, aos ataques da bandidagem.
Desrespeitador, desanca mulheres, ofende colegas de plenário, tendo dito em uma ocasião que uma deputada era "tão feia", que não merecia ser estuprada por ele próprio. 
Acha que “mulher deve ganhar salário menor porque engravida”. E justifica alegando que, “quando ela voltar [da licença-maternidade], vai ter mais um mês de férias, ou seja, trabalhou cinco meses em um ano."
Defende o uso da tortura e diz que o maior erro da ditadura foi ter 'torturado e não matado.'
Disse para a cantora Preta Gil que ele não corria risco de seus filhos se relacionarem com uma mulher negra ou com homossexuais, porque eles foram muito bem educados.
E ainda ameaçou bater em gays, conversando com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso:
 “Não vou combater nem discriminar, mas, se eu vir dois homens se beijando na rua, vou bater.” 
Acha que o general Augusto Pinochet , um dos maiores carniceiros da história da humanidade, pegou leve com aqueles que atreveram a discordar da ditadura chilena:
“Pinochet devia ter matado mais gente”, disse.
O pré-candidato segue incólume nos noticiários, subindo nas pesquisas, destilando ódio e preconceito, prometendo mudar o Brasil na base da paulada sem oferecer alternativas reais, além das corriqueiras bravatas e ameaças que domina tão bem.
Messias?
Só no nome.
Jair Bolsonaro não passa de um Sassá Mutema sem poesia. 
Um candidato truculento e sem o carisma da personagem de Lima Duarte no folhetim. 
A única diferença é que a nossa novela é real e parecemos muito distantes de um final feliz.



Monday, September 4, 2017

Neste 11 de setembro


Como aconteceu no dia 8, no dia 9 e em muitos outros dias que o antecederam, o mundo irá acordar com o sol neste 11 de setembro.
No Tibete, um monge se levantará e fará sua primeira oração da manhã.
Em sua prece, pedirá à divindade que derrame sobre o mundo um manto de luz.
Luz para enxergar na escuridão da intolerância.
Luz para caminhar na retidão dos justos.
Luz para fazer transparecer as almas aflitas deste mundo.
Luz para aqueles que não conhecem outro caminho que não o do ressentimento.
Em Estocolmo, na civilizadíssima Suécia, uma moça loura como uma princesa viking, abrirá a janela para permitir que a brisa fresca de final de verão, entre em seu quarto e se espalhe pelos quatro cantos, trazendo fluidos bons.
Na Espanha, numa casa de pedra da Andaluzia, uma menina cigana cantará um canto místico, um canto gitano da mais pura magia.
Em Varadero, Cuba, uma senhora de setenta anos de idade, confidente dos Orixás, irá a uma cachoeira com uma oferenda de agradecimento.
Tranquila, entenderá a linguagem dos peixes e conversará com as plantas num idioma que só os graduados da umbanda sabem entender.
Numa savana do Quênia um grupo de meninos sairá correndo, peito nu de encontro ao vento, livres e leves, sentindo na pele uma carícia da natureza.
Nos pampas argentinos, um vaqueiro levará o seu gado para pastar num vale verdejante e o minuano soprará ao seu ouvido uma confidência:
- Algo de bom está acontecendo neste instante, aqui no lugar em que habitas.

No limite das duas Coreias, dois camponeses, um de cada lado da História, estarão sentados no espaço imaginário onde, provavelmente, foi desenhada a linha da fronteira e, juntos, dividirão um prato de comida.
Um padeiro francês, na volta de sua derradeira entrega da madrugada, esfacelará os pães que não foram vendidos no dia anterior, e os dividirá com os esquilos famintos da praça.
Numa igreja siciliana, um padre se porá de joelhos evocando a figura perene de Deus e, numa emocionada oração, pleiteará para que o Todo Poderoso derrame sua bondade sobre a humanidade, tocando a cada cidadão, independente de credo ou cor.
Nas ruas de Belfast, na Irlanda, um grupo de católicos e protestantes conversará normalmente, como se todo o ódio e amargura fizesse parte de um passado que deve ser esquecido.
Em Sidney, na Austrália, um aborígine trafegará pelas ruas da cidade sentindo-se parte daquele quadrado de concreto e progresso.
Na Cidade do Cabo, no extremo da África do Sul, negros e brancos estarão fazendo uma passeata pacífica, uma via-sacra de agradecimento pelo progresso obtido na convivência entre ambos nos últimos tempos. E pela promessa de harmonia de tempos que ainda hão de vir.
Juntos, combinarão que a palavra Apartheid será excluída do dicionário. E sairão dançando pela cidade como se fosse carnaval.
Num bairro distante da zona leste de São Paulo, um grupo de meninos jogará futebol durante o recreio escolar.
Uma moça bonita e bem vestida, saída provavelmente da capa de alguma revista de moda, auxiliará uma anciã a atravessar uma movimentada avenida londrina.
Em Santiago do Chile, um motorista mostrará ao turista suíço um grupo de mães numa praça do centro da cidade.
Ao contrário do canto de tristeza pelo desaparecimento de seus filhos durante a ditadura de Pinochet, hoje elas entoam uma marcha folclórica, saudando a chegada da colheita nos campos do país.
Numa mesquita da faixa de Gaza, um rapaz que queria ser homem-bomba muda de ideia e promete plantar um jardim.

Nesse mesmo instante, em Jerusalém, Benjamin Netanyahu receberá uma comitiva árabe para uma reunião que decretará um cessar-fogo definitivo.
E nós, que vivemos nas cercanias de Nova York, olharemos para o céu cristalino de setembro e nele não haverá nenhum sinal de perigo.
Apenas um bando de pombas brancas, sinalizando a existência de um mundo em paz.