Tuesday, August 25, 2015

Duas estórias de Clarice


(Para a Clarice, que completa 12 anos neste 25 de agosto)


UM VULTO NA PENUMBRA

Clarice assistiu um filme impróprio no cinema.
Ela tem 11 anos e a película estava regulada para pessoas acima de 13. Entrou com a irmã mais velhas e as primas.
O filme tinha cenas violentas, o que deve tê-la deixado bastante impressionada.
Duas da manhã, durmo pesadamente e sinto uma mão me tocar o rosto.
Abro os olhos e vejo aquela figura conhecida dissolvida na penumbra do quarto.
- Pai, estou tendo um sonho ruim.
Chego-me para o lado, puxo o edredom e ofereço o canto.
- Deita aqui, que papai te protege, digo flexionando o bíceps deficitário de músculos.
Ela ri, deita-se ao meu lado, abraça-me e dorme imediatamente.
Passo a noite em claro.
Fico ali, guardando o sono de Clarice, de olho na janela, de olho em Liam Neeson.

BIOGRAFIA

Estou terminando de ler a biografia do músico paraibano Zé Ramalho. Clarice, a caçula, entra no quarto e se deita ao meu lado:

 - Pai, que livro é este?
 Respondo, sem tirar o olho do livro.
 - É bom?
 Aceno afirmativamente com a cabeça.
 Ela olha na capa e vê uma foto do compositor em tronco nu, braços abertos
 - Livro de terror, né?
 Sorrio. Zé Ramalho não é lá dos mais belos. E respondo tratar-se de uma obra biográfica.

Clarice coça a cabeça, olha para mim e pergunta:
 - O senhor não acha que já passou da hora de escreverem a minha biografia?
 Concordei, claro.
 Já passou da hora.
 Adormeceu aqui, a cabeça jogada em meu ombro, a mãozinha direita segurando o livro.

Friday, August 7, 2015

Os carecas


Os carecas voltaram. Andam pelas ruas de Nova York e do mundo, másculos, decididos, fazendo as moças suspirar por onde eles passam. Fazem um estilo próprio, parecem ter uma linha de roupas criada especialmente para eles. Alguns usam brincos, outros mostram tatuagens épicas que poderiam ornamentar a parede de um museu. São perfumados.

Eles são modernos, pós-modernos, chegaram ocupando o espaço que até pouco tempo era dos metrossexuais, aquela turma bonita que depila o peito e usa camisas apertadinhas, insinuando o tanquinho do tórax e mostrando os bíceps esculpidos em academias. Rei morto, rei posto.
Não tenhamos dúvida: é a vez dos carecas.

Mas nem sempre foi assim. Houve um tempo que os carecas não eram tão bem vistos e chegavam a ser discriminados, objetos de comentários maldosos, tornando-se uma espécie de ponto de referência:
    “Lá na frente. Ao lado do careca”.

Num século que parece distante, houve quem escrevesse uma marchinha de carnaval como forma de redenção da classe. Com o evento das micaretas e o fim do carnaval de salão apenas os mais antigos se lembrarão do refrão daquela música de duplo sentido que garantia que é dos carecas que elas gostam mais. Fora do carnaval, nem sempre foi bom para os carecas.
Telly Savallas, o Kojack, e Yul Brynner, um dos irmãos Karamazov, foram os primeiros carecas amados e reverenciados de que tenho notícia. Com o passar do tempo vieram outros de indiscutível carisma, sendo Michael Jordan o mais amado de todos.

Hoje, muitos cabeludos raspam a cabeça por questões estéticas, para fazer parte da nova tribo. Mas não tenho dúvida de que a grande maioria raspa completamente, numa espécie de tratamento de choque para o que antes era um problema e que agora virou charme. Assim que os cabelos começam a cair, o sujeito vai à farmácia e compra uma gilete. Fim de papo.

Não existe mais aquela preocupação de esconder a falta de cabelos, hábito que existe desde o começo das coisas. Há registros históricos de que no Egito antigo recomendavam que se aplicasse no couro cabeludo a mistura de partes iguais de gordura de leão, hipopótamo, jacaré, cabrito e cobra. O imperador romano Júlio César (100-44 a.C.) sonhava recuperar seus cabelos utilizando-se de uma receita nada convencional constituída por ratos domésticos queimados, dentes de cavalo, gordura de urso e vísceras de veado.
Eu não sou imperador de nada, mas já tentei de tudo. Xampu de jaborandi, azeite de oliva, poções milagrosas vendidas por camelô de porta de estação rodoviária e, ultimamente, ando as voltas com uma espuma mágica receitada por um dermatologista. A cada dia que passa, eu tenho menos cabelos onde deveria ter, e constato a existência de cabelos onde não deveria ter.
Então eu decidi que - se os carecas continuarem em voga até o fim deste verão - irei raspar tudinho. E já escolhi uma tatuagem tribal para o braço esquerdo e adquiri um par de brincos de diamantes de mentirinha. 
Senhoras e senhores, se até o final deste verão não surgir uma nova fauna de ‘descolados’ na humanidade, este ex-jovem semicareca vai andar absolutamente na moda.

Quem viver verá.