Wednesday, July 31, 2013

Das coisas que não morrem jamais


Eu era rapazote em Governador Valadares e começava com o vício da leitura e as invencionices da escrevinhação.
Poesia foi a primeira grande fixação.
Eu misturava Augusto dos Anjos, Carlos Drummond de Andrade, Arthur Rimbaud e Charles Baudelaire com os catecismos de Carlos Zéfiro e as estórias do Jeca Tatu, do Almanaque Biotônico Fontoura.
Depois descobri a beleza das crônicas, o que acabou se tornando um ofício diário.

Era um banquete requentado, é verdade, mas ainda sim, um banquete diário.
Paulo Mendes Campos, Fernando Sabino e Rubem Braga me eram servidos à medida que os jornais do Rio e Belo Horizonte chegavam à cidade, três dias após terem sido publicados.

Os Lima, de posses modestas, não assinavam aquelas publicações, mas um vizinho que trabalhava numa barbearia do centro da cidade as trazia, quando voltava para casa ao final do dia.
Só comecei a gostar dos romances depois de ter lido outros gêneros mais curtos. E bem depois. Eu não queria o compromisso duradouro da leitura.
Queria algo rápido, como uma paixão. Os jovens, em geral, são assim, impetuosos, apaixonados, preguiçosos...
Roberto Drummond entrou em minha vida às prestações, bem depois.
Ele assinava uma coluna no Estado de Minas e fazia crônica esportiva com muita poesia. Chamava Reinaldo de Baby Craque. O ponta-esquerda Joãozinho era o bailarino da Toca. Os craques dos quais não gostava ou não aceitava eram chamados de tigres de papel.
Nunca escondeu de ninguém que era atleticano. É dele a célebre frase adotada por toda a massa carijó: "Se houver uma camisa branca e preta pendurada num varal durante uma tempestade, o atleticano torce contra o vento".
Roberto escrevia com maestria sobre outras coisas, também.

No Segundo Caderno do jornal, transformava Belo Horizonte na Cartagena de Garcia Marquez, na Pamplona de Ernest Hemingway. Era ali, na fonte que borbulhava à sombra da Serra do Curral, que ele bebia a água da inspiração.
Melhor do que nenhum outro escritor da capital mineira desvendou com o toque de sua pena a alma do belorizontino.
Tornava possível o amor da moça da Avenida Barbacena com o rapaz que veio do interior e foi morar em Betim. Conversava com uma cotovia que lhe dava conselhos de cima dos postes da Rua Rio Grande do Norte. Promovia duelos de adversários políticos ao pôr-do-sol em plena Praça do Papa, e marchava pela Afonso Pena com pobres miseráveis pedindo terra, trabalho e pão.
Li seu primeiro livro quando já vivia nos Estados Unidos e tornei-me um ardoroso fã.

Em 1988, quando fundei o Brazilian Voice, resenhei um trabalho seu, que acabara de ser lançado no Brasil.
Alguém de passagem por aqui levou-lhe o jornal e, algum tempo depois, recebi um recado dele: queria me encontrar quando fosse a BH.
Um mês depois estávamos no Dona Lucinha comendo feijão tropeiro e bebendo umas e outras. Foi impactante aquele primeiro encontro.
Passamos a nos encontrar sempre, todas as vezes que eu ia ao Brasil.

Ficávamos horas a fio conversando sobre tudo e nada nos bares da capital. Dono de uma generosidade ímpar tomava-me debaixo de suas asas fazendo-me sentir como se fosse um filho querido. O filho varão, que ele não teve.
Quando retornei aos Estados Unidos, ele já era colaborador do Brazilian Voice. Nunca levou um tostão por suas crônica e dizia que um dia cobraria um simbólico dólar por cada um de seus inventos publicados no BV. Mas que isto só aconteceria depois que ele ganhasse o Nobel de literatura.
Se eu não cheguei a entrar para a sua família, ele foi, certamente, o primeiro grande nome a entrar para a família Brazilian Voice. E a honraria maior veio com a publicação do livro Hilda Furacão, seu grande sucesso literário, que ele dedicou, junto com outras pessoas, também a mim.
Meu querido amigo, cujos títulos de livros tinham uma obsessão pela morte ("Quando Fui Morto em Cuba", "O dia em que Ernest Hemingway Morreu Crucificado", "A Morte de Dj em Paris" e "Os Mortos Não Dançam Valsa") me ensinou muito sobre imortalidades e o avesso de certos mistérios do ofício de viver.
Aprendi com ele que as coisas verdadeiras não morrem jamais.
Não morre o amor.
Não morre a amizade.
Não morre a gratidão.
Não morre a saudade.
Como que cumprindo uma sentença assinada por Deus, somos nós que morremos um pouquinho a cada nascer de sol.
Morremos como morre a juventude, os arroubos desta e tudo o que for apenas paixão.


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Sunday, July 7, 2013

Um poema de Ricardo Reis (pessoa de Pessoa)






















 
 
Segue o teu destino

 Segue o teu destino
Rega as tuas plantas
Ama as tuas rosas
O resto é a sombra
De árvores alheias

A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos
Só nós somos sempre
Iguais a nós próprios.

Suave é viver só
Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente
Deixa a dor nas aras
Como ex-voto aos deuses

Vê de longe a vida
Nunca a interrogues
A resposta está além dos deuses.

Mas serenamente
Imita o Olimpo
No teu coração
Os deuses são deuses
Porque não se pensam
 
 
 
 
(Poema de Ricardo Reis - Melodia de Sueli Costa)

Friday, July 5, 2013

Um poema de Maria do Rosário Pedreira e Uma Canção Cubana (que toca sem parar)

























Dorme, meu amor, que o mundo já viu morrer mais
este dia e eu estou aqui, de guarda aos pesadelos.
Fecha os olhos agora e sossega o pior já passou
há muito tempo; e o vento amaciou; e a minha mão
desvia os passos do medo. Dorme, meu amor -

a morte está deitada sob o lençol da terra onde nasceste
e pode levantar-se como um pássaro assim que
adormeceres. Mas nada temas: as suas asas de sombra
não hão-de derrubar-me eu já morri muitas vezes
e é ainda da vida que tenho mais medo. Fecha os olhos

agora e sossega a porta está trancada; e os fantasmas
da casa que o jardim devorou andam perdidos
nas brumas que lancei ao caminho. Por isso, dorme,

meu amor, larga a tristeza à porta do meu corpo e
nada temas: eu já ouvi o silêncio, já vi a escuridão, já
olhei a morte debruçada nos espelhos e estou aqui,
de guarda aos pesadelos a noite é um poema
que conheço de cor e vou cantar-to até adormeceres.


Poema de Maria do Rosário Pedreira
Foto: A Fonte da Paz, de Greg Wyatt (Igreja St John The Divine, Nova York)
Canção: Quedate, Kevis Ochoa e Decemer Bueno