Saturday, February 25, 2017

Antropônimos esdrúxulos




Li em algum lugar que os nomes mais populares de 2015 foram Alice, Sophia e Julia para as meninas e Miguel, Artur e Davi para os garotos, repetindo o mesmo resultado do ano anterior, mudando apenas a ordem das preferências.

Nome próprio ou antropônimo é o nome dado à pessoa ao nascer.  O nome é considerado o elemento mais antigo de identificação do homem.
No Direito, o nome atribuído à pessoa física é chamado de nome civil e tem a função de identificar e individualizar a pessoa durante toda a sua existência e até depois dela. Ter um nome civil é um Direito garantido por lei.
A menos que algo muito impactante aconteça na vida da pessoa – uma operação de mudança de sexo, por exemplo – o nome é uma das poucas coisas que o indivíduo vai carregar para sempre. Os pais deveriam pensar muito antes de nomear seus filhos.
No Brasil os nomes próprios são muito imaginativos. Muitos pais brasileiros fazem uma geleia geral na escolha deste substantivo tão essencial. E o resultado quase nunca é bom.
Os genitores gostam de homenagear alguém, toda vez que nasce uma criança na casa. Em geral, escolhem alguma celebridade, um cantor, uma atriz, o que quase sempre dá um rolo danado.
Os mocinhos da novela das 8 abundarão no ano que vem, podem apostar. Já vivemos a era dos “ciganinhos” Igor de Explode Coração e das odaliscas Jade, de O Clone, e os novos folhetins globais já devem estar rendendo muitas homenagens por todo o país. Novos Chicos, eu asseguro, ainda virão.
Os jogadores de futebol também se reproduzem em cativeiro.  Entre tantos, tem o Kempes da Chapecoense, o Breitner do Figueirense, que não me deixam mentir.
E tem os Maikes, Mikes e Maicons, que fazem parte de um corrente mais americanizada da coisa. Eles são tantos, que daria uma crônica só deles.
Conheci um sujeito chamado Waldisney. O pai era vidrado nos gibis de Walt Disney. E teve também o Uesneive, uma singela homenagem à marinha americana, a potente Us Navy. E tem ainda as sandices absolutas. Como no caso de Chevrolet da Silva Ford, que achei na internet. O seu pai deve ter sido um mecânico.
Existem os casos das combinações, ajuntamento dos nomes do pai e da mãe e que costumam redundar em algo curioso.
Minha amiga Claudinete logo me salta à memoria. Claudio e Janete se misturaram também no nome da filha. Tem aos milhares.
Existe também aquele caso dos malucos-beleza, que dão aos seus rebentos os nomes mais esdrúxulos de que se tem notícia. Os cantores Pepeu Gomes e Baby Consuelo, hoje Baby do Brasil, por exemplo, foram cruéis com suas crias.
Riroca era um nome carinhoso que o guitarrista chamava Baby.  Zabelê é o nome de um pássaro da Bahia. Nãnashara é uma mistura de shara (que quer dizer som) com nana, que era como a Riroca chamava a irmã;  Pedro Baby foi uma homenagem que fizeram a si próprios e teve ainda o menino  Kryshna Baby, que Pepeu diz ter sido um tributo a Deus.
Riroca, que hoje é pastora evangélica, mudou legalmente o seu nome. Ela agora é Sarah Shiva.
As homenagens aos santos também são muito comuns. Curiosamente, um dos santos mais populares dos dias de hoje, São Judas Tadeu – o das causas impossíveis – quase ficou de fora. Mas é frequentemente confundido com Judas Iscariotes, que traiu Jesus. Aliás, conheço muitos Jesuses.
Na década de 1960 e 1970 eram muito comuns os nomes compostos. Marta Cristina, Regina Maria, Paulo Sérgio, José Luiz, Luiz Carlos, Maria Aparecida e por aí afora.
La em casa éramos todos Carlos. Meu pai queria demonstrar gratidão a uma pessoa que o acolheu quando ele trocou a roça pela cidade, em 1958.
Carlos Antonio - que já morreu - e Antonio Carlos são irmãos deste Carlos Roberto que vos fala.
Até pouco tempo eu não gostava do nome que me deram. Achava que o primeiro nome é que conta e que eu não poderia ser Carlos, como o primogênito e o caçula da casa.
Para nos distinguir, eu virei o Roberto, irmão de Toninho.
Carlos Antonio era Carlos Antonio mesmo.
Na infância, eu odiava quando minha mãe me chamava pelo nome completo. Nestes casos, só Jesus na causa.
Quando ela chegava no portão da casa e gritava ‘Carloooos Robeeeerto’, eu sabia que era bronca.
Aqui nos Estados Unidos é costume nos chamarem pelo primeiro e último nome, o que pra mim é sempre complicado.
Quando recebo a correspondência do leão do imposto de renda, por exemplo, é um calafrio. O homem da imigração também me chama de Carlos Lima, quando retorno ao país.
Quando dito por inteiro, meu nome soa como o de um cantor de bolero, destes que ganham a vida cantando em churrascarias.

“E agora, respeitável público, com vocês… Caaaaarrloooooos Robeeeeeerto!!!”.

Com o passar do tempo tenho me pacificado e aprendendo a aceitar as coisas que fogem ao meu controle. Eu já não me torturo com a escolha do nome que me deram e até consigo encontrar alguma beleza nele.
Aceitar dói menos, certo?
Hoje eu sei que Carlos Roberto não foi uma brincadeira de mau gosto dos meus pais. Dito da maneira correta, no tom certo, é quase um poema.


Tuesday, February 21, 2017

Três poemicos sem a menor importância


(I)
Desorizonte

Em Belo Horizonte
Enterrei minha avó
E seu filho, meu pai

Em Belo Horizonte
Enterrei o sonho
De transformar
O inverno da vida
Em feliz verão

Belo Horizonte 
É o cemitério
Onde estão enterrados
Passados e futuros
Meus.


(II)
Desmágica

No que acendo a luz,
apago o silêncio
do quarto.


(III)

Desastre

Vasculham a alma, os dois,
Tentando achar a caixa-preta 
daquele grande amor.

Tuesday, February 14, 2017

Os gauloises de Brigitte


Parei de fumar no dia 1º de dezembro de 2011, após tentar escalar um poste da South Street. Bati a cabeça no painel do carro e até hoje não lembro de nada relativo ao acidente.
No dia seguinte, entrando numa máquina de tomografia do hospital, fiz um pacto com Deus.
Entendi que havia recebido uma segunda oportunidade e tinha que dar algo em troca. Dei os cigarros.
Por que não o álcool, principal fator causador do acidente?
Porque achei que o cigarro estava me fazendo mais mal do que a bebida, o que pode parecer um ato de negação, observada a gravidade do acidente, mas que para mim fazia mais sentido naquele momento.
Achei que controlar a bebida era mais fácil do que o cigarro consumido compulsivamente,  quase quarenta todos os dias.
Talvez tenha sido influenciado pelas campanhas anti-tabagismo na televisão.
O tabaco é um assassino silencioso, que mata aos pouquinhos. Mas quem tem pressa de morrer?
Quando comecei a fumar o cigarro ainda não causava câncer. Nem enfizema ou impotência sexual, como apregoam os maços de cigarro dos dias de hoje.
Todo mundo fumava.
Meus amigos, meus ídolos e até o padre da paróquia. E eu achava lindo ver os intelectuais falando aquelas coisas todas entre uma baforada e outra, as pérolas que iam dizendo se misturando à fumaça.
Nas novelas de televisão,  nas telas do cinema e até mesmo dentro destes, as pessoas se esbaldavam na névoa esbranquiçada.
Fumava-se dentro dos bares, em praças de esportes e até no interior dos aviões.
Não havia esta irritação jihadista contra os tabagistas de agora, nem leis proibindo sua prática em lugares fechados.
O cigarro fazia companhia, aplacava a ansiedade e era uma maneira de aproximar as pessoas.
– Tem fogo?
O sujeito arrancava do bolso um isqueiro ou uma caixa de fósforos e começava ali uma amizade. Ou algo mais.
Pedir fogo já resultou em muitos romances.
Como esquecer Brigitte Bardot com um gauloises entre os lábios carnudos?
Ou o escritor franco-argelino Albert Camus na capa de O Estrangeiro, um de meus livros favoritos?
As pessoas ainda não tinham a consciência dos malefícios do tabagismo como agora, não eram estes cruzados capazes de atitudes tão rudes, tão paladinas.
Desde o primeiro de dezembro de 2011, nada de cigarro para mim. Necas! Mas não existe um único dia que eu não tenha saudade dele.
Uma saudade aguda, quase física.
No outro dia, vinha com Edilberto Mendes à caminho do consulado brasileiro, em Nova York, e deparei com o tamanho da minha fraqueza.
Descíamos a rua 46 em direção à sexta avenida, quando vi um mendigo de cabelo rastafari, o peito nu, acocorado com seu marlboro em brasa, o nike todo fodido, e aquela expressão imperturbável  de prazer. Ainda nem eram 9 da manhã.
Olhei para o homem sem disfarçar a admiração e relatei ao amigo o tamanho da inveja que ele despertara em mim.
– Inveja de um mendigo, Roberto?
Sim, inveja da durabilidade, da incorreção política e sua absoluta ausência de fé ou desejo de eternidade.
Um homem livre e que não faz pacto com ninguém.
Nem com Deus.

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