Tuesday, February 14, 2017

Os gauloises de Brigitte


Parei de fumar no dia 1º de dezembro de 2011, após tentar escalar um poste da South Street. Bati a cabeça no painel do carro e até hoje não lembro de nada relativo ao acidente.
No dia seguinte, entrando numa máquina de tomografia do hospital, fiz um pacto com Deus.
Entendi que havia recebido uma segunda oportunidade e tinha que dar algo em troca. Dei os cigarros.
Por que não o álcool, principal fator causador do acidente?
Porque achei que o cigarro estava me fazendo mais mal do que a bebida, o que pode parecer um ato de negação, observada a gravidade do acidente, mas que para mim fazia mais sentido naquele momento.
Achei que controlar a bebida era mais fácil do que o cigarro consumido compulsivamente,  quase quarenta todos os dias.
Talvez tenha sido influenciado pelas campanhas anti-tabagismo na televisão.
O tabaco é um assassino silencioso, que mata aos pouquinhos. Mas quem tem pressa de morrer?
Quando comecei a fumar o cigarro ainda não causava câncer. Nem enfizema ou impotência sexual, como apregoam os maços de cigarro dos dias de hoje.
Todo mundo fumava.
Meus amigos, meus ídolos e até o padre da paróquia. E eu achava lindo ver os intelectuais falando aquelas coisas todas entre uma baforada e outra, as pérolas que iam dizendo se misturando à fumaça.
Nas novelas de televisão,  nas telas do cinema e até mesmo dentro destes, as pessoas se esbaldavam na névoa esbranquiçada.
Fumava-se dentro dos bares, em praças de esportes e até no interior dos aviões.
Não havia esta irritação jihadista contra os tabagistas de agora, nem leis proibindo sua prática em lugares fechados.
O cigarro fazia companhia, aplacava a ansiedade e era uma maneira de aproximar as pessoas.
– Tem fogo?
O sujeito arrancava do bolso um isqueiro ou uma caixa de fósforos e começava ali uma amizade. Ou algo mais.
Pedir fogo já resultou em muitos romances.
Como esquecer Brigitte Bardot com um gauloises entre os lábios carnudos?
Ou o escritor franco-argelino Albert Camus na capa de O Estrangeiro, um de meus livros favoritos?
As pessoas ainda não tinham a consciência dos malefícios do tabagismo como agora, não eram estes cruzados capazes de atitudes tão rudes, tão paladinas.
Desde o primeiro de dezembro de 2011, nada de cigarro para mim. Necas! Mas não existe um único dia que eu não tenha saudade dele.
Uma saudade aguda, quase física.
No outro dia, vinha com Edilberto Mendes à caminho do consulado brasileiro, em Nova York, e deparei com o tamanho da minha fraqueza.
Descíamos a rua 46 em direção à sexta avenida, quando vi um mendigo de cabelo rastafari, o peito nu, acocorado com seu marlboro em brasa, o nike todo fodido, e aquela expressão imperturbável  de prazer. Ainda nem eram 9 da manhã.
Olhei para o homem sem disfarçar a admiração e relatei ao amigo o tamanho da inveja que ele despertara em mim.
– Inveja de um mendigo, Roberto?
Sim, inveja da durabilidade, da incorreção política e sua absoluta ausência de fé ou desejo de eternidade.
Um homem livre e que não faz pacto com ninguém.
Nem com Deus.

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6 comments:

Dario B. said...

E esta saudade vai te acompanhar até o fim dos teus dias (que eu espero que demore), Roberto. A dependência química é uma m* mesmo. e digo com o conhecimento de quem já se livrou de duas. Descongestionante Nasal, já ouviu falar de alguém que fosse dependente? Existem aos milhões no mundo inteiro. Aliás, de vários outros medicamentos também. Essa foi a primeira que me livrei, depois de uns 10 anos de uso constante. Mas a deixar a bebida me faz entender perfeitamente como você se sente. Agora, depois de 14 anos a coisa está mais maneira, mas no principio eu chegava sentir (ou imaginava) o cheiro da cerveja que o pessoal estava tomando num bar que passasse em frente. Não é mole não, e se vc já aguentou 6 anos, sabe o caminho, siga em frente. Não faça o que eu fiz, ficando 6 anos sem fumar e recaindo depois. Sou uma besta ao quadrado.

Manu sinistra scribere said...

Eu fumava 2 carteiras, por mais de 20 anos, parei há 21, persista! Não sinto nenhuma vontade. Ah... invejei essa semana um casal de pedintes, colocavam a comida de uma lata, um na boca do outro, riam com cumplicidade... ❣

Leonina Fortunato Heringer said...

Qualquer vício vai te trazer saudades... Tenho um amigo que jurou não beber mais depois do nascimento da filha (chegava a cair...). Mas diz que sente uma falta enorme, principalmente do lado social do álcool. Assentar-se num balcão de bar e conversar (ou, no caso dele, que é músico, mais do que isto, cantar e bebericar). Satanás certamente, sabe como nos ludibriar. O arroz branco, o macarrão, o churrasco. Ah, se um dia eu conseguir comer saudável, certamente vou sonhar acordada com estas gostosuras.

Primeira Pessoa said...

Vai sim, Dário. Toda vez que me angustio um pouco, lá vem a danada da vontade de fumar. Mas tenho segurado as pontas. Deixar a bebida, não sei se quero. Não ainda. rs

beijão

R.

Primeira Pessoa said...

Leonina,
beber sozinho é algo que não consigo assimilar. Nem me sentar para beber, sozinho, em uma mesa ou balcão de bar.
Já o cigarrinho, esse aí eu não quero mais... sofro de bronquite alérgica e tive uma crise muito braba em dezembro último.
Beijão

R.

Primeira Pessoa said...

Nane,
cê é um bom exemplo inclusive pra mim. Eu juro que tento não sentir saudades do cigarro, mas...

Beijão,

R.