Monday, January 9, 2012

Os Sinos Dobram



















(Por Roberto Lima)

Cê, que pavimenta estradas que percorrem almas
Cê, que tem os melhores amigos que o afeto pode comprar
Cê, que pinta crônicas com as tintas de Rubem Braga e Renoir
Cê, que é poeta dos bãos, mineiro dru-mundo
Cê, que também é Carlos, anjo, espécie de gauche ao avesso
Cê, que é uma pessoa que o Pessoa gostaria de ser
Cê, que dá um boi para entrar numa farra e uma boiada pra não sair dela
Cê, que tem sempre a melhor piada criada há cinco minutos
Cê, que tem sempre uma grande sacada guardada na manga
(que o diga o Hely do "Quase Todos Bichas")
Cê, que prefere Woodstock a Wood Allen
Cê, que acha o azul a cor mais azul que há
Cê, que tanto quanto Cruzeiro é fã de um mega-artilheiro chamado Rei Naldo
Cê, que conjuga Roberto Mendes o segredo mais bem guardado do Brasil
Cê, que julga "Oração ao Tempo" mais bonita na interpretação de Rita Ribeiro
Cê, que está para a música assim como o corpo está para o amor
Cê, que está para a poesia assim como a alma está para a amizade
Cê, que ainda não escreveu aquela letra que prometera ao Samuel de Abreu
Cê, que proclama "José" o poema mais iluminado que alguém já concebeu
Cê, que eu tento homenagear neste poema pouco inspirado
Cê, que eu considero primus inter pares, feito um José Régio
Cê, que pisa em terras portuguesas como quem beija o útero materno
Cê, que me aplicou Daniel faria e Eugênio de Andrade
Cê, que faz versos, que ama, protesta
Cê, que tem dois ídolos nascidos em Maranguape
Cê, que incluiria "Os Estatutos do Homem" na Constituição Brasileira
Cê, que segundo o filósofo Zé Haus traduz pelas metades
Cê, que primeiro o filósofo Grego reluz todo e inteiro
Cê, que é parceiro trissexto de Kleiton e Kledir numa oculta canção
Cê, que ainda não mandou aquela letra que prometeu ao Samuel de Abreu
Cê, que um dia partiu de São Raimundo para conquistar o mundo vasto mundo
Cê, que não mostrou a Raimundo F. meu pobre soneto dedicado a ele
Cê, que certo dia, pra minha mais terna alegria, citou my name numa crônica sua
Cê, que no sentir do Tadeu Franco é como a "Irene" de Manuel Bandeira
(não precisará de pedir licença para entrar no céu)
Cê, que é fã do afã do Mané de Barro
Cê, que era craque no gol enquanto Julinho resolvia tudo lá na frente
Cê, que faz do seu peito um palco onde a voz de Renato Braz ecoa ainda mais linda
Cê, que traz de nascença a marca de uma dedicatória em "Hilda Furacão"
Cê, que numa dedicatória antiga do Raul Seixas é "Por Quem Os Sinos Dobram"

Cê, que vive dos fatos e é de fato uma ótima notícia a cada manhã
Cê há de me perdoar essas inconfidências mineiras


(Pedro Ramúcio)


A Música Que Toca Sem Parar:
porque Pedro Ramúcio e eu somos do mesmo lugar, essa pérola de Ronaldo Bastos e Novelli, Minas Gerais.

Com o coração aberto em vento
Por toda a eternidade
Com o coração
doendo
De tanta felicidade
Coração, coração, coração
Coração, coração...
Todas as canções inutilmente
Todas as canções eternamente
Jogos de
criar sorte e azar

Thursday, January 5, 2012

A revista masculina, o pastor, o cronista e o cantor



Preciso parar com a mania de levar revistas masculinas para o banheiro.
Até já tentei, como explicarei a seguir. Mas, juro, não compro essas revistas para ver as moças peladas. Faz tempo que não as adquiro para esse fim.
Compro pra ler as entrevistas e os artigos, que são geniais, e pelo excelente trabalho editorial que realizam.
Sim, eu sei. Ninguém acredita.
E esse que julgo ser um salutar costume, já me fez passar por algumas situações embaraçosas.
Há não muito tempo atrás eu saía do mais íntimo dos redutos da humanidade, e esbarrei com um conhecido pastor evangélico da cidade.
Na verdade, foi mais que um esbarrão. Foi uma “trombada”.
Ele, um pastor da velha guarda com fama de severo, tinha muita pressa de entrar.
Eu não sabia que era ele do lado de fora.
Já me preparava para sair do banheiro quando notei que a maçaneta se mexia nervosamente. Quase fiz de conta que não vi. Mas quem queria entrar, obviamente tinha pressa. Muita pressa.
Colaborei.
Acho que foi ali, ao vê-lo suando nas têmporas, que matutei pela primeira vez em toda a vida que, assim como qualquer um de nós, pecadores, os pastores e padres também freqüentam banheiros.
"Até" o papa, completei.
E, também como nós, dependendo do que tiverem ingerido, estão sujeitos às intempéries intestinais.
No que colidimos à porta, ele e eu, a revista masculina escorregou debaixo do meu sovaco, para cair no chão com as páginas centrais escancaradas.
As páginas e as pernas de uma conhecida atriz de televisão, que revelava aos homens comuns desse mundo, um tanto bom de sua cobiçada intimidade.
E eu e o pastor ficamos com cara de dois cowboys, cada um com a mão em sua arma, olhando fundo nos olhos do adversário, tentando adivinhar o próximo movimento.
Ele portava uma bíblia.
Eu, uma playboy.
Corremos os olhos pelos seios da atriz naquela fração de segundos, que nos pareceu - quero crer, também a ele -, uma eternidade.
E eu quase disse a ele estava lendo uma entrevista com o navegador Amir Klink.
Mas não tive como me explicar. E ele não tinha tempo para me escutar.
Apressado em acertar suas contas com a natureza, só teve tempo de me passar um olhar de descompostura, antes de bater a porta atrás de si.
Segundos depois ouvi o barulho característico de alguém que não estava bem dos intestinos.
Quase sorri, marotamente.
Fui para minha sala, refugiei-me detrás da escrivaninha e fiquei naquele estado de espírito que oscilava entre o envergonhado e o já conformado, esperando a bronca dele.
E ele veio dali a uns 15 minutos, sem trazer o sermão para o qual eu tanto me preparara.
Estrategicamente, ambos 'abriram mão' do aperto de mão.
Ele veio, falou de um evento em sua igreja e eu achei melhor não tocar no assunto da revista. Estava de ótimo tamanho.
Enquanto ele falava, eu me prometia que, mesmo sendo a título de material de leitura para a duração “do procedimento” ali cabível, eu nunca mais entraria em um banheiro levando uma revista masculina.
E, durante muito tempo mantive a promessa, até que no outro dia alguém apareceu com uma revista destas na redação, e não resisti.
O entrevistado era Marcos Nasi, o polêmico vocalista do grupo Ira.
E nesta entrevista ele falava de sua trajetória na profissão de músico, gabou-se de ter namorado Marisa Monte e Marisa Orth, chamou o sertanejo Luciano de “anão de jardim” e contou “todas” as suas rusgas com a polícia.
Ele só se esqueceu de um episódio ocorrido em Framingham no início dos anos 90. Episódio este, que relembro aqui:
Após um show de sua banda no Ipanema ele ajudava e desconectar o equipamento, quando se aporrinhou com um fã embriagado.
Pela ira do vocalista do Ira, o moço deve ter insistido para que ele cantasse uma música de Zezé de Camargo e Luciano.
Nasi estava possesso. Já chegou socando.
O fã teve abundante sangramento no nariz e nem chegou a reagir.
Nocauteado, apenas chorou, como um menino que não sabia o que estava acontecendo.
Alguém chamou a polícia e Marcos Nasi foi algemado e colocado dentro da viatura.
O empresário Carlos Silva, que trazia o Ira ao Ipanema, foi conversar com os policiais, enquanto eu, que nada tinha a ver com o peixe, limpava o nariz do rapaz com um guardanapo de papel e tentava convencê-lo a não prestar queixa.
Na minha ignorância, isto poderia trazer-lhe alguns problemas, haja vista que ele era imigrante ilegal.
A vítima não prestou queixa, Nasi foi lberado e pode voltar ao Brasil com o grupo no dia seguinte, sem nenhum problema.
Mas naquela noite eu não dormi.
Perdi o sono, arrependido por ter me envolvido na confusão, por ter interferido.
No fundo do meu coração eu sabia que Marcos Nasi deveria ter passado a noite na delegacia. Ele não merecia ter ficado impune.
Em sua entrevista à revista masculina tantos anos depois, eu o vejo alardear que tem a ficha policial limpa.
O que talvez seja verdade.
Mas inocente, eu sei que ele não é.


A Música Que Toca Sem Parar:
I'm Kloot, The Same Deep Water

Monday, January 2, 2012

4 poemas de nina rizzi

.


















divina comédia humana

(um bigode pra roberto lima
)



hortências no purgatório. cinco
signos do homem que agoniza.

petardo de 2,5 centímetros, cospe
em seu quintal. pensa, estavam lindas.


o limbo foi desinventado, pode
cair. estão nas sementes o núcleo

do poema. seu nome, verbo
pronto pra voar em águas.



Prelúdio pra rapsódia

saudades eu tenho de um qualquer que me habitasse;
de toda terra ou pedra, terrivelmente linda, real, dorida.

saudades dessas que me ficam assim, solidão mais fora que dentro;
dos mitos que ficam existindo dentro de mim.



lastro

a poesia dizia que a gente não ia mais parar
de se olhar. nunca mais, nunca mais.
e eu não li mais nada. quiçá viouvi. amiúde


deixei de me derramar também. hoje,


eu dou umas risadinhas como as suas. umas
risadinhas assim, meio de leve, de olhar buendía. de você
peguei isso, assim, sem querer. você

me dá vontade de chorar.




barcarola pra anti-homem


depois que virei nome de avenida em new orleans
varei madrugadas a tentar renascer pra trás:
estrelinha do mar.


mas não deu. ouvi
"todos têm medo de nina rizzi".


logo, pós-tudo, puro despeito ou rebeldia,
vou matar esses meus olhos-buendía.



A Música Que Toca Sem Parar:

porque a poeta gosta, ese pop de câmara, aqui...
Antony and The Johnsons, Cripple and The Starfish.