Saturday, August 31, 2013

Lançamento de
Meninos de São Raimundo
em Braga, Portugal.
Quem estiver morar na região
ou estiver de passagem
está convidadíssimo
a estar conosco.

Monday, August 26, 2013

Uma das invenções do capeta

 

(Para Fabio Portugal)

Comecei com um uisquinho sem compromisso.
Fim de expediente, dia chato no escritório, aquele drink serviria para relaxar e eu ainda chegaria à casa a tempo de jantar.
Não deu nem para o começo. A sede era funda e pedi mais um.
E depois outro. E mais outro.
Aí apareceu um conhecido, que falou de uma cerveja belga maravilhosa, pela qual ele acabara de se apaixonar.
Sabe aquela loura gelada? – ele perguntou.
- Então. Aquela!
E continuou como se fosse um vendedor de carros falando do último modelo da Mercedes a um aficionado:
- É ela.
Molhou a palavra na tal loura e prosseguiu:
- É ela, só que mais gostosa, perfumada, acetinada, e desce como se fizesse um carinho na pele da gente. Só que por dentro.

Decidi que tinha que conhecer a tal loura que fazia um carinho por dentro da pele.
Virei o uísque de uma talagada só, chamei o garçom e lá fui trocar uns carinhos com a loura.
Devia ser boa.
Afinal, 9 dólares por uma garrafinha de 600 ml, tinha que ser.
E era realmente muito boa.
Aí me atraquei com ela, e ela comigo. Foi amor ao primeiro gole.
O calor insuportável clamava por mais dessa maravilha belga.
Parece que os donos dos bares e restaurantes desligam o ar-condicionado e mandam os cozinheiros exagerarem no sal e na pimenta dos petiscos nestes dias mais quentes.
Pedi a saideira e um táxi, porque não me sentia apto a dirigir até em casa.
O jantar em família havia ido para as cucuias e tratei de ir logo para o quarto. O trajeto até o segundo andar fez com que eu me sentisse ligeiramente zonzo e nauseado.
Despi-me - isentado do banho - e horizontalizei.
Mal me deitei, a cama deu de rodar.
- Que diabo é este? - perguntei a ninguém.
E ela rodava como se fosse um relógio e eu o seu ponteiro. E numa velocidade de ventilador.
Não sei quando parou o homem-ventilador.
Mas foi uma eternidade.

Acordei com a cabeça oca como um abacate, os miolos chacoalhando como se fossem a semente.
Pus-me de pé, heroicamente, e arrastei o cadáver até o banheiro.
Uma vez lá, deixei a ducha fria correr sobre a minha miséria.
Maldito sujeito que inventou tudo isto, pus-me a pensar.
Quem inventou a ressaca inventou as piores coisas desta vida.
Ele inventou o imposto de renda, o trânsito de São Paulo, a Festa de Barretos e Zezé di Camargo e Luciano.
Inventou o sertanejo universitário, a broxada,  a ejaculação precoce e o zero a zero no futebol.
Ele inventou Galvão Bueno, o uísque paraguaio, o cecê no transporte coletivo, a calvície e o horário eleitoral na televisão.

Inventou os jogos do Campeonato brasileiro às 10 da noite, principalmente às quartas-feiras.
Inventou ainda a fila de banco, a repartição pública e o mau-humor das pessoas que trabalham nestes departamentos.

E inventou também o gosto do boné do chapéu do maquinista do trem.
O gosto do cabo de guarda-chuva.
E da tábua de chiqueiro de porcos, que fica na boca quando acordamos ressaqueados, achando que um pedaço da gente prescreveu.
Quem inventou a ressaca inventou um verdugo e o soltou dentro de nossas consciências para que ele nos faça jurar, a cada pileque, que nunca mais beberemos.
Sim, eu juro.
Eu prometo.
Nunca mais eu bebo.

Saturday, August 17, 2013

O autógrafo

 
 

(Para Olinto Campos Vieira e em memória de Roberto Batata)


Esta estória começa no estádio José Mamud Abbas, o Mamudão, em Governador Valadares.
Aconteceu no dia 30 de março de 1975 e o Esporte Clube Democrata está recebendo o poderoso Cruzeiro Esporte Clube, time  da capital.

1º Parte:

Eu tinha 13 anos e meu ídolo era o cruzeirense Roberto Batata, ponta-direita que todos apontavam como grande revelação e com futuro garantido na seleção brasileira.
Esguio, bonito, usava cabelo black power, assim como seus colegas Joãozinho e Eduardo Amorim.
Joãozinho era a coqueluche do time, ponta-esquerda destemido e driblador, chamado pelo cronista esportivo Roberto Drummond de "o bailarino da Toca".
O versátil Eduardo, por sua vez, jogava nas duas pontas e também no meio de campo. Foi o criador do drible  "Rabo de Vaca".
O jogo terminaria de dois a zero para o Cruzeiro, com dois gols do centroavante Palhinha.
Mal o juiz apitou o final da partida, corri para a porta dos vestiários na esperança de recolher meu primeiro autógrafo de um atleta profissional.
Eu queria a assinatura de Roberto Batata para mostrar aos amigos da escola.
Demorou uma eternidade, mas vi quando abriram a porta e os atletas foram saindo, um por um, assediados por uma pequena multidão.
Espremido no meio de pessoas maiores, eu me iluminei, quando aquele rapaz vestido com roupa de moço da capital veio caminhando na minha direção.
Trêmulo, postei-me bem na sua frente, como um zagueiro que tentasse pará-lo, oferecendo-lhe papel e caneta:
    - Batata, por favor, me dá seu autógrafo.
O jogador baixou a cabeça, pegou a caneta, escreveu o nome e entrou no ônibus do clube.
    Eu dobrei o papel, guardei e fui para casa, feliz.
    No dia seguinte, contei aos colegas de escola o encontro com o ídolo, falei do jogo, do placar e do autógrafo.
    Tirei o papel do bolso, abri e mostrei a eles, que caíram na gargalhada.

    Naquele pedaço de papel branco estava escrito, em azul: 
    Joãozinho.

2º Parte:

Vinte anos anos depois, homem feito, jornalista estabelecido e já morando nos EUA, estou em uma mesa de restaurante jantando com algumas celebridades.
Os músicos Sá & Guarabyra e Celso Adolfo estavam lá. Assim como os já ex-jogadores Reinaldo e Joãozinho. 
    Aquele Joãozinho da primeira parte desta estória.
    No meio da conversa, lá pela quinta garrafa de vinho, contei a todos o episódio ocorrido duas décadas antes.
    Ligeiramente constrangido, Joãozinho disse não se lembrar da estória, mas que era muito comum os três atletas serem confundidos fora dos gramados, naquele tempo. 
     E completou:
     - Se dei o autógrafo, foi para não decepcionar o menino.
   
    Rimos muito, bebemos, comemos, sairíamos do restaurante às 4 da manhã.
     Um pouco antes da debandada geral, ele veio da outra ponta da mesa até onde eu  estava.
     Acocorou-se ao meu lado, pegou um guardanapo e uma caneta e disse, com os olhos marejados:
      - Antes de irmos embora daqui você poderia me dar um autógrafo?
    E eu dei.
    Foi o primeiro autógrafo que dei na vida.
    Primeiro e único.
 
 
 
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Monday, August 12, 2013

Um rio sem fim


Onde eu nasci passa um rio.
O Rio Doce, que nasce na serra da Mantiqueira e desagua no Atlântico, em Linhares, no Espírito Santo.
Este rio que ainda corre em minhas veias e foi meu companheiro desde sempre.
Nasci às suas margens, numa casinha modesta, em Pedra Corrida, interior do interior de Minas Gerais. Mas fiquei pouco tempo.
Alguns meses após o nascimento, acompanharia o seu curso, correnteza abaixo, mudando-me com a família para Governador Valadares.
No bairro São Raimundo aprendi a nadar em suas águas, pescava lambaris e piaus, conversava com as pedras. Foi assim por toda a infância e adolescência.
O tempo passou, tornei-me adulto e passei a ter um pesadelo recorrente.
Quase todas as noites eu sonhava com o corpo submerso e tinha a sensação afobada de afogamento, via barrancos, vegetação ribeirinha, o céu engolindo as águas, peixes, tudo.
Era um pesadelo que tinha placidez e pressa, fazendo-me acordar suado, amedrontado, sem entender o porque de o mesmo sonho se repetir com tanta frequência.
Há cerca de dez anos, no entanto, minha mãe contou uma história que mudaria as minhas noites.
Estávamos jantando em Belo Horizonte e ela falou da gravidez que me traria ao mundo.
Contou-me da chegada à Pedra Corrida de minha avó Ana Emília, parteira de excelente reputação.
Naquele tempo eram raros os hospitais e que praticamente todas as crianças interioranas nasciam em casa.

Num domingo de novembro, a família foi para uma prainha que se formava sempre que o rio definhava.
Farofa, frango, refrigerante, cerveja e amigos.
Um luxo.
As pessoas chamavam seus amigos e iam caminhando rio adentro, as águas pela cintura, ancorando nas pequenas ilhotas arenosas que se materializavam, e ali passavam dias inteiros.
Uns pescavam com anzol, crianças nadavam e jogavam futebol, mulheres tricoteavam a vida alheia.
E minha mãe foi com meu pai e um grupo de amigos, passar aquele dia de grande calor.
Tudo ia muito bem até que ela começou a sentir as contrações.
Temendo que a criança nascesse ali, no meio do rio, dona Rute tentou voltar para casa, na margem esquerda, apavorada e com muitas dores.  Foi um sufoco.
Felizmente, aquela apressada travessia não passaria de um susto.
Eu nasceria alguns dias depois, no meio de uma madrugada de terça-feira, iluminado pela luz de uma lamparina, o cordão umbilical enrolado no pescoço.
Minha avó sempre contava que foi um parto complicado, um dos mais difíceis que fez.

Desde que minha mãe contou esta história da corrida até a margem, nunca mais voltei a sonhar com o afobamento daquelas águas.
Foi como se eu entendesse, finalmente, aquele mistério tão íntimo.
E tinha que ser ela a contar para eu desvendar, de uma vez por todas, o mistério.
Quando completei 40 anos de idade pedi a meu pai que fosse comigo, pela primeira vez, a Pedra Corrida. Afinal, eu jamais havia voltado lá.
Saímos de BH bem de manhãzinha e chegamos ao destino por volta da hora do almoço, uma viagem de 300 quilômetros pela rodovia 381.
Descemos a rua principal do vilarejo, um lugar precário e esquecido pelo progresso, e fomos imediatamente para a rua à margem do rio, onde eu nascera em 1962.
Seu Antônio parou o carro e ficou um pouco em dúvida, pois as casinhas eram muito parecidas umas com as outras. Até que se decidiu por uma delas.

- “Foi aqui que você nasceu, meu filho”, disse ele.

Emocionei-me, chorei, tirei fotografias na frente daquele casebre e me encantei com um galho de mini-rosas, que pendia para fora do muro por um fresta.
Foi quando apareceu um homem que nos observava à distância.
Ele chegou, cumprimentou meu pai, disse tê-lo reconhecido e que ele não “dimudô” muito, do início dos anos 60 até então.
Em seguida, disse-nos que aquela não era a casa em que moráramos.
Informou que ela já não existia, pois foi levada por uma enchente em 1979, apontando para um terreno baldio, um pouco mais à frente.
Fui até lá e vi, entre os escombros, o que ainda havia de vida naquele pedaço de terra.
Procurei vestígios meus no meio da rala vegetação que brotava onde um dia existiu uma casa, e nada encontrei.
No lugar em que nasci pastava agora, incólume, um simpático burrinho.
E eu, que sou de tantos lugares, continuei sendo de lugar nenhum.


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