Monday, June 28, 2010

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A Gente Não faz Amigos, Reconhece-os

(Postado para Jorge Pimenta, Marcantonio, Assis Freitas, Pedro Ramúcio, Nina, Líria, Andrea, Tânia, Fernando Campanella e toda esta turma linda que faz dos seus - e deste - blogs, a verdadeira Ponte da Amizade)

A amizade é um sentimento mais nobre do que o amor, eis o que permite que o objecto dela se divida em outros afectos, enquanto o amor tem intrínseco o ciúme.
Eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem morrido todos os meus amores, mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos! Ate mesmo aqueles que não percebem o quanto são meus amigos e o quanto a minha vida depende de suas existências...
A alguns deles não procuro, basta-me saber que existem. Esta mera condição me encoraja a seguir em frente pela vida. Mas porque não os procuro com assiduidade, não posso dizer-lhes o quanto gosto deles.
Muitos não sabem que estão incluídos na sagrada relação de meus amigos. Mas é delicioso que eu saiba e sinta que os adoro, embora não o declare, nem os procure.
E, às vezes, se os procuro, noto que não têm noção de como me são necessários, de como são indispensáveis ao meu equilíbrio vital, porque fazem parte do mundo que, tremulamente, fui construindo e tornaram-se alicerces do meu encanto pela vida. Se um deles morrer, ficarei torto para um lado.
Se todos morressem, desabaria!
Por isso é que, sem que eles saibam, rezo pela vida deles e me envergonho porque sei que essa minha prece é, em síntese, dirigida ao meu bem-estar. E talvez fruto do meu egoísmo...
Por vezes mergulho em pensamentos sobre alguns deles. Quando viajo e fico diante de lugares maravilhosos, cai-me alguma lágrima por não estarem junto de mim, compartilhando daquele prazer....
Se alguma coisa me consome e me envelhece é que a roda furiosa da vida não me permite ter sempre ao meu lado, morando comigo, andando comigo, falando comigo, vivendo comigo, todos os meus amigos e, principalmente os que só desconfiam ou talvez nunca saibam que são meus amigos!
A gente não faz amigos, reconhece-os.”


Vinícius de Moraes


A Música Que toca Sem Parar:
Dele e de Fernando Brant, esse hino à amizade, uma das mais completas formas de Amor. Milton Nascimento, Canção da América.



Amigo é coisa para se guardar
Debaixo de sete chaves
Dentro do coração
Assim falava a canção que na América ouvi
Mas quem cantava chorou
Ao ver o seu amigo partir

Mas quem ficou, no pensamento voou
Com seu canto que o outro lembrou
E quem voou, no pensamento ficou
Com a lembrança que o outro cantou

Amigo é coisa para se guardar
No lado esquerdo do peito
Mesmo que o tempo e a distância digam "não"
Mesmo esquecendo a canção
O que importa é ouvir
A voz que vem do coração

Pois seja o que vier, venha o que vier
Qualquer dia, amigo, eu volto
A te encontrar
Qualquer dia, amigo, a gente vai se encontrar

Saturday, June 26, 2010



















Protagonistas em alegrias e tristezas


Você, Geraldo Vandré, no festival de canção da Record em 1968, cantando Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores, cantou a necessidade de lutar.
No verso "Vem, vamos embora/ Que esperar não é saber", você acendeu uma brasa de resistência e mudança nos olhos de todos os brasileiros.
Você me alegrou, Geraldo Vandré.
Mas, você, Sérgio Paranhos Fleury, delegado do Dops, torturador da ditadura, verdugo a serviço dos militares, destruidor de famílias inteiras em nome de uma ideologia covarde.
Você, que plantou cruzes no chão do Brasil e as irrigou com o sangue dos que se atreveram a sonhar com dias melhores.
Você me entristeceu, Sérgio Fleury.
E você, Tancredo Neves, ao se eleger primeiro presidente civil após um longo período de domínio militar, fez brotar a esperança na alma sofrida do nosso povo.
Bem vinda foi, a sua Nova República!
Bem vinda foi a nossa esperança renascida das cinzas.
Você me alegrou, doutor Tancredo.
Mas ao não resistir e morrer em pleno Dia de Tiradentes, antes mesmo de tomar posse, dando lugar a José Sarney, você nos faltou.
Foi como se tivesse desertado de nós, mesmo que involuntariamente.
Você me entristeceu, Tancredo Neves.
E aí, veio você, Fernando Collor de Mello, jovem e belo, um atleta que apareceu em minha vida como uma espada à serviço da justiça e do bem.
Seu discurso de caça aos marajás e progresso imediato, fez o país inteiro acreditar, por mais que um momento, que estava diante de um novo Messias.
Você me alegrou, Fernando Collor.
Mas, aí, quando você seqüestrou o salário de brasileiros honestos do Oiapoque ao Chuí, pulverizando suas mirradas poupanças e se associou a ladrões profissionais como PC Farias, você nos traiu.
Nem o seu impeachment foi panacéia suficiente para apagar a grande desilusão que nos causou.
Você me entristeceu, Fernando Collor.
E teve Elis Regina, estrela maior da canção brasileira, que me alegrou com seus gorjeios magistrais.
E me entristeceu demais naquele dia em que resolveu se assumir zelação, e subiu, de uma vez por todas, aos céus.
Mas você não foi minha única tristeza naquele ano de 1982, Pimentinha.
Afinal, Paolo Rossi, carrasco vestido de azul no Estádio Sarriá, em 1982, inverteu a lógica da bola - se é que ela existe -, parecendo mais um santo de aluguel a serviço da Itália.
Ao mascar três gols contra aquele time maravilhoso de Telê Santana, Paolo Rossi criou uma nova ordem mundial em que jogar futebol com arte, já não seria capaz de produzir resultados práticos.
Naquela tarde, sob o sol vermelho de Barcelona, você me entristeceu Paolo Rossi.
E você, Ayrton Senna, mago da velocidade, que conseguia levar dentro de seu cockpit 180 milhões de brasileiros e foi responsável por muitas das minhas alegrias.
Com suas vitórias fantásticas nos circuitos do mundo inteiro, você me alegrou Magic Senna.
E entristeceu a mim e ao mundo, quando morreu ao volante, guiando a 200 quilômetros por hora num circuito italiano.
Quando tudo parecia serenar veio você, Mohamed Atta.
Você e seus amigos de desatino, fizeram em mim a ferida mais funda.
Ao seqüestrar e mergulhar aquele avião contra a torre norte do World Trade Center na manhã de 11 de setembro de 2001, você escreveu um novo capítulo na história.
Um capítulo de luto, de medo, de treva.
Mais do que qualquer pessoa nesse mundo foi capaz, você me entristeceu.
Porque eu estava lá e eu vi, com estes olhos encarnados que a terra um dia haverá de fechar.
Ninguém me contou. Fui testemunha ocular. Eu vi!
E hoje, do lado de cá do Rio Hudson, contemplando Manhattan como faço de vez em quando - sem nunca perder o olhar de turista -, sinto-me como se estivesse olhando minha própria ferida aberta, essa fratura exposta como uma melancia em fatias, dor na vitrine para quem quiser ver.
Ali, na ponta sul da Ilha de Manhattan, jaz para sempre um pedaço grande da minha tristeza.
Ali, a lacuna impreenchível.
Ali, aquela boca banguela.
Ali, aquele buraco de dor.

Wednesday, June 23, 2010

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Retrato Ardente

Entre os teus lábios
é que a loucura acode
desce à garganta,
invade a água.

No teu peito
é que o pólen do fogo
se junta à nascente,
alastra na sombra.

Nos teus flancos
é que a fonte começa
a ser rio de abelhas,
rumor de tigre.

Da cintura aos joelhos
é que a areia queima,
o sol é secreto,
cego o silêncio.

Deita-te comigo.
Ilumina meus vidros.
Entre lábios e lábios
toda a música é minha.

-Eugénio de Andrade, in Obscuro Domínio.-


A Música Que Toca Sem Parar:
Milton Nascimento
e Fito Paez, da autoria do argentino, Yo Vengo A Ofrecer Mi Corazón, gravada ao vivo durante show realizado no teatro do museu de San Telmo, em Buenos Aires.











¿Quién dijo que todo está perdido?
yo vengo a ofrecer mi corazón,
tanta sangre que se llevó el río,
yo vengo a ofrecer mi corazón.

No será tan fácil, ya sé qué pasa,
no será tan simple como pensaba,
como abrir el pecho y sacar el alma,
una cuchillada del amor.

Luna de los pobres siempre abierta,
yo vengo a ofrecer mi corazón,
como un documento inalterable
yo vengo a ofrecer mi corazón.

Y uniré las puntas de un mismo lazo,
y me iré tranquilo, me iré despacio,
y te daré todo, y me darás algo,
algo que me alivie un poco más.

Cuando no haya nadie cerca o lejos,
yo vengo a ofrecer mi corazón.
cuando los satélites no alcancen,
yo vengo a ofrecer mi corazón.

Y hablo de países y de esperanzas,
hablo por la vida, hablo por la nada,
hablo de cambiar ésta, nuestra casa,
de cambiarla por cambiar, nomás.

¿Quién dijo que todo está perdido?
yo vengo a ofrecer mi corazón.

Monday, June 21, 2010

O Assis Freitas Mandou Este Registro... Compartilhei....



Outro dia me convidaram para irmos ao MC DONALD'S comermos CHEESE BURGER.

O salão estava lotado e fizemos os pedidos através de um tal de DRIVE THRU.
Os colegas percebendo a minha irritação disseram: se tu tiver com pressa eles tem um sistema de DELIVERY, maravilhoso.

Desacostumado com este linguajar chamei os cabras: vamos simbora.

Seguimos pela avenida HENRIQUE SCHAUMANN, onde pude observar um OUT DOOR, estava escrito: CHINA IN BOX, e uma seta indicativa PARKING., nós não paramos por lá não.

Seguimos mais adiante avistamos um restaurante bonito e luxuoso e na porta de entrada uma luz neon piscando escrita OPEN.

Quando olhei pro chão, pude ver estampado um capacho com a bandeira americana me convidando: WELLCOME. Ao adentrarmos naquele recinto eu pude observar na sua decoração, e nas paredes estavam escrito assim: ICE CAKE, CHEESE EGG, CHEESE BURGER e FAST FOOD.

Eu pensei comigo FOOD na Bahia a gente USA numa outra situação.
Do meu lado esquerdo uma garota tomava uma cerveja numa lata vermelha e azul cuja marca era BUDWISSER. O camarada que lhe acompanhava tomava sua LONG NECK, HEINIKENN. Do me lado direito uma loira bonita peituda falava pro cabra com voz sensual assim: Eu trabalho numa RELAX FOR MAN.
E ele pergunta prá ela: Fica próximo do Motel MY FLOWERS? e ela lhe responde:
Não BABY, fica junto a NIGHT CLUB, WONDERFUL PENETRACION.
A fome aumentava juntamente com a raiva e eu não sabia se pedia um HOT DOG, ou um simples cachorro quente.
Imputecido mais uma vez com aquela situação chamei os caboclos:vamos simbora.
Na saida o manobrista nos recebe e nos entrega as chaves do nosso possante veiculo:Um fusca sessenta e oito fabricado em Volta Redonda na epoca do presidente JUSCELINO KUBITSCHEK,
Ele olha prá mim e me diz: THANK YOU SIR AND HAVE A GOOD NIGHT. E eu usando toda minha simplicidade e educação que aprendi no sertão da Bahia, eu olhei prá ele e lhe disse:
VÁ PRÁ PUTA QUE LHE PARIU!

(MúSICA)
Eu gostaria de falar com o presidente
prá cuidar melhor da gente que vive neste pais.
Nossa gramática está tão diidida, tem gente falando HAPPY, pensando que é feliz.
Acabaria com esse tal estrangeirismo que deturpa nossa lingua e muda tudo de uma vêz.
E os mendigos que hoje vivem nas calçadas ensinaria ao brasileiro, que aqui se fala o português.
Sou simples sou composto,oculto indeterminado,participio eu sou gerundio, sou fonema sim senhor, Adjetivo,predicado eu sou sujeito, ainda trago no meu peito este País com muito amor.
Lá no centro da cidade quase que morri de fome tanta coisa tanto nome e eu sem saber pronunciar. É FAST FOOD DELIVERY SELF-SERVICE HOT DOG CATCHUP só queria almoçar.
Lá no centro da cidade quase que morri de fome tanta coisa tanto nome e eu sem saber pronunciar.
É FAST FOOD DELIVERY SELF-SERVICE HOT DOG CATCHUP meu Deus onde é que eu vim parar.

Saturday, June 19, 2010














"Libertemos devagar a terra onde
crescem milagres como a água, a
pedra e a raiz. Cada um de nós é
por enquanto a vida. Isso nos
baste."


José Saramago

Friday, June 18, 2010

Morre o escritor português José Saramago

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Morreu nesta sexta-feira (18) o escritor português e prêmio Nobel de literatura José Saramago, 87 anos, em Tías, Lanzarote, Espanha.

José de Sousa Saramago nasceu na aldeia portuguesa de Azinhaga, província de Ribatejo, no dia 16 de novembro de 1922, embora no registro oficial conste o dia 18. Filho dos camponeses sem terra José de Sousa e Maria da Piedade, mudou-se para Lisboa aos 2 anos, onde viveu grande parte de sua vida.

O escritor deveria ter sido registrado com o mesmo nome do pai, mas o tabelião acrescentou o apelido pelo qual o chefe da família era conhecido na aldeia, Saramago, que também dá nome a uma planta que serve de alimento para os pobres em tempos difíceis.

Saramago concluiu os estudos secundários em uma escola técnica, mas não pode cursar a universidade por dificuldades financeiras. Sua primeira experiência profissional foi como mecânico. Fascinado pela literatura desde jovem, visitava com grande freqüência a Biblioteca Municipal Central Palácio Galveias, na capital portuguesa. Foi só aos 19 anos, com dinheiro emprestado de um amigo, que conseguiu comprar pela primeira vez um livro.

Além de mecânico, o escritor português trabalhou como desenhista, funcionário público, editor, tradutor e jornalista. Durante doze anos, foi funcionário de uma editora, onde ocupou os cargos de diretor literário e de produção.

Publicou o seu primeiro romance, Terra do Pecado, em 1947. Em 1955, começou a fazer traduções de autores como Hegel, Tolstói e Baudelaire para aumentar os rendimentos. Seu próximo livro, Clarabóia, foi rejeitado pela editora e permanece inédito até hoje.

O escritor só publicaria um novo livro, Os Poemas Possíveis, (1966), dezenove anos depois do primeiro. Entre 1972 e 1973, foi comentarista político do Diário de Lisboa, coordenando durante alguns meses o suplemento cultural do jornal. Em um espaço de cinco anos, publicou sem grande repercussão mais dois livros de poesia, Provavelmente Alegria (1970) e O Ano de 1993 (1975).

O escritor fez parte da primeira diretoria da Associação Portuguesa de Escritores. Entre abril e novembro de 1975 foi diretor-adjunto do Diário de Notícias, quando os militares portugueses, reagindo ao que consideravam os excessos da Revolução dos Cravos, demitiram diversos funcionários. A partir de 1976, o escritor português passou a viver exclusivamente de seu trabalho literário.

No ano seguinte, o autor voltou a escrever romances, gênero que o tornou mundialmente conhecido. A partir desta época, sua produção literária cresce consideravelmente, mas é em 1980 que Saramago dá uma grande guinada em sua produção literária, com a publicação de Levantado do Chão. Segundo diversos críticos, a obra marca o início do estilo que o consagrou, destacado por frases e períodos extensos, que as vezes ocupam mais de uma página e são pontuados de maneira anti-convencional. Os diálogos entre os personagens costumam aparecer inseridos nos próprios parágrafos que os antecedem, de forma a extinguir o uso de travessões em seus livros.

Com a censura do governo português à apresentação do livro O Evangelho Segundo Jesus Cristo (1991) para o Prêmio Literário Europeu sob alegação de que a obra ofendia os católicos, o escritor mudou-se para a ilha de Lanzarte, nas Canárias.

Em 1993, Saramago começou a escrever um diário, Cadernos de Lanzarote, em cinco volumes. Dois anos depois, publicou o romance O Ensaio Sobre a Cegueira, que será transformado em filme em 2008, com direção assinada por Fernando Meirelles.

No mesmo ano em que publicou Ensaio Sobre a Cegueira, recebeu o prêmio Camões e em 1998, foi laureado com o prêmio Nobel de literatura, o primeiro dado a um escritor de língua portuguesa.

"Estava no aeroporto prestes a embarcar quando chegou a notícia de que tinha ganho o Prêmio Nobel. Houve um momento de alegria, os meus editores de Madrid, que estavam comigo, abraçaram-me. Depois encaminhei-me na direção da saída e, por mais estranho que pareça, era um corredor muito comprido e deserto. Eu com a minha malinha de mão, com a minha gabardina no braço, passei de repente da alegria enormíssima da notícia que tinha recebido, para a solidão mais completa. Naquele momento a sensação que tive, claro que eu dava por mim numa grande alegria, era uma espécie de serenidade: pronto aconteceu¿, afirmou o escritor sobre o prêmio.

Considerado por especialistas um mestre no tratamento da língua portuguesa, em 2003 o escritor português foi considerado pelo crítico norte-americano Harold Bloom como o mais talentoso romancista vivo. Seus livros foram traduzidos para mais de vinte línguas, como sueco, romeno e húngaro.

Comunista ferrenho, Saramago teve sua carreira pontuada por polêmicas causadas por suas opiniões sobre religião, terrorismo e conflitos. Em entrevista ao jornal O Globo, Saramago criticou a posição de Israel no conflito contra os palestinos, afirmando que ¿os judeus não merecem a simpatia pelo sofrimento por que passaram durante o Holocausto¿.

A Anti-Defamation League (ADL), um grupo judaico que defende direitos civis, caracterizou estes comentários como sendo anti-semitas.

O ano de 2004 destaca-se pela publicação de Ensaio Sobre a Lucidez. No ano seguinte, Saramago escreveu As Intermitências da Morte, em que divaga sobre a vida, a morte, o amor e o sentido, ou a falta dele, da nossa existência, fazendo uma crítica a socidedade moderna.

Em 2007, o Nobel de literatura anunciou que pretendia criar uma fundação com o seu nome cujo objetivo é preservar e estudar sua obra literária e espólio e ainda tomar partido em grandes e pequenas causas.

Família
Saramago casou-se pela primeira vez em 1944 com Ilda Reis, com quem teve uma filha, Violante, que nasceu em 1947. O escritor permaneceu casado com Ilda por 26 anos.

Após se divorciar, em 1970, iniciou um relacionamento com a escritora portuguesa Isabel da Nóbrega, que duraria até 1986.

Em 1988, o prêmio Nobel de Literatura casou-se novamente com a jornalista e tradutora espanhola María Del Pilar Del Río Sánchez, com quem permaneceu até a sua morte.

Obras publicadas

Poesia
Os Poemas Possíveis, 1966
Provavelmente Alegria, 1970
O Ano de 1993, 1975

Crônica
Deste Mundo e do Outro, 1971
A Bagagem do Viajante, 1973
As Opiniões que o DL Teve, 1974
Os Apontamentos, 1976

Viagens a Portugal, 1981

Diários
Cadernos de Lanzarote I, 1994
Cadernos de Lanzarote II, 1995
Cadernos de Lanzarote III, 1996
Cadernos de Lanzarote IV
Cadernos de Lanzarote V

Teatro
A Noite, 1979
Que Farei Com Este Livro?, 1980
A Segunda Vida de Francisco de Assis, 1987
In Nomine Dei, 1993
Don Giovanni ou O Dissoluto Absolvido, 2005

Conto
Objeto Quase, 1978
Poética dos Cinco Sentidos - O Ouvido, 1979
O Conto da Ilha Desconhecida, 1997

Romance
Terra do Pecado, 1947
Manual de Pintura e Caligrafia, 1977
Levantado do Chão, 1980
Memorial do Convento, 1982
O Ano da Morte de Ricardo Reis, 1984
A Jangada de Pedra, 1986
História do Cerco de Lisboa, 1989
O Evangelho Segundo Jesus Cristo, 1991
Ensaio sobre a Cegueira, 1995
A Bagagem do Viajante, 1996
Todos os Nomes, 1997
A Caverna, 2001
O Homem Duplicado, 2002
Ensaio Sobre a Lucidez, 2004
As Intermitências da Morte, 2005
As Pequenas Memórias, 2006

Prêmios

Portugal
Prêmio da Associação de Críticos Portugueses por A Noite, 1979
Prêmio Cidade de Lisboa por Levantado do Chão, 1980
Prêmio PEN Clube Português por Memorial do Convento, 1982 e O Ano da Morte de Ricardo Reis, 1984
Prêmio Literário Município de Lisboa por Memorial do Convento, 1982
Prêmio da Crítica (Associação Portuguesa de Críticos) por O Ano da Morte de Ricardo Reis
Prêmio Dom Dinis por O Ano da Morte de Ricardo Reis, 1986
Grande Prêmio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores O Evangelho Segundo Jesus Cristo, 1992
Prêmio Consagração SPA (Sociedade Portuguesa de Autores), 1995
Prêmio Camões, 1995

Itália
Prêmio Grinzane-Cavour por O Ano da Morte de Ricardo Reis, 1987
Prêmio Internacional Ennio Flaiano por Levantado do Chão, 1992

Inglaterra
Prêmio do jornal The Independent por O Ano da Morte de Ricardo Reis, 1993

Internacionais
Prêmio Internacional Literário Mondello (Palermo), pelo conjunto da obra, 1992
Prêmio Literário Brancatti (Zafferana/Sicília), pelo conjunto da obra, 1992
Prêmio Vida Literária da Associação Portuguesa de Escritores (APE), 1993
Prêmio Consagração SPA (Sociedade Portuguesa de Autores), 1995
Prêmio Nobel da Literatura, 1998

Fonte: Portal Terra


A Música Que Toca Sem Parar:
Chico Buarque canta um fado... um Fado Tropical.

Thursday, June 17, 2010

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Ah, os Botequins de BH


O comida di Buteco é um festival gastronômico realizado entre os bares de Belo Horizonte.
Durante o mês de abril, os bares da cidade recebem a clientela de sempre, engordada agora pelos turistas que se juntam para a degustação de cachaças, cervejas e tira-gostos saborosos de nomes nem sempre convencionais.
No concurso, tudo é julgado. Desde a higiene do banheiro à temperatura da cerveja. Nada passa batido.
Ficou famoso no país inteiro, movimenta milhares de pessoas e transforma a cidade num grande buteco.
Já tentei fazer algumas vezes a via sacra butequeira. Necessitaria de um transplante de fígado, caso lograsse meu objetivo. E explodiria.
As comidas de buteco não são, certamente, nenhum primor de correção calórica.
Sou butequeiro assumido. A explicação talvez esteja nessa minha inabilidade para surfar.
A absoluta ausência de mar nas montanhas de Minas, aliados ao prazer da prosa e da pinga, arrastou-me, recém-saído da adolescência, às mesas, aos balcões dos butecos mineiros. Na minha modesta opinião, os butecos mineiros são - e abre-se aqui espaço para uma saborosa discussão - os melhores do Brasil.
A propósito do Comida di Buteco, recebi de Tadeu Martins os livretos com as programação oficiais do concurso dos últimos anos, e me deliciei com o espírito dos participantes e as peculiaridades dos nomes dos pratos, bem como os pormenores desta grande festa.
Bom humor, uma safadeza indisfarçável - brasileiro adora sacanagem até quando fala de coisa séria, como é o caso do tema buteco - , os pratos do concurso são um convite à imaginação e ao paladar.
Extraí dos livretos alguns dos itens dos menus dos butecos de Belo Horizonte e me prometi tentar reproduzi-las em casa. E chamar a turma. Afinal, beber sozinho é uma forma de suicídio.
O prato vencedor do ano passado foi o Rola Bola no Bar da Cida, que consiste num prato com almôndegas ao molho da casa, servidas com batatas acompanhada de pãozinho "pra moiá".
Em segundo lugar ficou o Bar do Zezé, com seu Rabo Apertado. Esse eu experimentei. É bom: rabinhos de porco, cozidos num molho gostoso, servidos com jiló. Aliás, só mineiro para apreciar o amargor do jiló, que é estrela ou coadjuvante em várias criações do concurso.
Em outros bares pode-se saborear outros rabos: Rabo Quente (servido com polenta mole pelando de quente), ou o Rabo Verde (vem do cheiro verde a cor sugerida), entre muitos outros rabos e rabadas.
Brasileiro, dizem, tem fixação por "rabo".
Quem também obteve uma colocação expressiva no concurso foi o Bar do Veio, que serviu seu Chik-eirinho (pedaços de carne suína, magistralmente misturados num molho bacanérrimo).
O Bartiquim, que ficou com a décima colocação, arrancou gargalhadas e suspiros para o seu "Pirei com a língua".
Sim, é um guisado de língua de vaca.
A piração fica por conta da malícia de cada um.
No Autêntico's Bar pude experimentar o Atola-Coxa, que nada mais é que coxinha de frango invertida, acompanhada de 2 molhos (mostarda e manga) e tomates cereja recheados.
No Bar 222, enfrentei Os 3 Mosqueteiros e as Doces Donzelas: peito de frango, pernil e filé mignon com molho de gorgonzola e batata doce frita. Venci a briga. Mas alguém ficou com as donzelas.
No Bar do Magal a grande atração é a Cacunda de Boi com Batata na Garupa ao Molho Shakespeare, que consiste num delicioso cupim cozido com batata calabresa picante ao molho de ervas.
Quem curte uma pedida de duplo sentido pode encontrar o Banana no Jiló, ou o Caldo de Piranha de Batom.
Tem também caldinhos deliciosos, que alimentam e confortam. Como é o caso do Caldo de feijão de corda com carne seca e cachaça, do Caldo de Abóbora com Carne Seca e do Caldo Sacolão, que é um sopão feito com o que o mercadinho de vegetais (em BH chamam Sacolões esses estabelecimentos) tiver para oferecer naquele dia.
Os caldos são a avó da gente, às colheres. São indispensáveis nas noites mais frias.
Tem um prato que promete até curar a rebordosa do dia seguinte. É o Cura Ressaca, um sanduíche de recheio de lingüiça com vinagrete.
A "sofisticação" também se faz presente com o Caviar da Roça, que espantaria paladares mais sensíveis: chouriço de sangue de porco, refogado com ervas em uma frigideira.
Anotei ainda o Chinelão com Meia, nas versões bife ou peito de frango, coberto com queijo derretido.
O Cupim Bandido é uma alusão ao boi Bandido, terror dos rodeios do Brasil e eternizado por Glória Perez na novela América.
O Frango de Mineiro na Praia, trata de um complexo de mineiro, que nunca resolveu bem a ausência do mar molhando seus pés. É o bom e velho frango com quiabo, que recebe o reforço de camarões.
Entre os mineirismos mais redundantes, destaquei o Num Baba Não Sô (carne cozida com vinho e quiabo.... propagado como "sem baba") e Ô Trem Bão, Sô?! (bacon, lingüiças calabresa e de lombo, e até ovos de codorna).
O protesto bem-humorado contra nossos políticos vem com o Pé no Mensalão, que consiste de pé de porco cozido com feijão e mandioca, servido com torradas. É uma alusão ao escândalo de arrecadação de campanha do PT.
Garantem que José Dirceu e Marcos Valério experimentaram e lamberam até os beiços.


A Música Que Toca Sem Parar:
da parceria entre o mestre Noel Rosa e Vadico, o clássico Conversa de Botequim na voz eterna de meu sambista favorito, João Nogueira.


Seu garçom faça o favor de me trazer depressa
Uma boa média que não seja requentada
Um pão bem quente com manteiga à beça
Um guardanapo e um copo d'água bem gelada
Feche a porta da direita com muito cuidado
Que eu não estou disposto a ficar exposto ao sol
Vá perguntar ao seu freguês do lado
Qual foi o resultado do fute..bol

Se você ficar limpando a mesa
Não me levanto nem pago a despesa
Vá pedir ao seu patrão
Uma caneta, um tinteiro,
Um envelope e um cartão,
Não se esqueça de me dar palitos
E um cigarro pra espantar mosquitos
Vá dizer ao charuteiro
Que me empreste umas revistas,
Um isqueiro e um cinzeiro

Seu garçom faça o favor de me trazer depressa...

Telefone ao menos uma vez
Para três quatro quatro três três três
E ordene ao seu Osório
Que me mande um guarda-chuva
Aqui pro nosso escritório

Seu garçom me empresta algum dinheiro
Que eu deixei o meu com o bicheiro,
Vá dizer ao seu gerente
Que pendure esta despesa
No cabide ali em frente

Seu garçom faça o favor de me trazer depressa
Uma boa média que não seja requentada
Um pão bem quente com manteiga à beça
Um guardanapo e um copo d'água bem gelada
Feche a porta da direita com muito cuidado
Que eu não estou disposto a ficar exposto ao sol
Vá perguntar ao seu freguês do lado
Qual foi o resultado do futebol.

Wednesday, June 16, 2010

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Esta mão que escreve a ardente melancolia
da idade
é a mesma que se move entre as nascenças da cabeça,
que à imagem do mundo aberta de têmpora
a têmpora
ateia a sumptuosidade do coração. A demência lavra
a sua queimadura desde os seus recessos negros
onde se formam
as estações até ao cimo,
nas sedas que se escoam com a largura
fluvial
da luz e a espuma, ou da noite e as nebulosas
e o silêncio todo branco.
Os dedos.
A montanha desloca-se sobre o coração que se alumia: a língua
alumia-se: o mel escurece dentro da veia
jugular talhando
a garganta. Nesta mão que escreve afunda-se
a lua, e de alto a baixo, em tuas grutas
obscuras, essa lua
tece as ramas de um sangue mais salgado
e profundo. E o marfim amadurece na terra
como uma constelação. O dia leva-o, a noite
traz para junto da cabeça: essa raiz de osso
vivo. A idade que escrevo
escreve-se
num braço fincado em ti, uma veia
dentro
da tua árvore. Ou um filão ardido de ponto a ponta
da figura cavada
no espelho. Ou ainda a fenda
na fronte por onde começa a estrela animal.
Queima-te a espaçosa
desarrumação das imagens. E trabalha em ti
o suspiro do sangue curvo, um alimento
violento cheio
da luz entrançada na terra. As mãos carregam a força
desde a raiz
dos braços a força
manobra os dedos ao escrever da idade, uma labareda
fechada, a límpida
ferida que me atravessa desde essa tua leveza
sombria como uma dança até
ao poder com que te toco. A mudança. Nenhuma
estação é lenta quando te acrescentas na desordem, nenhum
astro
é tao feroz agarrando toda a cama. Os poros
do teu vestido.
As palavras que escrevo correndo
entre a limalha. A tua boca como um buraco luminoso,
arterial.
E o grande lugar anatómico em que pulsas como um lençol lavrado.
A paixão é voraz, o silêncio
alimenta-se
fixamente de mel envenenado. E eu escrevo-te
toda
no cometa que te envolve as ancas como um beijo.
Os dias côncavos, os quartos alagados, as noites que crescem
nos quartos.
É de ouro a paisagem que nasce: eu torço-a
entre os braços. E há roupas vivas, o imóvel
relâmpago das frutas. O incêndio atrás das noites corta
pelo meio
o abraço da nossa morte. Os fulcros das caras
um pouco loucas
engolfadas, entre as mãos sumptuosas.
A doçura mata.
A luz salta às golfadas.
A terra é alta.
Tu és o nó de sangue que me sufoca.
Dormes na minha insónia como o aroma entre os tendões
da madeira fria. És uma faca cravada na minha
vida secreta. E como estrelas
duplas
consanguíneas, luzimos de um para o outro
nas trevas.

Herberto Helder


A Música Que Toca Sem Parar:
Salif Keita, libertaa seu timbre especial na belíssima Papa.

Tuesday, June 15, 2010



A Música Que Toca Sem parar:
Salif Keita e Cesária Évora, Yamore.

Je t’aime mi amoré menebêff fie
Ene le arabylyla to much
Namafiye, namafiye guni yerela ba namafiye Niere a ná nifon
Ye namo kofue nerum silê don kile le, ina kola ahaha
Rile enela munuku mo sô
Nienama kofiye, soro falê é mo sonho mana osi koté
Nanana nekona, dê I lêlê fon
Je t’aime mi amoré menebêff fie Nê comf fop ach ari
Ene le arabylyla to much Xurin né bi feu J t’aim
Un tem fé, si un tem fê
No também viver sem medo e confians
Num era mais bisonho
Olhar de nos criança ta a tornar brilhar de inocença
E na mente CE esvitayada
Temporal talvez ta mainar
Na brandura y calmaria
Nosso amor ta vins cansando
De ser luta e resitencia
Pa sobreviver nas tormenta
Na brandura y calmaria
Nosso amor ta vins cansando
De ser luta e resitencia
Pa sobreviver nas tormenta
Je t’aime mi amoré menebêff fie Boi nhat zefiu, ermãos
Ene le arabylyla to much Boi etud nhiafieu, la paz
Xeritava pá, beru kuyê mobiliko yoi nhÊ
Ahaha rilê ene La munuku mo sô
In deburu ieu kordaine
Sank é noite a namo a cantor
Ê enela mulnuku mo sol
Yo sakenem mo sol
Un tem fé, si un tem fê
No também viver sem medo e confians
Num era mais bisonho
Olhar de nos criança ta a tornar brilhar de inocença
E na mente CE esvitayada
Temporal talvez ta maïnar

PS: Caso queiram ver o belíssimo clip de Cesária Évora e Salif Keita dividindo a canção, é só desabilitar A Música Que Toca Sem Parar, clicando o botão de Stop, à direita, em Barulhinho Bom.

Monday, June 14, 2010

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Cabe Um Mundo

Cabe um mundo dentro da bolsa de uma mulher.
De todos os lugares curiosos deste planeta, a bolsa de uma mulher é, certamente, um dos mais peculiares e misteriosos.
O que cabe dentro da bolsa de uma mulher?
Cabe uma desorganização organizada, comecemos por aqui.
Como conseguem colocar tanta coisa dentro daquele minifúndio, é uma pergunta que desafia as leis da física e da imaginação.
Cabe um telefone celular, certamente.
Cabe um batom.
Cabe uma escova para os cabelos, posto que mulher gosta e quer estar sempre bonita.
Cabe um perfume bom, um Dolcce Gabanna ou um Bulgari. Em alguns casos, cabem os dois. Ou três. A mulher moderna gosta de andar sempre perfumada.
Cabe também utensílios de beleza, lápis para realçar a cor dos olhos, rouge e carmim.
Produtos inerentes ao universo feminino abundam na bolsa desta mulher: lixa para as unhas, fio dental, absorventes higiênicos para eventuais emergências, comprimidos para dor de cabeça e TPM.
Cabe um estojo de lentes de contato ou de aparelho ortodôntico, daqueles usados na hora de dormir.
Na bolsa desta mulher cabe uma embalagem com lenços de papel, para momentos de emoção.
Cigarros de filtro branco – se esta mulher fumar -, chicletes de mentol, isqueiro e uma barrinha de chocolate.
Um amuleto. Uma oração para proteção. Um escapulário. Cabe uma fé.
Cabe um bloquinho para anotações onde ela aponta situações, citações e frases que a marcaram.
Cabe uma agenda bonita, destas que abundam nas papelarias, com capa de papel duro e de design de última geração.
Na agenda desta mulher estão endereços e números relevantes, receitas de beleza e dicas de compras.
Óculos escuros, certamente, tem o seu lugar garantido na bolsa de uma mulher destes tempos.
Na bolsa desta mulher encontramos ainda sua carteira, sempre cheia de coisas que vão desde recibos de lojas, a cartões de crédito e fotos de pessoas queridas.
Uma foto da pessoa amada povoa, certamente, a carteira da mulher moderna. Afinal, a mulher moderna ama. Ainda ama. É inerente a alma feminina o amor e tudo que lembre esse ofício cada vez mais difícil.
E cabe, então, uma carta de amor. Ou duas.
Cabe um amor, e todas as suas delícias e dores.
Na carteira desta mulher estão todos os seus documentos: carteira de identidade, de motorista e CPF.
Na bolsa desta mulher cabe um livro. Cabe uma revista, destas direcionadas ao público feminino. Cabe uma curiosidade insaciável.
Cabe um aparelho de MP3 com a trilha sonora de sua vida: cabe U2, Morcheeba, Seal, Caetano e Djavan. Um universo de canções.
Muito mais que objetos e coisas, a bolsa de uma mulher carrega sonhos, reminiscências dos tempos e lugares por onde sua dona plantou seus pés.
Não é inverossímel encontrar um postal de Matchu-Pitchu, um mexedor de mojito guardado como souvenir de uma passagem pela Bodeguita Del Medio, em Havana, uma caixa de fósforos do Balthazar em Manhattan, uma caneta com a logomarca de algum hotel de algum lugar distante de onde essa mulher possa viver.
Cabem reminiscência da infância e passagens marcantes do quintal de seus avós.
Cabe o sabor de uma carambola ou de um abacaxi no palito.
Cabe o vôo de uma ave. O arrebatamento prateado de um peixe. O afago de um cão.
Cabe uma brisa do mar do Caribe.
Cabe uma pedra catada da rua. Um anel de bijuteria e um colar.
Na bolsa desta mulher cabem saudades do passado e planos para o futuro.
Na bolsa desta mulher cabe a saudade do futuro.
E o futuro.
Na bolsa desta mulher cabe uma mulher que é ela própria.
Na bolsa desta mulher cabe um mundo.

*

A Música Que Toca Sem Parar:
Eva Cassidy, canta Songbird, de sua autoria...
Porque na bolsa de uma mulher também cabe uma canção triste.

Saturday, June 12, 2010

Rafael Alberti, Recita Para Picasso

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Los ocho nombres de Pablo Picasso



Qué hubiera sido de ti Pablo, si de los ocho nombres con que fuiste bautizado, hubieras preferido al de Pablo Picasso el de Diego Picasso, al de Diego Picasso el de José Picasso, al de José Picasso el de Francisco de Paula Picasso, al de Francisco de Paula Picasso el de Juan Nepomuceno Picasso el de María de los Remedios Picasso, al de María de los Remedios Picasso el de Crispín Picasso, al de Crispín Picasso el de Crispiniano de la Santísima Trinidad Picasso.

¿Cómo hubiera pintado Diego Picasso? Cómo José Picasso; cómo Francisco de Paula Picasso; cómo Juan Nepomuceno Picasso; cómo María de los Remedios Picasso; cómo Crispín Picasso; cómo Crispiniano de la Santísima Trinidad Picasso.

¿Cómo hubiera podido ser? Primera exposición en Barcelona de Diego Picasso. Ha llegado a París José Picasso. Óleos y dibujos en la Galería Vollard, de Francisco de Paula Picasso. Encuentro de Max Jacob con Juan Nepomuceno Picasso. El cubismo de María de los Remedios Picasso. De Goya a Crispín Picasso. Los gloriosos 85 años de Crispiniano de la Santísima Trinidad Picasso.

Pero no ha sido así. Y sólo en la Fe de Bautismo quedaron esos siete posible invisibles hermanos. Y quedó sólo Pablo. Sin Diego, sin José, sin Francisco de Paula, sin Juan Nepomuceno, sin María de los Remedios, sin Crispín, sin Crispiniano de la Santísima Trinidad. Sólo Pablo Picasso...





A Música Que Toca Sem Parar:

Rafael Alberti, recita, de sua autoria, Los ocho nombres de Pablo Picasso, poema extraído de "Lo que canté y dije de Picasso" e do disco de homenagem ao pintor espanhol em 1983.

Friday, June 11, 2010

Esta mão que escreve a ardente melancolia
da idade
é a mesma que se move entre as nascenças da cabeça,
que à imagem do mundo aberta de têmpora
a têmpora
ateia a sumptuosidade do coração. A demência lavra
a sua queimadura desde os seus recessos negros
onde se formam
as estações até ao cimo,
nas sedas que se escoam com a largura
fluvial
da luz e a espuma, ou da noite e as nebulosas
e o silêncio todo branco.
Os dedos.
A montanha desloca-se sobre o coração que se alumia: a língua
alumia-se: o mel escurece dentro da veia
jugular talhando
a garganta. Nesta mão que escreve afunda-se
a lua, e de alto a baixo, em tuas grutas
obscuras, essa lua
tece as ramas de um sangue mais salgado
e profundo. E o marfim amadurece na terra
como uma constelação. O dia leva-o, a noite
traz para junto da cabeça: essa raiz de osso
vivo. A idade que escrevo
escreve-se
num braço fincado em ti, uma veia
dentro
da tua árvore. Ou um filão ardido de ponto a ponta
da figura cavada
no espelho. Ou ainda a fenda
na fronte por onde começa a estrela animal.
Queima-te a espaçosa
desarrumação das imagens. E trabalha em ti
o suspiro do sangue curvo, um alimento
violento cheio
da luz entrançada na terra. As mãos carregam a força
desde a raiz
dos braços a força
manobra os dedos ao escrever da idade, uma labareda
fechada, a límpida
ferida que me atravessa desde essa tua leveza
sombria como uma dança até
ao poder com que te toco. A mudança. Nenhuma
estação é lenta quando te acrescentas na desordem, nenhum
astro
é tao feroz agarrando toda a cama. Os poros
do teu vestido.
As palavras que escrevo correndo
entre a limalha. A tua boca como um buraco luminoso,
arterial.
E o grande lugar anatómico em que pulsas como um lençol lavrado.
A paixão é voraz, o silêncio
alimenta-se
fixamente de mel envenenado. E eu escrevo-te
toda
no cometa que te envolve as ancas como um beijo.
Os dias côncavos, os quartos alagados, as noites que crescem
nos quartos.
É de ouro a paisagem que nasce: eu torço-a
entre os braços. E há roupas vivas, o imóvel
relâmpago das frutas. O incêndio atrás das noites corta
pelo meio
o abraço da nossa morte. Os fulcros das caras
um pouco loucas
engolfadas, entre as mãos sumptuosas.
A doçura mata.
A luz salta às golfadas.
A terra é alta.
Tu és o nó de sangue que me sufoca.
Dormes na minha insónia como o aroma entre os tendões
da madeira fria. És uma faca cravada na minha
vida secreta. E como estrelas
duplas
consanguíneas, luzimos de um para o outro
nas trevas.

Herberto Helder

Wednesday, June 9, 2010


















A Aurora

(Poema de Federico Garcia Lorca, melodia de Raimundo Fagner)


A aurora de Nova Iorque tem
Quatro colunas de lodo
E um furacão de pombas
Que explode as águas podres.

A aurora de Nova lorque geme
Nas vastas escadarias
A buscar entre as arestas
Angústias indefinidas.

A aurora chega e ninguém em sua boca a recebe
Porque ali a esperança nem a manhã são possíveis.
E as moedas, como enxames,
Devoram recém-nascidos.

Os que primeiro se erguem, em seus ossos adivinham:
Não haverá paraíso nem amores desfolhados;
Só números, leis e o lodo
De tanto esforço baldado.

A barulheira das ruas sepulta a luz na cidade
E as pessoas pelos bairros vão cambaleando insones
Como se houvessem saído
De um naufrágio de sangue.


A Música Que Toca Sem Parar:
esta música foi gravada em 1986 como registro do cinquentenário da imperdoável execução do poeta espanhol Federico García Lorca, fuzilado pelos sublevados nacionalistas na Guerra Civil Espanhola, em 1936.
Na ocasião da gravação, 14 grandes nomes da música popular internacional se reuniram para musicar Lorca no excepcional "Poeta En Nueva York", um disco que deixou marcas profundas em mim.
Chico Buarque e Raimundo Fagner representaram o Brasil, dividindo A Aurora, parceria póstuma entre Fagner e García Lorca.
Já escutei esta canção de joelhos.
Como que pedindo perdão por um pecado que eu não cometi.
.
















Encantos e desencantos de uma moça

Ela acha o chope da kaizer ruim. Prefere o da Brahma.
Sim, ela bebe chope.
E vai ao Mineirão - sempre que pode -, torce pelo Cruzeiro, é fã de Vander Lee, sabe de cor as letras das canções.
Já lhe disseram que é atleticana e que ela ainda não sabe disto. Mas prefere não se explicar.
Para que?
Seu sangue é azul, como o inigualável céu de Minas.
Nasceu no Vale do Aço. Tem aço nas veias. Ferros no coração.
Desfralda uma bandeira de Minas toda vez que fala.
Seu sotaque não nega: Libertas Quae Sera Tamem.
No recatamento, na forma como cruza as pernas, no jeito de andar e de existir, é toda Minas Gerais.
Parece franzina, pequenina, mas se agiganta nos momentos que a vida lhe exige isto.
Leonina, coração de leão, braba, brabíssima...
Adora os Beatles, mesmo sem ter sido contemporânea do quarteto de Liverpool.
Hoje acende velas para o U2.
Bono Vox é mais que um mito em seu caderno recheado de pessoas do bem.
Prefere estas, às pessoas de bens.
Em seu caderno de mitologias, figuras como as do Dalai Lama, Chico Xavier, Betinho e São Judas Tadeu repartem um pedaço de pão, compartilham um chá...
Essa moça sabe separar o joio da jóia.
Sempre soube.
Tem uma alma bonita. É espiritualista. Mas deixou de freqüentar as reuniões que faziam a mochila da vida lhe ficar mais leve.
E ela diz que vai retomá-las.
Ela precisa. Vem da fé a luz mais verdadeira.
Carrega um quê de irmã carmelita, o que explica certos tabus.
Certos receios.
Certas limitações.
Seu coração é generoso. É emotiva.
Ela canta e dança e se emociona.
Nos últimos tempos reaprendeu a chorar.
Chora durante filmes, assiste novela, é romântica, lê e faz parte de uma espécie em extinção: o das pessoas que lêem e apreciam poesia.
E ela reconhece poesia numa pedra do chão e nas pétalas de uma margarida. Tem vocação para musa, apesar dos dois pés fincados na ciência.
Em algum lugar de sua casa ergueu um oratório para Carlos Drummond de Andrade. E outro para os iguais a Albert Einstein:
Um admirador lhe ofereceu, certa vez, uma estrela do céu. Aceitou.
Hoje sabe dizer o nome da constelação e em qual galáxia essa zelação pulsa e brilha.
Parte de sua vida é drama.
A outra, genoma.
Costuma dizer que os olhos verdes, transparentes, são herança de algum antepassado escocês. Ninguém acredita.
Vem das esmeraldas dos garimpos, da grama da Praça da Liberdade, o verde bonito de suas pepitas.
Ultimamente anda triste, esta moça.
Caminha com os olhos presos ao chão, está decepcionada.
Perdeu a crença nas pessoas e a esperança no amor.
Perdeu a esperança no Brasil.
Era petista de colar cartaz, mas a turma do presidente Lula tirou dela muito mais que a vontade de testemunhar - em vida - um governo feito por gente do povo.
Essa cambada de políticos que aí vemos, roubou dela o sonho e a fé na existência de um governo que não rouba e não deixa roubar.
E o seu amor pelo rapaz com quem um dia ela planejou construir uma casa no campo, diluiu-se na fraqueza desses homens de papel que habitam a superfície do século XXI.
A ver, vamos, dona moça...
A ver, vamos...
Que Deus se apiede destes homens fracos das Minas Gerais.

*

A Música Que Toca Sem Parar:
Romance da Bela Inês, letra e música de Alceu Valença, na interpretação do próprio.

Uma musa matriz de tantas músicas
Melindrosa mulher e linda e única
Como o lado da lua que se oculta
Escondia o mistério e a sedução
Comovida com a revolução
De Guevara, Camilo e Sandino
Escutou me Espelho Cristalino
Viajou nosso sonho libertário
Bela Inês, com seu peito de operário
A burguesa que amava o Capitão

Acontece que a história não tem
pressa
E o amor se conquista passo a passo
O ciúme é a véspera do fracasso
E o fracasso provocar o desamor
Bela Inês teve medo do 'condor'
Queimou cartas. lembranças do
passado
E nessa guerra de Deus e do diabo
Entre fogo cruzado desertou
Bela Inês, com seu peito de operário
Não me esconde seu ar conservador

Mas eu tenho um espelho cristalino
Que uma baiana me mandou de
Maceió
Ele tem uma luz que me alumia
Ao meio dia, clareia a luz do sol

Apesar dos pesares não esquece
Nosso sonho real e atrevido
Bela Inês tem o peito dividido
Entre um porto seguro e o além-mar

Monday, June 7, 2010

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Se te pergunto o caminho,
falas-me das rochas que mortificam o dorso das montanhas
e do ranger da água no galope dos rios
e das nuvens que coroam as paisagens.

Contas que a noite geme nas fendas dos penhascos
porque as cidades apodrecem junto às margens
que o vento é um chicote que desaba os chapéus
que a terra treme, que o nevoeiro cega
e que as casas onde o medo se extinguia na longa bainha do
vestido da mãe cederam ao peso das mágoas dentro delas.

E, se assim mesmo quero ir, dizes que os meus passos
se perderiam no comprimento das sombras - que
não há mapas para os sonhos de quem morre de amor
e que os ramos debruçados dos muros em ruínas rasgariam
a carne – como um sorriso rasga o tecido de um rosto.

Se não me amas, porque me avisas da dor?

Maria do Rosário Pedreira


A Música Que Toca Sem Parar:
Na voz marcante de Renato Braz, de Cury, O Que Me Importa.

Sunday, June 6, 2010

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A solidão dos domingos

Ontem foi domingo. Um domingo plúmbeo, que nem de longe se deixou transparecer um domingo de verão.
Quase enlouqueci.
Acho que o fato de ter sido véspera de feriado também ajudou, transformando as ruas de Kearny num pavilhão de escombros.
Fiquei inconsolável com o panorama que se desenhou diante de meus olhos.
Da janela do apartamento, vislumbrei o manto cinza que cobria a tarde, trazendo a reboque a lembrança de muitos outros domingos melancólicos de minha vida.
Sempre vi o dia em que Deus descansou de uma forma morna, ressaqueada, como se algo tivesse se quebrado, ou reerguido das cinzas, dentro de mim.
Essa foi sempre a percepção.
Em alguns domingos, penso que o mundo vai se esvair em marasmo e melancolia.
Em 1986, aos 23 anos de idade, escrevi um livro de poesias, que batizei de “Tango Fantasma”, título de um dos poemas da obra.
No poema aludido, eu falava exatamente da solidão de um domingo qualquer, que nascia parido da solidão de outros tantos domingos, e de um sujeito que perdera a esposa e a amante durante um único ciclo de sete dias.
Lembro-me que escrevi esse poema num domingo à tarde, após retornar de um almoço na casa do poeta Marcos Pizano.
As ruas de Governador Valadares estavam desertas e, tão logo tomei o ônibus para o bairro de São Raimundo, tive uma forte impressão de que havia entrado num trem fantasma.
Apenas o motorista e o trocador fizeram-me companhia durante toda a viagem, o lotação saltando feito um cabrito ensandecido sobre a estrada esburacada.
No alto-falante do teto do ônibus, a voz de Chico Buarque cantava:
“Ó pedaço de mim ó metade arrancada de mim”...
Cheguei em casa aos frangalhos, sentindo o peso de uma barra pesadíssima que aquele domingo implacável havia jogado sobre mim. E nunca mais me curei.
E assim continua sendo, tanto tempo depois, os domingos se repetindo com os mesmos contrastes, escrevendo minha história com pedaço de carvão sobre uma superfície de pedra.
Para mim, o domingo será sempre feito do programa Globo Rural, tendo, na sequência, Rolando Boldrin apresentando modinhas de viola e contando “causos” no Som Brasil.
Meu domingo terá Ayrton Senna da Silva, incólume com seu macacão e capacete impecavelmente limpos, ultrapassando mitos, acelerando seu nome nas páginas do esporte.
Afinal, domingo sem Galvão Bueno cuspindo bairrismos ao microfone serão ilegítimos.
E é por isso - e por muito mais -, que meus domingos serão sempre de almoço em família.
Domingo de irmã chegando com filho pequeno no colo, de mãe mexendo a comida no fogão, e de sobrinhos indomáveis correndo pela casa, como se ali fosse o pátio da escola durante o recreio.
Meus domingos felizes foram, são e serão, sempre, de macarronada, de frango assado com farofa, de empadão de camarão, e de salada de legumes cozidos com maionese.
Meus domingos terão Sílvio Santos na televisão:
- Quem quer dinheiro?
Terão, também, partidas de futebol, cerveja espumosa transbordando pelos copos e escorrendo em rios que jamais desaguarão em lugar algum.
Serão domingos de clássico no Mineirão, sem nenhum grito de gol que nos redima e reconduza à glória.
Domingos como os de sempre,com folhas de jornal previamente lidas, amassadas, levadas pelo vento no bojo das tardes abandonadas.
Esse abandono com cara de ‘nunca’, semblante de ‘jamais’ é igual para todos nós. E ele se repete semana após semana, e tem o gosto requentado do jantar de ontem.
Sabemos, sempre, que o próximo virá vestido de um até breve e, como este que agora escorre entre nossos dedos, terá trejeitos decadentes de fim de festa. E esta é a nossa única certeza.
O fim da festa, moça.
O fim de tudo, rapaz.
O viver verdadeiro, pleno e feliz, esse quase-milagre, só chegará amanhã, com o clareamento do dia, o corre-corre dos transeuntes e as buzinas dos automóveis nos ensurdecendo pelas ruas.
Segunda-feira não é mais o fino da fossa.
Segunda-feira é o berço da ressurreição da raça humana.


*


A Música Que Toca Sem Prar:
Edu Lobo canta, de Chico Buarque, Pedaço de Mim.

Oh, pedaço de mim
Oh, metade afastada de mim
Leva o teu olhar
Que a saudade é o pior tormento
É pior do que o esquecimento
É pior do que se entrevar

Oh, pedaço de mim
Oh, metade exilada de mim
Leva os teus sinais
Que a saudade dói como um barco
Que aos poucos descreve um arco
E evita atracar no cais

Oh, pedaço de mim
Oh, metade arrancada de mim
Leva o vulto teu
Que a saudade é o revés de um parto
A saudade é arrumar o quarto
Do filho que já morreu

Oh, pedaço de mim
Oh, metade amputada de mim
Leva o que há de ti
Que a saudade dói latejada
É assim como uma fisgada
No membro que já perdi

Oh, pedaço de mim
Oh, metade adorada de mim
Lava os olhos meus
Que a saudade é o pior castigo
E eu não quero levar comigo
A mortalha do amor
Adeus

Friday, June 4, 2010

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Dois Poemas de Sérgio Xarepe


Olho os amigos como quem se despede,
uma vez por dia. Olho-os para que não os esqueça,
para que se guardem as suas imagens dentro
das pálpebras.

Hoje chove porque me esqueço aos poucos
de onde vieram. Termino o dia pensando neles,
nos amigos.

E as suas palavras realçam-me as
marcas que tenho pelo corpo, erguem-se
pelas mãos as suas vozes quando todos
os outros se calam

falam como amigos.

O corpo é uma febre conjunta - como que se
estendesse pela memória o desenho de um
país que se guarda na algibeira ao partir - e
continuo a partir daqui, onde os barcos viajam,
onde as gaivotas chilream

enquanto o sal se estende pelas minhas
narinas.

O vento alarga-me a roupa que se
moldou ao sabor dos dias. Penso no hoje e ele
raia-se pelo rio, surgem palavras de apreço
pelas luzes pelas ruas


e os amigos soltam-se de nós

Como uma prisão de espuma. São um momento
em que a fome se torna grande demais para os olhos,
onde tudo o que jaz à nossa volta é efémero

perduram como pequenas árvores em torno
de nós.

Devolvo-lhes um tempo de cada vez. Restítuo ao
que foram o peso das letras e dos campos - respirámos,
em espaços, o mesmo ar.

É quando se nos cresce um soluço pela garganta
que vemos - a chuva nada mais é que um som
- aí lembramos aos amigos o que somos


e porque os olho com o volume da despedida nas mãos.

- "Em lugar das mãos o mundo."




Esta cidade que habita.

Existe um rasto de silêncio pelas
ruas desta cidade onde moro. O meu corpo
tece horas já e nada se apaga como antes.

Onde estou, o frio é incessante e
às minhas mãos queimam-se fotografias como
se o passado não existisse mais.

De hoje em diante, irei apagar-me
em cada dia, para que nada reste dentro de mim
ou dentro da garrafa vazia.

Por isso te vejo a desaparecer
rapidamente, como um dente-de-leão ao vento
da minha voz, ao agredir-te sem que te
doa ou marque para sempre.

E para que os dias passem, bebo-me
de dentro das mãos. Como um vinho verde
que me corre no corpo e assim a visão do mundo
é mais carente - o frio que sinto é da
cidade.

Nada mais existe por aqui que me prenda
ou que me faça ficar. Visto a mala para
pensar na partida, carrego-me pela porta até
ao jardim que se estende lá fora, sem luz sem sol
nem calor.

Os meus pés já não caminham porque
não sabem. Porque todas as cartas me ensinaram
que a maneira como se pisa um ladrilho é igual
à de pisar um rosto

mesmo que de tal não se goste.

Por isso perco os sentidos nesta cidade
sem polícia e sem refúgios - como se fosse eu
o último a perder-me nas ruas labirínticas e
planas onde o vento me espalha a memória como
água em papel.


Sérgio Xarepe é um dos novos expoentes da nova poesia portuguesa. Lançou, recentemente, Outros Dias Existem Muitos

A Música Que Toca sem Parar:
Fátima Guedes, Flor de Ir Embora, de sua autoria.

Tuesday, June 1, 2010

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Vivendo vidas alheias

Peter Pantoliano, meu amigo querido, telefona do carro.
Ele está escutando um programa no rádio em que os ouvintes ligam dizendo o nome de alguma personalidade, que eles gostariam de ter sido numa vida passada.
Em alguns casos, dependendo da idade do ouvinte, a ele é facultado o direito de trocar de identidade com alguém ainda vivo, ou um defunto relativamente fresco.
Incentivado pelo amigo, sintonizo a rádio e uma mulher de voz cansada relata sua vontade de ser Ava Gardner.
Outra quer ser Marylyn Monroe.
“As louras se divertem muito mais”, diz repetindo o manjado bordão. Devem ser contemporâneas do mito, penso com meus botões.
Falam de uma época de ouro numa Hollywood mais escrupulosa e ingênua do que esta de hoje.
Mas esta Hollywood de agora também tem seus simpatizantes.
Um rapaz queria ser Brad Pitt, outro se insinua Tom Cruise.
E enumera Penélope Cruz, Nicole Kidman e outras beldades que passaram pela cama do baixinho mais charmoso do cinema atual.
Um homem de voz grave, fala em Miles Davis mas prefere ser John Coltrane.
Ele é amante de jazz.
Redescubro no programa o quanto o norte-americano é patriota.
Uns três John Kennedys ligaram para a rádio.
E pelo menos cinco Abraham Lincolns.
Um sujeito queria ser Bill Clinton e não demorou a aparecer uma Hillary, mulher carismática e forte. Para a felicidade desta, nenhuma Monica Lewinsky deu o ar de sua graça para azucrinar a paz no lar.
George Bush também não deu as caras.
Ainda bem.
Entre os esportistas, quatro Michael Jordans, dois Lebrons James e nenhum Derek Jeter. O basquete continua em alta.
Um menino que se auto-intitula “O Super Hacker” não telefonou, mas mandou um e-mail. Acha que seria um excelente Bill Gates.
Outro ouvinte, com a voz embargada de quem está para lá de Marrakesh, diz que é um clone perfeito de Ozzie Osbourne. Mas seria mais feliz e mais bonito se fosse o Robert Plant, do Led Zepelim.
Com bossa e gingado na voz, essa mulher presumivelmente negra, fala das benesses de viver sob a pele de ébano de Oprah Winfrey.
“Poderosa, poderosa, poderosa e poderosa. E podre de rica”, disse, soltando em seguida uma sonora gargalhada.
“Eu seria a dona desta rádio. E você estaria desempregado”, ameaçou.
Um maluco liga dizendo que é a reencarnação Jesus Cristo.
Ele liga logo após Bono Vox, do U2. E este pediu paz na terra aos homens de boa vontade.
Reconheço pelas ondas do rádio uma voz que me é familiar.
É Peter Pantoliano, que quer ser Frank Sinatra. E ele explica o porquê.
“Talentoso, rico, famoso, influente, bonito, popular entre o mulherio e ítalo-americano, como eu”.
Ganhou um elogio do apresentador, que tocou Strangers in The Night, logo a seguir.
Durante alguns segundos, fiquei feliz por ter Frank Sinatra como amigo do peito.
Animado, quase entrei na brincadeira.
Parei na ameaça de que nem todo mundo entenderia minha escolha.
Estamos vivendo uma era em que Tupak Shakur é herói, quase um mártir. Paris Hilton é ícone. Britney Spears possui uma legião de fãs.
Após a minha participação, certamente, ficaria aquele silêncio constrangedor. Esse era o medo.
Por mais que eu argumentasse “Cidadão do mundo, gênio, maestro, poeta da canção, PHD em trinado de passarinho, bacharel em samambaias, doutor em chope e feijoada, brasileiríssimo o seu coração”.
Como uma espinha de peixe, aquele meu Tom Jobim ficaria engasgado na garganta geral.
Apostei na ignorância da audiência, fiquei na minha.

E troquei de estação.
À noite, encontrei Peter Pantoliano para o chope sagrado de cada dia.
Tão logo entrei no bar, observei que nem ele tinha os olhos azuis de Frank Sinatra e nem eu os cabelos compridos e bem cuidados de Tom Jobim.
Ficamos conversando durante umas três horas e em nenhum momento sequer, o programa de rádio daquela tarde foi tema de nossas discussões.
Rimos, bebemos, gracejamos, celebramos nossa amizade do jeito que sempre foi.
Três horas depois, saí dali assoviando Garota de Ipanema.
E aquela canção não era minha.
Nem a letra era de Vinícius de Moraes.


A Música Que Toca Sem Parar:
Frank Sinatra canta Garota de Ipanema, de Tom Jobim e Vinícius de Moraes.