Monday, February 20, 2012

Carnaval, o Verdadeiro Túmulo do Samba

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A letra da antiga cantiga diz que quem não gosta de samba não é bom sujeito. E que é ruim da cabeça ou doente do pé.
Eu gosto de samba, mas não sei sambar.
Sim, tenho um pé bichado, herança dos tempos em que achava que sabia jogar futebol, mas não sambo porque não sambo.
E isto não deveria fazer de mim um mau sujeito.
Gosto de samba de roda, de samba canção e de breque, de samba com cheiro e sabor de samba.
E me dá coceira o pagode industrial que tentaram me empurrar goela baixo, posto que, para mim, não passa de uma degeneração do gênero.
Constato que samba e carnaval se deformaram.
Onde foi parar o Rei Momo?
O que foi feito das colombinas e dos pierrôs apaixonados?
E os bailes de salão, movidos a marchinhas, serpentinas e confetes?
Esse atrofiamento do carnaval de agora me deixa sem graça.
E o bom e velho samba foi banalizado e já não passa de um pretexto - e não de uma razão - para a maior celebração nacional .
O samba já não veste fantasia.
Ele usa um disfarce.
Chamem-me de purista, se quiserem.
Rotulem-me como saudosista.
Mandem-me para um museu.
Coloquem-me numa camisa de força.
Despachem-me para Guantanamo Bay ou exilem-me em Cabul.
Mas não me calarei.
Teimo em associar samba e carnaval, embora tenha cada vez mais a certeza de que hoje são coisas bastante diferentes, e que já não caminham de mãos dadas.
São como aquele casal que continua vivendo debaixo do mesmo teto, ainda casado, mas ali ninguem se ama mais.
Uma vez por ano, carnaval e samba saem juntos à rua, cordiais, mas sem afeto.
Um casamento de aparências e de aparências somente.
Agora, o carnaval de rua apenas faz parte de uma grande engrenagem, tentáculo de organizações mafiosas que usam a maior festa popular do Brasil como cortina de fumaça para encobrir atividades paralelas.
Escola de Samba e o jogo do bicho andam lado a lado. Mão na mão.
Com o passar dos tempos, empresários espertos transformaram o carnaval num grande negócio e não existiria nada de errado nisto, se o conceito original não tivesse sido distorcido, adulterado, em detrimento do lucro.
E que aqueles que fazem a festa – o povo - recebessem um pedaço do bolo.
Os camarotes patrocinados por grande empresas são uma espécie de virtrine da vaidade por onde circulam apenas os bem nascidos, os bonitos, os famosos, aqueles a quem chamam de VIP.
É para sair bem na tv. E rende um dinheirão.
Ou será que os camarotes estão abertos aos verdadeiros protagonistas do carnaval?
Uma vez por ano o morro desce à avenida, mas cada pessoa ali é usada como mero figurante de uma superprodução hollywoodiana.
Numa espécie de efeito dominó, a maior festa popular do Brasil vem virando outra coisa.
Tomem o carnaval baiano, por exemplo.
A Bahia possui um dos sambas mais interessantes do Brasil.
O samba de roda baiano tem uma característica própria e é completamente diferente do samba do resto do país.
Mas ele, o samba de roda, não é convidado para o carnaval baiano.
Ala das baianas, em Salvador, é aquele lugar em que as vendedoras de acarajé se perfilam na margem das ruas para vender quitutes aos turistas.
Carnaval baiano virou sinônimo de axé music, de trios elétricos, de abadás, dancinhas de estação que já estarão esquecidas e devidamente substituídas por outras igualmente sexistas nos próximos anos.
Esta aberração baiana é musicalmente descartável, como deveria ser o próprio carnaval.
Deveria ter outro nome e ser apenas mais um axé-folia, como outros milhares que já acontecem pelo Brasil.
Melhor seria se mudassem tudo isto de nome e legitimassem a farsa.
Pode ser que, assim, Noel, Dorival, Cartola e Lamartine descansassem, finalmente, em paz.



A Música Que Toca Sem Parar:
o clássico de Antônio Maria e Luiz Bonfá, Manhã de Carnaval.



Manhã, tão bonita manhã
Na vida, uma nova canção
Cantando só teus olhos
Teu riso, tuas mãos
Pois há de haver um dia
Em que virás

Das cordas do meu violão
Que só teu amor procurou
Vem uma voz
Falar dos beijos perdidos
Nos lábios teus

Canta o meu coração
Alegria voltou
Tão feliz a manhã
Deste amor

18 comments:

Bípede Falante said...

Eu gosto de samba. Gosto de sambar. Gosto de cores. Gosto de gente. Mas não gosto de carnaval em que há lantejoula, plumas, cores etc. mas não há fantasia.
beijoss
BF

Tania regina Contreiras said...

Nem fala...Fazia anos não sabia o que era Carnaval, in loco, vendo de perto. Fui conferir. Passei mal. Acabou tudo. Os saudosos ainda encontram no Pelourinho a poesia perdida. No circuito oficial, um horror! Senti-me um ET. Fica a saudade dos carnavais de verdade. E saudade é dor que dói demais...Eu só peço paz! :-) bjos

Unknown said...

é tudo business broda, inclusive e também. eu cá tenho saudade da guitarra baiana que embalava a multidão sem cantor,


abraço

ÍndigoHorizonte said...

Pierden su sentido emblemático algunos bailes y sambas... pierde el carnaval su sabor a carnaval pero yo sigo viendo el carnaval en la sonrisa de los más niños y los más viejos. Ahí sí. Un abrazo grande, Roberto.

Paulo Jorge Dumaresq said...

Disse tudo, Bob.
Tenho saudades do carnaval da minha infância: dos blocos de sujos, papangus, o corso na avenida, bisnagas com água para molhar o amigo, confete, serpentina, máscaras misteriosas e orquestras de frevo e samba nos clubes. Nada disso existe na Natal tornada quintal de Salvador. Creio que na sua Valadares o carnaval também não seja mais carnaval. Seja outra coisa apenas com o rótulo da Folia de Momo. Aos poucos, o sistema foi sufocando o carnaval e dando-lhe novas feições. Para mim o verdadeiro carnaval morreu faz tempo. O axé acabou de enterrá-lo. Mas que bate uma saudade feladaputa, bate. Agora, essa música cacete de Antônio Maria e Luiz Bonfá é de fazer o caboclo chorar.
Beijos, meu querido amigo.

Unknown said...

LINDO, ROBERTO!

Saudades de ti, cara!

Beijos

Mirze

Moisés de Carvalho said...

Mandou bem , meu querido !

É puro comercio hoje em dia.
os 4 engravatados que comandam o mundo querem que assim seja...

Alias , carnaval,futebol , novela e rodeio. para mim ,são apenas adereços para iludir o grande público . enquanto o peculato corre solto.

Te deixo um abraço !

Jorge Pimenta said...

robertílimo,
o tema da tua crónica é incómodo, controverso até, mas o que mais admiro em ti é que podemos perder os símbolos, mas nunca a voz e o direito a usá-la.

vivemos no tempo em que tudo, mas mesmo tudo, pode ser vendido, em nome desse neodeus que faz as vaidades, os egos e a superficialidade avançar.
o samba e o carnaval renderam-se aos encantos do cifrão, o que acaba por ser apenas uma meia ironia; a outra metade é o futebol, que segue o mesmo trilho talvez há mais tempo, até. pergunto-me que mais poderemos nós vender? o cristo rei? o eusébio? afinal, gohete tinha mesmo razão...

abraço, querido amigo!

Anonymous said...

é isto que se chama de por o dedo na ferida
boa, Roberto!

beijinho
LauraAlberto

Primeira Pessoa said...

bipede,
nasci com dois pés esquerdo e, nos onde ainda devem existir meus quadris, não existem articulações e ossos, mas bulor, ferrugem, tudo carcomido por traças.

beijão do fã dos teus blogs, o

r.

Primeira Pessoa said...

taninha,
cê me fala em pelourinho e penso numa outra coisa, num outro lugar, que não esses das letras das cantigas cantadas pela turma que masca chiclete, dinheiro e bananas.

sei não, taninha... sei não...

beijão do

r.

Primeira Pessoa said...

assis,
eu gosto mesmo é de "chame gente", do moraes...

moraes, aliás, que é bamba.
como tu.

beijão,

r.

Primeira Pessoa said...

indigo,
vi um video na internet, no outro dia, em que meninos e meninas na faixa etária compreendida entre 8 e 10 anos, fazendo coreografias do carnaval brasileiro de hoje.

o carnaval nunca foi puritano. as canções carnavalescas tinham sua dose de malícia, mas tinham muito de ingenuidade e espontaneidade.

virou essa coisa aí, que contamina crianças que perdem a inocência muito antes do seu devido tempo.

abração do

r.

Primeira Pessoa said...

PJ,
o momo não existe mais... o carnaval desconvidou o rei... desconvidou o samba...

e desconvidou-nos, também, a ti e a mim.

beijão, poeta da Esquina desta América aí.

do seu amigo,

r.

Primeira Pessoa said...

saudades de ti também, mirze, que anda mais sumida deste blog, do que eu...rs

beijão,

r.

Primeira Pessoa said...

moisés,
no outro dia vi uma matéria que dava a saber que daniela mercury dizia que caetano e gil são peças de museu e fazem parte do carnaval.
não são só os engravatados, sou os pertalhões de todas as roupas, moisés...

ela, daniela, que fatura muitíssimo com um camarote patrocinado por várias empresas e abriga ricos e cheirosos no carnaval de salvador.

abração do

r.

Primeira Pessoa said...

jorgíssimo,
acho que sempre vendeu-se tudo, a inocência, a dignidade, a raiz, a coerência... tudo...

sempre vendeu-se a própria mãe, sendo que, nos dias de hoje, eles entregam o produto a quem pagar mais.

nos tempos de antanho, não.

mas, péssimos cabritos que somos, seguindo berrando.

abração do seu amigo,

r.

Primeira Pessoa said...

lauríssima,
pudesse eu, ainda jogava um punhado de sal.

beijo grande, do
r.