Tuesday, March 8, 2016

Convite para inauguração


Fábio Portugal me fez uma bela gracinha. Ele convidou-me para a inauguração de seu bar. Não, Fábio Portugal não está abrindo um bar, um estabelecimento comercial, daqueles convencionais, imóvel de esquina, com letreiro luminoso da Budwiser na janela, poster de cigarros Hollywood na parede e uma juke box num canto, onde pode-se ouvir de Frank Sinatra a Reginaldo Rossi.
Ele construiu um barzinho no porão de sua casa e o trem ficou danado de bonito. Particularmente, eu não gostaria de ter um barzinho em casa. Talvez, por saber do perigo iminente de ter, tão pertinho de mim, um convite às tentações e o perigo da cirrose. Ou pelo medo de não encontrar companhia.
Mas não sou contra quem não bebe. São idiossincrasias, diria o poeta.
Eu comecei novinho, bebendo escondido a prosaica cuba-libre (aquilo que aqui nos EUA chamam de rum and coke e que nada mais é do que isto mesmo, rum misturado com coca-cola). Era uma espécie de reverência a Cuba e à revolução cubana.
Aquela geração inteira de filhos da ditadura militar no Brasil bebeu cuba-livre fervorosamente, sem imaginar que, um dia, Fidel Castro se tornaria tão tirano quanto Pinochet ou Geisel.
Beber é muito bom, eu acho.
E compartilho daquela máxima de que mais vale um bêbado conhecido, do que um alcóolico anônimo.
Pode ser  na degustação de uma cachacinha, um rabo-de galo, um uisquinho ou mesmo uma cervejota gelada. Mas há quem goste dela quente.
Há também quem goste de tomar champanhe.
Tenho uma amiga que só bebe da caríssima marca Crystal e, na minha cabeça pequena, para o cidadão tomar um porre de Crystal, ele tem que hipotecar um imóvel ou vender um rim antes de sair de casa.
Mas ela fala de uma forma tão convincente sobre o prazer da "coceguinha" gostosa das borbulhas efervescendo nos lábios, que dá vontade de, realmente, hipotecar o patrimônio e encarar uma Crystal bem de frente.
Não que eu entenda dessa modalidade, posto que, champanhe, bebi poucas na vida. Eu sempre achei que champanhe era aquela cidra Cereser que serviam nas festas de juventude lá em São Raimundo. Não era. Não é. Mesmo porque, champanhe de verdade nunca frequentou botequim.
Para acompanhar a prosa do habitat dos boêmios, Deus inventou os tira-gostos.
Aliás, não deveria ter esse nome.
Deveria chamar-se "realça-gosto", "complemento", aquelas moelas com molho de tomates (boas para comer com pão murcho, dormido), o torresminho crocante, a dobradinha gelatinosa, a rústica carne de sol com mandioca, o lambari trincando de frito e o sagrado fígado acebolado com lâminas de jiló grelhados na chapa.
Chego junto quando o combustível da prosa é uma bebidinha. Mas não consigo beber sozinho. Acho absolutamente inverossível beber só. O cara que bebe sozinho, é como se dançasse consigo mesmo.  Não vejo graça.
Não que eu me orgulhe, mas ganhei, ao longo dos anos, a reputação de bom de copo. Gostaria de ter sido bom de matemática. Bom de bola. Bom de muitas outras coisas, mas restou-me o Nadir Figueiredo, que lá em Minas chamam de lagoínha.
E o presente que mais recebo é bebida. Tenho mais de 80 garrafas de cachaça - todas recebidas de presente de amigos e leitores - que vão desde a raríssima Havana (auspiciada pelo compositor Celso Adolfo), às menos cotadas Amansa Corno, Sossega Leão, Arriba Saia e Providência. Tem gente campeoníssima em tomar "providências" no botequim.
O bom de biritar é que a birita desenbola a prosa. Ela afrouxa a língua e libera os pensamentos mais reprimidos.
Tem cara que, quando bebe, torna-se uma grande autoridade em qualquer tema. Vira especialista dos mistérios do universo e opina sobre propulsão de foguetes, a existência de marcianos e a reprodução de protozoários in-vitro.
A sagrada 'bitruca' aguça a discusssão sobre política, futebol ou mulher. Por mais santo que seja o caboclo, ele acaba entrando na eleição das melhores pernas da tv Globo, ou dando um pitaco sobre a boca insinuante de Angelina Jolie.
Dependendo do número de cervejas, Maradona foi melhor que Pelé, o fusca é que é o carro e a camisa do São Paulo é a mais bonita do Brasil.
Só não pode dizer que Fernando Collor foi um bom presidente, ou confessar que votou em Dilma para presidente. Pelo menos na minha roda, o caboclo é expulso sem direito à saideira.
E ainda ganha a fama de bebum chato.

4 comments:

Anonymous said...

Terminei a crônica imaginando, com muita empolgação, como seria ter um bar em casa. Agora que desisti da cerveja e só bebo cana, seria bem legal começar uma coleção também. O difícil será ganhar alguma garrafa de presente... Ninguém bota fé que eu realmente gosto e bebo cachaça.
Amei o texto, Beto!
Saudades...

nina rizzi said...

gostaria de conhecer um bar desses. e tomar um porre, faz tempo!
e sem essa de "não encontrar companhia."; vc tem muitos bons amigos.
boa crônica, sempre é.
beijo!

Primeira Pessoa said...

Nina Rizzi,
mesmo após todos estes anos de proximidade e parceria jamais tomamos um porrete juntos. Ainda vai acontecer. E vai virar poesia e prosa.

Bora?

Beijos do
R.

Primeira Pessoa said...

Adriana,
quando eu for a Minas Gerais vou te enviar, pelo correio, uma pinga da boa, da região de Salinas. Se você for a BH ganhará duas.

Beijão

R.