Tuesday, March 8, 2011

Carnaval, o verdadeiro túmulo do samba

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A letra da antiga cantiga diz que quem não gosta de samba não é bom sujeito. E que é ruim da cabeça ou doente do pé.
Eu gosto de samba, mas não sei sambar.
Sim, tenho um pé bichado, herança dos tempos em que achava que sabia jogar futebol, mas não sambo porque não sambo.
E isto não deveria fazer de mim um mau sujeito.
Gosto de samba de roda, de samba canção e de breque, de samba com cheiro e sabor de samba.
E me dá coceira o pagode industrial que tentaram me empurrar goela baixo, posto que, para mim, não passa de uma degeneração do gênero.
Constato que samba e carnaval se deformaram.
Onde foi parar o Rei Momo?
O que foi feito das colombinas e dos pierrôs apaixonados?
E os bailes de salão, movidos a marchinhas, serpentinas e confetes?
Esse atrofiamento do carnaval de agora me deixa sem graça.
E o bom e velho samba foi banalizado e já não passa de um pretexto - e não de uma razão - para a maior celebração nacional .
O samba já não veste fantasia.
Ele usa um disfarce.
Chamem-me de purista, se quiserem.
Rotulem-me como saudosista.
Mandem-me para um museu.
Coloquem-me numa camisa de força.
Despachem-me para Guantanamo Bay ou exilem-me em Cabul.
Mas não me calarei.
Teimo em associar samba e carnaval, embora tenha cada vez mais a certeza de que hoje são coisas bastante diferentes, e que já não caminham de mãos dadas.
São como aquele casal que continua vivendo debaixo do mesmo teto, ainda casado, mas ali ninguem se ama mais.
Uma vez por ano, carnaval e samba saem juntos à rua, cordiais, mas sem afeto.
Um casamento de aparências e de aparências somente.
Agora, o carnaval de rua apenas faz parte de uma grande engrenagem, tentáculo de organizações mafiosas que usam a maior festa popular do Brasil como cortina de fumaça para encobrir atividades paralelas.
Escola de Samba e o jogo do bicho andam lado a lado. Mão na mão.
Com o passar dos tempos, empresários espertos transformaram o carnaval num grande negócio e não existiria nada de errado nisto, se o conceito original não tivesse sido distorcido, adulterado, em detrimento do lucro.
E que aqueles que fazem a festa – o povo - recebessem um pedaço do bolo.
Os camarotes patrocinados por grande empresas são uma espécie de virtrine da vaidade por onde circulam apenas os bem nascidos, os bonitos, os famosos, aqueles a quem chamam de VIP.
É para sair bem na tv. E rende um dinheirão.
Ou será que os camarotes estão abertos aos verdadeiros protagonistas do carnaval?
Uma vez por ano o morro desce à avenida, mas cada pessoa ali é usada como mero figurante de uma superprodução hollywoodiana.
Numa espécie de efeito dominó, a maior festa popular do Brasil vem virando outra coisa.
Tomem o carnaval baiano, por exemplo.
A Bahia possui um dos sambas mais interessantes do Brasil.
O samba de roda baiano tem uma característica própria e é completamente diferente do samba do resto do país.
Mas ele, o samba de roda, não é convidado para o carnaval baiano.
Ala das baianas, em Salvador, é aquele lugar em que as vendedoras de acarajé se perfilam na margem das ruas para vender quitutes aos turistas.
Carnaval baiano virou sinônimo de axé music, de trios elétricos, de abadás, dancinhas de estação que já estarão esquecidas e devidamente substituídas por outras igualmente sexistas nos próximos anos.
Esta aberração baiana é musicalmente descartável, como deveria ser o próprio carnaval.
Deveria ter outro nome e ser apenas mais um axé-folia, como outros milhares que já acontecem pelo Brasil.
Melhor seria se mudassem tudo isto de nome e legitimassem a farsa.
Pode ser que, assim, Noel, Dorival, Cartola e Lamartine descansassem, finalmente, em paz.


A Música Que Toca Sem Parar:
de Wilson das Neves, interpretada por Zé Renato e Renato Braz, O Dia Em Que o Morro Descer e Não For Carnaval.


O dia em que o morro descer e não for carnaval
ninguém vai ficar pra assistir o desfile final
na entrada rajada de fogos pra quem nunca viu
vai ser de escopeta, metralha, granada e fuzil
(é a guerra civil)

No dia em que o morro descer e não for carnaval
não vai nem dar tempo de ter o ensaio geral
e cada uma ala da escola será uma quadrilha
a evolução já vai ser de guerrilha
e a alegoria um tremendo arsenal
o tema do enredo vai ser a cidade partida
no dia em que o couro comer na avenida
se o morro descer e não for carnaval

O povo virá de cortiço, alagado e favela
mostrando a miséria sobre a passarela
sem a fantasia que sai no jornal
vai ser uma única escola, uma só bateria
quem vai ser jurado? Ninguém gostaria
que desfile assim não vai ter nada igual

Não tem órgão oficial, nem governo, nem Liga
nem autoridade que compre essa briga
ninguém sabe a força desse pessoal
melhor é o Poder devolver à esse povo a alegria
senão todo mundo vai sambar no dia
em que o morro descer e não for carnaval.

22 comments:

Paulo Jorge Dumaresq said...

Bob, Bob, assino embaixo.
O carnaval, assim como as religiões, virou um grande negócio... escuso.
Hoje em dia não há mais poesia no carnaval nem no samba.
A folia foi transformada em mercadoria.
O jeito é tomar uma zinebra e ouvir a Marrom cantar: "Não deixe o samba morrer/Não deixe o samba acabar/O morro foi feito de samba/De samba pra gente sambar...".
Grande abraço, irmão das Geraes.

Primeira Pessoa said...

fico feliz que tenha gostado, paulo poeta.
compartilhamos da mesma opinião.
sabe o que é pior?
é como a cantiga da perua, da música de alceu: é pió, pió, pió...

sim, a tendência é piorar.

beijão do

roberto.

Zélia Guardiano said...

Roberto, meu querido

Você me deixa colocar meu jamegão ao lado da sua assinatura?
Penso exatamente como você!!!
Cadê o carnaval de salão?
Cadê a bandinha do Ferrari, que tocava no nosso Grêmio Recreativo, aqui na nossa aldeia?
Quero confete
Quero serpentina...
Quero minha família, meus amigos em redor da mesa...
Quero minha ingênua fantasia de havaiana, de holandesa...
Ai!
Quero as marchinhas:

Alahlah-ô-ôôô- ôôô
Mas que calor-ôôô-ôôô
Viemos do Egito...

A estrela d'alva
No céu desponta
E a lua anda tonta
Com tamanho esplendor...

Será você
A tal Suzana
A casta Suzana
Do posto seis
Coitada
Como está mudada
Teve apendicite
E ficou sem it...

Todo mundo diz que sofre
Sofre
Sofre neste mundo
Mas a mulher
Do leiteiro sofre mais
Ela lava, passa e coze
E controla a freguesia
Ainda lava
Garrafa vazia...

Taí
Eu fiz tudo
Pra você gostar de mim
Oh
Meu bem
Não faça assim
Comigo não
Você tem
Você tem
Que me dar seu coração...

Mamãe eu quero
Mamãe eu quero
Mamãe eu quero mamar
Dá a chupeta
Dá a chupeta
Dá a chupeta
Pro bebê não chorar...

Oh jardineira
Por que estás
Tão triste
Mas o que foi
Que te aconteceu?
Foi a camélia
Que caiu do galho
Deu dois suspiros
E depois morreu...

Joga a chave
Meu amor
Não chateia
Por favor...

Eu fui às toradas de Madri
Parará-tim-bum -bum-bum
Parará-tim-bum-bum-bum
E quase não volto mais aqui
Pra ver Peri
Beijar Ceci...

Ah, amigo...
Se você me der corda, escrevo todas elas aqui...rsrs...Af! É a saudade que mexe muito comigo.
Adorei o post!
Abraço da
Zélia

Primeira Pessoa said...

escreve, zélia...
escreve que eu canto junto.
aliás, as marchinhas de carnaval que ainda ecoam na memória das pessoas de hoje, são as mesmas de antanho.
elas eram boas, por isso ficaram pra sempre.
defendo a teoria que os hits de carnaval da "nova era" desaparecem na quarta feira de cinzas e, se são eficazes o bastante para que não nasçam novas canções eternas, não são nocivas o suficiente a ponto de destruir aquilo que já é eterno.

um amigo que leu a crônica, confidenciou: ele tem saudade até do lança-perfume...rs

onde foram parar os argentinos? rs

abração do

roberto.

ragi moana said...

nossa, eu ficava até o baile acabar, dançando em círculos no salão, com meus irmãos e meus pais... tava pensando que isto nem tinha existido de verdade de tanto que a coisa desandou...

ótimo texto, da vontade mesmo de fazer um abaixo assinado..rs

obrigada tb pela visitinha e comentário na casa das tia...rs

Paulo Jorge Dumaresq said...

Bob, nossa amiga Zélia deu show ao trazer à tona essas marchinhas fabulosas.
Sensacional!

Linda Simões said...

Pois,no meio dessa folia toda
Aqui em Recife/Olinda
Tem lugar para as apresentações líricas,frevo de rua,frevo canção e frevo de bloco, bonecos gigantes nas ladeiras,maracatus,encontro de blocos,baile municipal,papangus,Alceu Valença,folia para todos os gostos e credos...

Mesmo com o capitalismo imperando,o lucro sendo para os "imperadores" do poder ...
...

E teve até apresentação de Demônios da Garoa:


Não posso ficar, nem mais um minuto com você
Sinto muito, amor
mas não pode ser
Moro em Jaçanã
Se eu perder esse trem
Que sai agora às 11 horas
só amanhã de manhã...

E além disso mulher
tem outra coisa
miha mãe não dorme enquanto eu não
chegar
Sou filho único...
...

rsrsrs

Desculpe,não resisti!


Concordo contigo.Gostei demais do post.
E estava aqui cantando com a Zélia...

Um abraço

Primeira Pessoa said...

linda,
o luis nassif me disse, hoje, que em olinda, no recife e noutras cidades ainda existe carnaval.

será que agora eu mudo de opiniao?será que recupero um cadico de esperança? não te sabia em olinda, terra de eduím e de dom tronxo, de quem sou fã.
ha uns 3 anos vi os demonios da garoa no bar brahma, em sampa. tive que saír "expulso" de lá.

beijo grande procê,

r.

Primeira Pessoa said...

beta, nasci com dois pés esquerdos, nunca soube dançar, pular, nada disto...

mas ia pra abusar do corpo, beber e fazer outras coisas (rs) até cair.

vou morrer cedo, eu sei.

beijão,

r.

Primeira Pessoa said...

PJ,
zélia acendeu uma fogueira dentro do meu peito.
deu até vontade de sair fingindo que pulo, que danço...

sua presença aqui é um luxo.
te adoro e você sabe.

beijão do

roberto.

Unknown said...

Roberto!

Certíssimo! Haviam os bailes de salão ( familiares ou não), e o samba era pé no chão pelas comunidades dos morros. Agora, acabou, só estrela de cinema, modelo e os samba-enredos dá para dormir.

A comissão de frente virou ballet! O que salva são mesmo os blocos de rua.

Beijos, maninho!

Assino embaixo.

Mirze

Primeira Pessoa said...

mirze, você se esqueceu da presença indispensável dos Big Brothers e Big Sisters... tô cozinhando uma crônica pra essa turma, me aguarde, que eu falho mas não tardo...rs

beijão do

roberto.

Tania regina Contreiras said...

Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh....você falou por mim, disse tudo. Carnaval sem autenticidade, sem originalidade, sem poesia? O Carnaval acabou. Isso aqui na Bahia que ainda insistem em chamar de carnaval me faz querer correr pra longe. Mas, sim, tenho ouvido que o carnaval do Recife ainda é um carnaval de verdade, que bom que eles resistem.

Ok, vc lavou minha alma e eu simplesmente assinaria embaixo da sua crônica, sem pertanejar.

Acabou. Ufa, que bom!
Beijos,

Marcantonio said...

Eu estava lembrando do Nelson Sargento: "samba, agoniza mas não morre..."
Ainda há uma boa turma de para-médicos por aí que não o deixam morrer, e não necessariamente vinculados ao carnaval.
Samba-enredo? Quem lembra de algum do ano passado? É tudo mesmice.
Concordo inteiramente com você, e também com a exceção feita aqui ao carnaval de Pernambuco. Ao menos por enquanto...

Grande abraço!

Primeira Pessoa said...

marquinhho, nelson sargento deixou frases interessantíssimas. acho que é dele aquela "você finge me ama e eu finjo que acredito".
virou tudo um lance muito estranho, feito pra consumo imediato, a cultura fast food chegando à cultura e, ao que parece, pra ficar.

me convidaram pra sair no galo da madrugada esse ano. não fui, porque não iria mesmo se estivesse podendo.
carnaval não é minha praia.
aliás, praia também não é minha praia. rs

abração, marquinho.

r.

Primeira Pessoa said...

taninha,
o assis me disse que existem dois carnavais baianos. no mesmo dia, li uma pesquisa revelando que mais de 80% dos soteropolitanos não participam do carnaval. daí, tem-se uma dimensão de que uisto que tá rolando agrada a gregos, mas não agrada a baianos.
você que é da terrinha pode ter uma idéia melhor disto, vendo de dentro pra fora a folia.

beijo grande procê, do

r.

Tania regina Contreiras said...

Não vou mentir, que essa coisa agrada a baianos também. Mas é que há baianos baianos e baianos baianos, entendeu? :-)

O alvo são os turistas, sem dúvida. Carnaval pra turista vê, comprar e pagar caro. Mas há os baianos que não fizeram resistência, deixaram-se ir...

Ou nós outros já evoluímos e precisamos, portanto, mudar de planeta! :-)
Bj

Primeira Pessoa said...

ah, taninha, mas a bahia já é um outro planeta... rs... e não é de hoje...
um planeta que gerou glauber, elomar, joão ubaldo, joão gilberto...
e que gerou também o ásia de águia e a bunda da carla perez...rs
um planeta feito de baianos e baianos, baianas e baianas... e sergipanos...rs


adoro você.

beijão,
r.

Unknown said...

rapaz quando li a cronica pensei imediatamente nesta música, não disse no e-mail mas pensei, ah se pensei


abração

Primeira Pessoa said...

acho que não caberia outra, assis.
foi transmimento de pensação.

beijo grande,

roberto.

ÍndigoHorizonte said...

Me ha gustado mucho tu crónica sobre esa tristeza por ese carnaval y esa samba que cohabitan ya sin afecto... Ese carnaval desvirtuado, traído y llevado, que es un cadáver de lo que fue el verdadero carnaval. Yo también me quedé pensando este año en mi carnaval de la infancia, en ese carnaval sencillo de la risa y la sonrisa, ese carnaval sentido, y, este año una niña de cinco años me devolvió "mi" carnaval: Estaba el domingo de carnaval en la plaza del pueblo, con varios mayores y niños, añorando las máscaras de mi infancia, las máscaras de mi carnaval, y de pronto una niña me empezó a tirar confetti por la cabeza: decía, a ella sí podemos echarle confetti, que no se enfada, y cada vez me echaba más confetti: me llenó el bolso, la cabeza, la ropa. Aún hoy tengo confetti por todos lados y estoy feliz por haber visto esa sonrisa sencilla de la niña arrojando confetti y arrojando alegría de múltiples colores en mi cabeza añorante de verdadero carnaval. Y con el confetti, la niña me devolvió un pedazo de "mi" antiguo y sentido carnaval.

Primeira Pessoa said...

indigo, às vezes o sentido de tudo fica lá atrás, sob um máscara de carnaval.
sempre achei confete e serpentina uma das coisas mais lindas do mundo: arco-íris desenrolando, pequenos sóis, pequenas luas.

beijão,
r.