Thursday, January 5, 2012

A revista masculina, o pastor, o cronista e o cantor



Preciso parar com a mania de levar revistas masculinas para o banheiro.
Até já tentei, como explicarei a seguir. Mas, juro, não compro essas revistas para ver as moças peladas. Faz tempo que não as adquiro para esse fim.
Compro pra ler as entrevistas e os artigos, que são geniais, e pelo excelente trabalho editorial que realizam.
Sim, eu sei. Ninguém acredita.
E esse que julgo ser um salutar costume, já me fez passar por algumas situações embaraçosas.
Há não muito tempo atrás eu saía do mais íntimo dos redutos da humanidade, e esbarrei com um conhecido pastor evangélico da cidade.
Na verdade, foi mais que um esbarrão. Foi uma “trombada”.
Ele, um pastor da velha guarda com fama de severo, tinha muita pressa de entrar.
Eu não sabia que era ele do lado de fora.
Já me preparava para sair do banheiro quando notei que a maçaneta se mexia nervosamente. Quase fiz de conta que não vi. Mas quem queria entrar, obviamente tinha pressa. Muita pressa.
Colaborei.
Acho que foi ali, ao vê-lo suando nas têmporas, que matutei pela primeira vez em toda a vida que, assim como qualquer um de nós, pecadores, os pastores e padres também freqüentam banheiros.
"Até" o papa, completei.
E, também como nós, dependendo do que tiverem ingerido, estão sujeitos às intempéries intestinais.
No que colidimos à porta, ele e eu, a revista masculina escorregou debaixo do meu sovaco, para cair no chão com as páginas centrais escancaradas.
As páginas e as pernas de uma conhecida atriz de televisão, que revelava aos homens comuns desse mundo, um tanto bom de sua cobiçada intimidade.
E eu e o pastor ficamos com cara de dois cowboys, cada um com a mão em sua arma, olhando fundo nos olhos do adversário, tentando adivinhar o próximo movimento.
Ele portava uma bíblia.
Eu, uma playboy.
Corremos os olhos pelos seios da atriz naquela fração de segundos, que nos pareceu - quero crer, também a ele -, uma eternidade.
E eu quase disse a ele estava lendo uma entrevista com o navegador Amir Klink.
Mas não tive como me explicar. E ele não tinha tempo para me escutar.
Apressado em acertar suas contas com a natureza, só teve tempo de me passar um olhar de descompostura, antes de bater a porta atrás de si.
Segundos depois ouvi o barulho característico de alguém que não estava bem dos intestinos.
Quase sorri, marotamente.
Fui para minha sala, refugiei-me detrás da escrivaninha e fiquei naquele estado de espírito que oscilava entre o envergonhado e o já conformado, esperando a bronca dele.
E ele veio dali a uns 15 minutos, sem trazer o sermão para o qual eu tanto me preparara.
Estrategicamente, ambos 'abriram mão' do aperto de mão.
Ele veio, falou de um evento em sua igreja e eu achei melhor não tocar no assunto da revista. Estava de ótimo tamanho.
Enquanto ele falava, eu me prometia que, mesmo sendo a título de material de leitura para a duração “do procedimento” ali cabível, eu nunca mais entraria em um banheiro levando uma revista masculina.
E, durante muito tempo mantive a promessa, até que no outro dia alguém apareceu com uma revista destas na redação, e não resisti.
O entrevistado era Marcos Nasi, o polêmico vocalista do grupo Ira.
E nesta entrevista ele falava de sua trajetória na profissão de músico, gabou-se de ter namorado Marisa Monte e Marisa Orth, chamou o sertanejo Luciano de “anão de jardim” e contou “todas” as suas rusgas com a polícia.
Ele só se esqueceu de um episódio ocorrido em Framingham no início dos anos 90. Episódio este, que relembro aqui:
Após um show de sua banda no Ipanema ele ajudava e desconectar o equipamento, quando se aporrinhou com um fã embriagado.
Pela ira do vocalista do Ira, o moço deve ter insistido para que ele cantasse uma música de Zezé de Camargo e Luciano.
Nasi estava possesso. Já chegou socando.
O fã teve abundante sangramento no nariz e nem chegou a reagir.
Nocauteado, apenas chorou, como um menino que não sabia o que estava acontecendo.
Alguém chamou a polícia e Marcos Nasi foi algemado e colocado dentro da viatura.
O empresário Carlos Silva, que trazia o Ira ao Ipanema, foi conversar com os policiais, enquanto eu, que nada tinha a ver com o peixe, limpava o nariz do rapaz com um guardanapo de papel e tentava convencê-lo a não prestar queixa.
Na minha ignorância, isto poderia trazer-lhe alguns problemas, haja vista que ele era imigrante ilegal.
A vítima não prestou queixa, Nasi foi lberado e pode voltar ao Brasil com o grupo no dia seguinte, sem nenhum problema.
Mas naquela noite eu não dormi.
Perdi o sono, arrependido por ter me envolvido na confusão, por ter interferido.
No fundo do meu coração eu sabia que Marcos Nasi deveria ter passado a noite na delegacia. Ele não merecia ter ficado impune.
Em sua entrevista à revista masculina tantos anos depois, eu o vejo alardear que tem a ficha policial limpa.
O que talvez seja verdade.
Mas inocente, eu sei que ele não é.


A Música Que Toca Sem Parar:
I'm Kloot, The Same Deep Water

17 comments:

nina rizzi said...

eu gosto de ver revistas masculinas, concordo que há excelentes artigos. mas também gosto de ver uma obra de arte da natureza... rsrs...

quanto à inocência...basta estar escrito, diriam...

beijo, bunito.

Unknown said...

Cara, rapaz, mano! ninguém que eu conheça não gosta desse tipo de revista. Ela engana com a capa. O recheio é que é bom. Acredito que se tivesse passado para o padre ou bispo, teria curado o pobre.

Roberto você escreve bem demais, mas eu vim aqui hoje para ler sobre NINA!
Que aliás é minha e você, que rouba tudo do pouco que tenho, veio me dar uma lição de moral. EU SEU QUE ELA E É A MAIOR PEQUENINHA DO MUNDO! SEI QUE È UMA GUERREIRA E MÃE DE OUTRA GUERREIRA.

BOBO.

Mesmo assim acabo sempre te perdoando.

Beijos

Mirze

Primeira Pessoa said...

nina,
perdi minha inocência quando fiz a primeira declaração de imposto de renda, e não quando li os primeiros catecismos de carlos zéfiro... rs

cê é muito nova pra saber de carlos zéfiro. aliás, a playboy nunca roubará um lugar no meu coração que é dele: zéfiro.

beijão do

roberto.

Primeira Pessoa said...

mirze,
eu to rindo aqui...
a capa não engana.

inocente, eu nào sou.

beijão,

r.

Tania regina Contreiras said...

Beto, uma sugestão: faz, arranja uma capa e põe as resvistas dentro na hora que for ao banheiro! :-)

Mas, sim, você folheou a revista antes ou depois de ler a entrevista com Amir Klink? hahahaha

Muito boa a crônica, me diverti...
Beijos,

Primeira Pessoa said...

taninha,
eu sou do tempo dos catecismos de carlos zéfiro... ali, naquele folhetim, a testosterona era usada como tinta no mimeógrafo... e era bom também pra mim...
a playboy é um negócio multimilionário. e quando tive dinheiro suficiente pra comprar uma playboy eu já nem me interessava mais por sexo, e queria mais era saber como amir klink atravessou o atlântico transando com o tronco de uma bananeira...rs

beijão,

r.

Tania regina Contreiras said...

:-))

Primeira Pessoa said...

ahá!!! rs

Paulo Jorge Dumaresq said...

Irretocável, seu Bob. Coisa de estilista, de quem manja do riscado. Valeu, man. Forte abraço.

Fernanda MAtos said...

Essa tal frase: gosto mais dos artigos do que das fotos...
ja vi tantas brigas de jovens casais...
eu mesma, há anos, nao acreditava...
agora,
tanto faz...
o bom é bem fazer com as informacões que nos chegam.
Valeu!

Luciana Marinho said...

por que demorei para ler esse teu texto que, apesar do título induzir, gostosamente não tem nada a ver com moça pelada? só fiz retardar o riso!

muito, muito bom, roberto!

abraço!!

Primeira Pessoa said...

pj,
cê sabe que tá me devando um uisquim com duas pedras de gelo no entardecer em ponta negra, num sabe?

saudades do futuro, PJ.

abração do

r.

Primeira Pessoa said...

fernanda,
quanto mais entrado na vida eu vou ficando, mais dos artigos eu vou gostando...rs

é mais ou menos por aí, que vai esta prosa.

abração,

r.

Primeira Pessoa said...

lu,
eu nem sei qual era a intenção da crônica, quando comecei a escrevê-la.

acho que comecei falando de uma coisa e terminei falando de outra, mas dei sorte de ficar dentro da mesma coisa.

bom mesmo é te ver por aqui.

beijo grande.


r.

ps: conseguiu baixar o cd com as cançoes de Pessoa?

Zélia Guardiano said...

Show, Roberto!
Perfeito!
Diverti-me demais.
Abraço, amigo...

Em tempo:
Tinha muita saudade daqui, mas o blogger não me permitia comentar... Em alguns blogs amigos, sequer entrar eu podia. Sentia-me a última das criaturas.
Ontem ajustei um técnico que veio aqui em casa, ficou umas cinco horas, mexeu, remexeu, mudou provedor, falou, por um tempo interminável, com a telefônica , mudou o plano de pagamento, enfim, fez o diabo e no fim deu certo...
Sou xucra nessas questões de informática, Roberto! E em outras questões também...rsrsrs...

Anonymous said...

hihihihih
ainda não te desejei um Bom Ano, amigo, mas tenho pensado em ti
quando voltas???
Abraço com saudade, muita

ÍndigoHorizonte said...

¿Y dices que no eres inocente? Pues yo creo que tienes la mejor de las inocencias... la del que sabe y aún así conserva intacta alguna de sus huellas. Abrazo grande, Roberto. Siempre un placer leerte.