Tuesday, August 30, 2016

A dançarina



Ela dança quase parada
olhando a névoa que devora a pedra
e baila a bordo da casa que flutua
como um barco cigano

Dança com os olhos molhados
a cada aceno de despedida
a cada fantasma do passado
e a cada nova ferida

Dança a noite mal dormida
nas retinas fatigadas
na alma estilhaçada
na carne toda doída

Dança o sorriso de plástico
a flor murchando no peito
dança em nome do pai
do filho e do espírito santo

Dança de mal com Deus
dança de bem com o homem
dança com os pecados seus
mesmo os que não cometeu 

Dança com um par invisível
rodopia com a dor indizível
dança com os dois pés amarrados
e seus sapatos de cinderela

A moça dança sozinha
e no rodar de sua saia
rodopiam dores
maremotos, furacões

Dança um tango sem alma
dança para encontrar a calma
dança para esquecer
a solidão que escolheu como par

A moça dança, dança, dança...
ela não consegue parar de dançar
a moça dança, dança, dança...
ela não para de rodopiar.

A moça dança, dança, dança...


(30 de Agosto de 2016) 


* Poema de Caixa de Suspiros, primeiro livro de poemas do autor desde 1988. Lançamento previsto para abril de 2017.

6 comments:

Anonymous said...

que coisa bonita ler você também na poesia! vou querer o livro! abraço

Lázara Papandrea

Wilson Pereira said...

Belo poema, Roberto. Saúdo a volta do poeta, em forma de poema, pois ele está sempre presente em suas crônicas. Siga em frente, dê mel e vinho à sua criatividade! O mundo precisa de poetas e de pessoas como você. Abraço fraterno do amigo e admirador Wilson Pereira

Primeira Pessoa said...

Lázara,
fiquei honrado com a sua leitura. Sua presença neste minifúndio de afeições é motivo de celebração.
Tim-tim!

Abração do

R.

Primeira Pessoa said...

Wilson Pereira,
mestre na arte de dar beleza aos verbos, suas palavras servem de combustível para este menino de minas.
Bispo e eu estaremos indo a Goiania em outubro para uma apresentação de nosso livro na cidade e queria demais que você fosse. Ficaríamos felizes demais se pudessemos abraçá-lo lá.
Tem jeito?
Saudades imensas do amigo.
Abração ro

R.

Ricardo Mainieri said...

Que poema! Os versos traçam volteios na tela, num ritmo quase hipnótico. A repetição de certos termos dá ao poema, algo de moto-contínuo, de eterno retorno.
Muito feliz em conhecer você, também, em poesia.
Valeu!

Ricardo Mainieri

Primeira Pessoa said...

Manieri, moço que tece seus versos com as linhas do minuano, sua presença por aqui é motivo de cafezinho com pão de queijo.
Venha sempre.

Abraço de amigo do

R.