Sunday, November 26, 2017

Das estranhas invenções do homem



(Para o João)


“A maioria dos homens vive vidas de silencioso desespero” 
― Henry Thoreau

As mãos espalmadas escondendo o rosto é o gesto universal dos que sentem vergonha, dos que temem a derrota e não encontram forças para virar o placar adverso antes que se apaguem as luzes.  
É o medo do fracasso, que se aproxima rapidamente como uma matilha faminta diante de um corpo ferido. 
Cruel é o homem, lobo de si, com suas matilhas vorazes, rondando em círculos numa coreografia invísivel, tendo ao centro a indefesa presa, ele próprio.
O homem tem fome de homem.
Ele tem sede do próprio sangue.
O homem, com sua cartilha de metas inatingíveis e suas missões kamikazes.
O criador da ilusão do sucesso, seus truques sujos e atalhos ilícitos.
O inventor do fracasso e do desespero.
O criador da culpa.
O tecelão da corda.
O criador do laço.
Ferreiro que deu forma ao cano dos revólveres.
O mixologista dos coquetéis letais .
Artesão da vergonha e seu gesto universal, esse das mãos espalmadas cobrindo a face.
Como o faz o goleiro, desesperado na hora do gol. 
Do zagueiro que jogou para o fundo das próprias redes a bola branca, fugaz pomba da felicidade.
Do adolescente que não conseguiu caber em um mundo cada vez mais atrofiado e em que a barra de exigências está cada vez mais alta.
Do adulto soterrado por notas promissórias.
Do pai que não consegue colocar o pão sobre a mesa.
Da mãe que não se perdoa pelos falhanços dos filhos e os assume como se fossem seus.
É quando se escuta o barulho ensurdecedor do fracasso.
E que som seria este?
Que estranho barulho teria o desespero causado pela sensação do fracasso?
O de uma fruta que passou do ponto de maturação e se espatifou contra o chão?
O canto esganiçado de uma gralha?
O apito de um cargueiro se afastando no cais?
Ou o rufar de um trovão?
Ele pode ser estridentemente silencioso, mas pode soar como um trem carregado de tesouros minerais, deslizando sobre os trilhos em direção a um porto distante.
Não raro, aparece o paliativo da corda e seu convidativo laço.
Não raro, o fundo do poço, que esconde debaixo dos pés de quem chega a ele, um traiçoeiro alçapão.
Não raro, o cano frio entre os lábios.
O dedo no gatilho.
A coragem extrema, que não é o avesso da covardia.
O clique.
O bang.
A poça gelatinosa.
E o fim.
Não, não deveria ser o fim.
Mas a cortina do espetáculo barato da vida se fecha mesmo assim.

4 comments:

José Antônio de Ávila Sacramento said...

Alguém já nos ensinou que devemos aprender sempre nesta vida que galopa sempre e passa com a maior rapidez; então, é preciso aprender como se fôssemos viver eternamente, mas, ao mesmo tempo, viver como se fôssemos morrer amanhã...
Apreciei muito seu texto, prezado Roberto Lima!

Primeira Pessoa said...

José Antônio, viver como se fosse pra sempre... você esmiuçou direitinho.
Grande abraço, poeta.

R.

Dario B. said...

O barulho, Roberto, é um eco do nada dentro de um peito vazio, suplicando uma possibilidade. Mais nada.

Primeira Pessoa said...

e às vezes faz um silêncio ensurdecedor, meu Dário Banas.
a vida é cheia de possibilidades, sabemos.

abraços
r.