A pandemia me tirou pessoas e coisas.
Perdi
o convívio de gente que amo, cancelei uma viagem de duas semanas à Toscana e
não trabalhei mais.
Fui
morar debaixo da cama, fazendo companhia aos empoeirados sapatos, que chegaram
a pensar que eu morri por nunca mais termos saído de casa.
Eles
têm medo de desaprender a caminhar.
Dançar,
nunca souberam.
Voar
não se atreveriam. Meus pés têm medo de altura.
A
lista de perdas é grande, contabilizei. Algumas são irreparáveis.
Mas
trago também notícias amenas e salutares, sacramentando a repetição da parábola
do limão que a vida dá.
É
azeda e doce a limonada do viver.
Às
vezes consigo dormir, mistério que jamais havia decifrado.
Parei
de fumar um dia antes de anunciarem as medidas de prevenção ao coronavírus aqui
nos EUA.
Esqueci
os cigarros na casa de minha mãe em Betim, aonde eu havia chegado um dia antes.
Seguíamos para São João del Rei e não fumei mais, desde então.
Parei
parando, sem alardear nem fazer promessas a São Judas Tadeu, a quem sempre
recorro nas causas impossíveis.
Sinto
muita falta do tabaco, confesso.
Às
vezes sonho que estou fumando, suado e nu ao lado de Rachel Welsh - também nua
-, deitado numa cama de hotel, fazendo círculos de fumaça que nunca chegam ao
teto.
O
cigarro era um amigo de todas as horas.
Ele
foi fiel e nocivo companheiro, sempre que algum pensamento de aflição me
acometia.
Nos
momentos de prazer também esteve presente, principalmente após um café ou uma
Stella Artois.
Falando
em Stella, outra notícia urge.
Entrei
na pandemia bebendo muito.
O
que é muito?
Duas
garrafas de cabernet sauvignon, todos os dias, para aliviar a dor da incerteza.
Ou
a certeza da dor.
Para
'variar', uma vez por semana bebia o inocente isotônico de cevada.
Há
cerca de três semanas, porém, o fígado mandou um recado inequívoco e eu o
escutei, desconfiado.
Parei
geral.
Ao
contrário do cigarro, não sinto a menor falta da bebida.
Aconteceu.
De
vez em quando bebo uma taça de vinho ou uma long neck. Eu não sinto mais aquela urgência.
É
como se o interruptor tivesse saído do On e entrado em Off.
Outra
mudança positiva foi o retorno de uma velha parceira.
Recomecei
a escutar música o tempo inteiro, como sempre fiz, mas não andava fazendo.
Descobri
canções incríveis e voltou aquele arrepio na nuca e braço, uma indizível sensação.
Comprei
um violão pela internet e estou aprendendo a tocar umas coisinhas com a ajuda
do Youtube.
Li
menos livros do que deveria até aqui, é verdade, mas estou devorando "Essa
Gente", o mais recente de Chico Buarque. E não vou parar por aqui, posso
garantir.
Vi
mais filmes durante os últimos quarenta dias do que nos últimos quarenta anos.
Investi
boa parte do tempo que abunda numa horta com cenouras de quatro cores, quinze
pés de jiló, tomates de nove tipos diferentes, pimentões, sálvia, salsinha,
cebolinha, tomilho, manjericão, alecrim, physalis, morangos, framboesas e
mirtilos.
Fui
a um bosque perto de casa e recolhi dezenas de pedras.
Eu,
que tinha interrompido a mania de recolher pedrinhas de lugares que visitava
pelo mundo para presentear quem amo, fiz um canteiro de seixos dedicados a
ninguém.
Não
tenho pendor artístico, mas as pintei, pétala por pétala, num exercício
que antes pensaria ser desnecessário e fútil.
A
pandemia, que me tirou tantas coisas, barganhou, dando-me agora essa estranha
mania de transformar futilidade em necessidade.
E
pedra em flor.
‘Ruim
de cama’, desde menino, há noites em que consigo dormir.
Quando
isto acontece, sonho com um planeta em que as pessoas transitam pelas ruas sem usar
máscaras.
Um
lugar imperfeito em que abraços são permitidos e os beijos não representam uma sentença
de morte.
5 comments:
Algo de bom a gente tem que ganhar, Robert! Parabéns!
Coisa mais linda!
Coisa mais linda!
Coisa mais linda!
Tão bom Roberto
Que o próximo nos seja mais favorável
Beijinho
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