Monday, April 4, 2022

A última corrida de Geraldo Corredor



(Para o Geraldo, que dividiu comigo estradas e maçãs)



 Conheci o Geraldo Carlos pessoalmente em 1989. Não me recordo exatamente em que situação.
Eu já sabia dele, atleta respeitado em Governador Valadares, vencedor de corridas importantes no interior de Minas Gerais.
Dono de sete fôlegos, Geraldo tinha asas nos pés.

Como Mercúrio,
Veio para os Estados Unidos na década de 1980 atrás do sonho de ganhar a Maratona de Nova York, mas foi desistindo do esporte, aos pouquinhos.

Parou para tomar um fôlego às margens do rio Passaic e fez dali a sua morada itinerante.

Nenhum lugar foi tão dele quanto Newark.

De vez em quando pegava uma carona para a Flórida e ficava uma temporada por lá.

Massachusetts também foi, muitas vezes, a sua casa. 

Connecticut não teve a mesma sorte.

Disse-me, um dia, ter tido um amor na Califórnia, onde ele desejava voltar.

Infelizmente, porém, alguns sonhos não se concretizam. A vida dá e tira de nós desejos e vontades.

Geraldo era marinheiro, índio americano, Abraham Lincoln, judeu com uma estrela loura de Davi esculpida no topo do cocuruto e, como tais, ele se vestia.

Geraldo era muitos. Tantos Geraldos.

Todos eles muito condecorados, com medalhas e bottons balançando presos ao peito.

Frequentou ruas e palácios, apertou a mão de presidentes, autoridades religiosas, estrelas da música e da televisão. E foi mais popular do que muitos deles,

Do Brasil ele não falava muito, como se quisesse esquecer alguma coisa acontecida por lá.

Distante das pistas de atletismo, nunca parou de correr.

Correu para fazer favores.

Correu entregando jornais.

Correu pelas crianças do mundo.
Pelos mortos de fome do planeta.
Pelos injustiçados sociais, como ele.

Pelos velhos no inverno de suas vidas.

Pela vida cada vez mais mirrada, encolhendo na história pessoal de cada um de nós.
Correu por aqueles que não nasceram em berço de ouro e tiveram que se arrastar pelas ruas deste mundo, como se fossem répteis em corpo de gente.

Correu pelos bichos e criaturas que sempre estiveram à sombra dos homens e do dinheiro.

Correu pelas almas mais puras.
Pelo fim da violência, da qual foi tantas vezes vitimado.
Correu pela paz, que ele incorporou ao nome com aquele inglês de imigrante que não teve acesso à escola, bem ao pé da letra:
"Geraldo, The Peace Runner".

A vida foi dura com ele, não deixemos que o inapagável sorriso nos engane. 

Escrevo este texto enquanto Geraldo repousa num quarto de hospital, respirando com a ajuda de aparelhos, preparando-se para aquela que será a sua última corrida.

Os respiradores serão desligados amanhã, dia 5 de abril de 2022. Como não poderia deixar de ser, seus órgãos serão doados para pessoas necessitadas de um transplante. Geraldo Corredor continuará vivo no corpo de outras pessoas, num derradeiro gesto de generosidade e compaixão.

A faixa da chegada se aproxima para ele e, onde muitos de nós leriam a palavra "Fim", pode-se ler, finalmente, Paz.

 

1 comment:

James said...

Conheci Geraldo em Newark, uma figura, descanseempaz. Belo texto Roberto Lima.