Wednesday, November 25, 2009

Viagem na boléia do tempo

Venho a Minas Gerais por um motivo diferente. Venho dar uma força a meu pai, que há alguns dias teve um derrame cerebral.
Ainda nem aterrisei no aeroporto internacional de Confins, e uma sensação estranha começa a tomar conta de mim. Lá de cima, as montanhas mineiras ganham uma dimensão de beleza para mim, filho da terra, que é impossível descrever em palavras.
O sol brilhante fabrica sombra em árvores, transforma riachos e lagos em espelhos de prata, realça a trajetória de uma caminhonete levantando um poeirão na estrada.
Para onde estará indo essa caminhonete? – pergunto eu.
Durante alguns segundos, pego uma carona e, na boléia da caminhonete, saio "passeando" pelas Gerais.
Minha primeira parada é Ouro Preto, lugar que ocupa a prateleira de cima entre todas as minhas lembranças.
Passear sobre mortos em igrejas pintadas de ouro pode parecer estranho, e é. Mas amo demais esta cidade, que é a minha Paris, minha Pamplona, minha Nova York e minha Quebec, tudo reunido numa só.
Subo e desço ladeiras, as ruas apertadas, o chão de pedras lisas, colocadas ali por mãos escravas.
Entro na casa onde viveu Tomás Antônio Gonzaga e de sua janela quase consigo ver a cabeleira de Marília de Dirceu, crina de égua ao vento. Quero ficar pra dormir, mas a caminhonete da saudade não pode parar.
E é assim que, em alguns instantes, estacionamos na boca de entrada da gruta do Maquiné. Um rápido tour, os olhos cheios de beleza que a natureza esculpiu ao longo de milhares de anos, e já estou pronto para uma visitinha à casa onde viveu um certo João Guimarães Rosa, em Cordisburgo.
Sento-me na cama onde dormiu o criador do Grande Sertão Veredas, bebo café numa caneca de esmalte descascada pelo tempo.
Despeço-me do lugar onde viveu o escritor e já estou na Governador Valadares da minha história, comendo cascudo frito e carne-de-sol - de dois pelos - de Frei Inocêncio (acompanhada de mandioca cozida e manteiga de garrafa), bebendo cerveja estupendamente gelada num bar, enquanto asas-deltas e paragliders fazem um bailado colorido no céu.
Ali, com amigos de infância, bebendo uma boa pinga de alambique, tricoteando brinca­deiras de um tempo que se foi, sou de novo um menino, correndo atrás de uma bola de meia, soltando pipa, levando à tiracolo um embornal cheio de bolinhas de gude.
Muito mais que isto, sou um homem correndo atrás de mim mesmo, como um cachorro rodopiando, tentando morder o próprio rabo. É assim a trajetória do homem, insistente em passar o resto de seus dias correndo atrás do menino que um dia foi.
E amanhecer na Serra do Caraça, passar a tarde num vapor do Rio São Francisco, escutando estórias de pescador.
Anoitecer em Diamantina e participar das serestas das noites de quinta-feira em Montes Claros, quando o mercado municipal se fecha para as vendas, e reabre para receber a população para uma cantoria de respeito.
Violões, cavaquinhos, tambores, pandeiros e flautas: a voz brotando dos pulmões num entusiasmo que te leva a abraçar estranhos, irmãos em outras vidas, e te dá uma indescritível alegria por saber, de cor, a letra de preciosidade como essa aqui:

“A deusa da minha rua
Tem os olhos onde a lua
costuma se embriagar
Nos seus olhos, eu suponho
Que o sol, num dourado sonho
Vai Claridade buscar” (...)

E acordar, nas cercanias de Belo Horizonte, lugar onde vive meu pai.
Sentar-me com ele à mesa, beber queimadinho, comer pão de queijo e biscoito de polvilho e um naco de broa de fubá.
Ver que ele está bem, lúcido, ligeiramente ranzinza, sem acusar nenhum resquício do acidente vascular que quase o levou de nós. Consigo sentir o seu cheiro...
Mas um barulho metálico me traz de volta ao mundo real.
A aeromoça anuncia que pousaremos em segundos. Aperto o cinto de segurança e retorno a poltrona à sua posição inicial.
Viro o rosto e, da janela do avião posso avistar ainda, lá em baixo, a caminhonete sumir no meio do poeira e da minha imaginação.
E o meu coração bate apressado, como o de um menino saudoso, que não vê o momento de abraçar seu pai.

*

5 comments:

líria porto said...

id
líria porto

há dias que sou assim
a sombra da minha sombra
e meus pés pisam repisam
as minhas próprias pegadas
sei curvas sei obstáculos
não sei porém desviar-me

passeio sobre meus passos
caminho nos descaminhos
erro sempre os mesmos erros
repito as mesmas palavras
soçobro em minha sombra
sou nesga do meu passado

*

Primeira Pessoa said...

Liria, você, poeta de imenso talento. Sou seu fã!
Fico honrado com suas visitas ao meu cantinho.

➔ Sill Scaroni said...

Oi, tudo bem?
Gostei muito do teu blog, parabéns.

Sill

➔ Sill Scaroni said...

* Agora que me dei conta que fica fazendo download direto de uma música do Milton, enquanto eu olhava aas postagens do blog ela baixou 6 vezes no meu computador.

Primeira Pessoa said...

Sill,
passei pelo seu blog, lindíssimo! parabéns. Visitarei sempre.
Não entendi quando diz que meu blog fica "baixando" a música. está programado pra tocar, diretinho... cada semana coloco uma musica diferente...
aliás: como descobriu meu blog?
abraços,
Roberto.