Saturday, May 12, 2012

Porque Hoje é o Dia Delas


Poema à Mãe


No mais fundo de ti,
eu sei que traí, mãe

Tudo porque já não sou
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos.

Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais.

Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.

Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura.

Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos.

Mas tu esqueceste muita coisa;
esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!

Olha — queres ouvir-me? —
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;

ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;

ainda oiço a tua voz:
Era uma vez uma princesa
no meio de um laranjal...


Mas — tu sabes — a noite é enorme,
e todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber,

Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas.

Boa noite. Eu vou com as aves.





Eugénio de Andrade, in "Os Amantes Sem Dinheiro"

14 comments:

Luiza Maciel Nogueira said...

Lembrança maravilhosa Roberto! Adoro esse poeta!

beijos

ÍndigoHorizonte said...

Tienes una sensibilidad tan grande... que cada vez que te leo... me emociono, por fuera y por dentro. Besos, Roberto.

Unknown said...

Muito realista. Belíssimo.
Parabéns!
Beijos!

Anonymous said...

aii q saudade da minha mãe!

Luciana Marinho said...

poesia linda de doer.

"Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber"


beijos, roberto.

Tania regina Contreiras said...

Beto, não conhecia...Que forte, e tão bonito, e tão..sei lá, aperta-me o coração lê-lo. Obrigada por trazer o poema, apresentá-lo a mim, que o sinto, sinto...

Beijos,

Primeira Pessoa said...

Taninha,
dos autores portugueses, Eugénio é um dos que fazem meu coração andar de joelhos.

fico feliz que cê tenha gostado.

beijão do

roberto.

Primeira Pessoa said...

mulher de la mancha,
é a sensibilidade que nos une e reúne...
é ela, a sensibilidade que nos inguala e aproxima.
é ela que nos faz ser para sempre.


abração do

roberto.

Primeira Pessoa said...

Luciana,
dos meus amigos, você é uma das pessoas que consigo ver mergulhada nesta poesia portuguelha de Llansol, Eugénio, Faria e Mourão-Mestre...

entendemos, quero crer, os mesmos sinais.

abração do

roberto.

Primeira Pessoa said...

margoh, saudade da minha, também.
vou lhe telefonar, agora, em BH.

beijão do

roberto.

Primeira Pessoa said...

janice,
eugénio é um dos maiores poetas da língua portuguesa em todos os continentes.
podendo, procure saber mais dele.
é genial.

abração do

roberto.

Primeira Pessoa said...

luiza,
eugénio é dos nossos.

bem o sabia.

abração do

roberto.

Ana (Ballet de Palavras) said...

Roberto,
Confesso que desconhecia o "Poema á Mãe" de Eugénio de Andrade.

E, a ternura invadiu o lado esquerdo do meu peito - o coração -.

Sabe Roberto?! Não existe, confesso, ato mais memorável na minha vida do que o ato de ser mãe.

Um delicado dia para si.
Ana

Primeira Pessoa said...

anna,
este é um dos poemas de eugénio que mais me emocionam.
um poema cheio de dramatismo. de coisas mal-resolvidas. e, ainda assim, de amor.

abração do

roberto.