Monday, April 15, 2013

Tempo, o senhor de tudo


Para Ciro e Marcie


O tempo, às vezes, é um objeto. Ainda ontem escutei alguém afirmar tê-lo perdido. E comigo! Eu não o tenho em minha posse (juro!).
Eu, que já perdi a carteira, o telefone celular, as chaves de casa e do carro, e até algumas oportunidades na vida, fiquei matutando se já perdi o meu tempo. Pensando nestes termos, é uma obviedade afirmar que tanto se perde quanto se ganha tempo. Já me peguei adiantando umas coisas para ganhar tempo. É regra geral.
Quem mata o tempo não é um assassino e, sim, um suicida.
Afinal, o tempo é imortal. Desde o início dos tempos.
Ponho-me a divagar sobre o tema, mesmo sabendo que isto será pura perda do próprio.
O tempo é cruel.
Erode. Enruga. Estraga. Desbota.
Apenas algumas coisas ficam melhores com sua passagem.
Dizem que o vinho é uma delas. Certas pessoas, também.
O tempo é matéria: é duro, de ferro...
É volátil e evapora feito éter. Tudo depende de sua vontade.
É um atleta e corre como ninguém. Mas às vezes demonstra vocação para lesma – e passa bem devagar.
Ele é inesquecível. Deixa sempre sua marca. Basta um olhar no espelho para encarar essa triste realidade.
Nascemos condenados a sua ditadura, concluo. Mas ele também é democrático, pois passa para todo mundo.
É um estilista. Dita a moda. Nunca é omisso, está sempre presente. Ele é sina, comprida ou curta.
Tive um irmão que morreu aos três anos de idade. E uma irmã que partiu logo ao nascer. Não tiveram tempo sequer de olhar no relógio.
Tempos modernos. Tempos passados.
Tempo, tempo, tempo...
Bons tempos. Velhos tempos. Tempos de guerra e paz.
Inventor da saudade e da nostalgia.
Latifundiário, criador de vacas magras.
E também de vacas gordas.
Vale perguntar: onde foram parar os bois do tempo?
Ou serão eles os Bois-tempo de Drummond?
Trabalha com agricultura. É de semear e colher.
É capitalista. É dinheiro.
Algumas pessoas o possuem de sobra. Outras não o têm para nada.
Às vezes ele nos cobra na mesma moeda. E não temos outra opção senão dar tempo ao tempo.
De vez em quando, o temos a nosso favor. Mas, quase sempre, ele joga contra.
Vivemos correndo contra ele, quando na verdade é ele que corre contra nós. Sobre todos e sobre tudo. Ele nos atropela como um rolo compressor. Mas consegue ser sábio e justo.
É como um juiz que não erra em seus vereditos. Diz quem está certo ou errado. Ou será que vocês nunca escutaram o refrão: “o tempo dirá quem tem razão”?
E esta é uma grande responsabilidade da qual o tempo não se esquiva. Ele faz chuva e faz sol. É de boa e, ao mesmo tempo, má índole. Escutei no rádio, por exemplo, que amanhã vai fazer tempo bom. Mas que depois de amanhã fará mal tempo.
Este senhor de mil faces é, de fato, inquieto.
Ele não para. É um automóvel sem freios.
Não, não para.
O tempo é tic, tac – e o que o fica entre o tic e o tac.
É um tipo raro de pássaro sem asas. Mas voa.
É uma espécie de guru que desperta em nós a generosidade: devotamos tempo aos outros e ficamos sem tê-lo para nós mesmos.
É onipresente. Está em todo lugar.
Ou melhor, passa por todo lugar.
Passa sempre.
O que às vezes me faz pensar que o tempo é Deus.



.

24 comments:

Dario B. said...

Me fez lembrar da maldade das filhas do tempo, as horas: Todas ferem, a ultima, mata. Abração Roberto.

Primeira Pessoa said...

os ponteiros são punhais, Dario Banas...
cravados na nossa testa.
no nosso peito.

tão bom te ver por aqui.


beijão do

r.

Luciana Marinho said...

ô, roberto, que lindas crônicas tens postado... o tempo me comove, como a uma boa nostálgica.. principalmente por ele não existir. se tento apalpá-lo, é a morte que encontro entre os dedos. a morte, aquela que não chega, pois é as tripas da vida. o tempo.

beijos, querido.

Primeira Pessoa said...

a tal morte que me espreita, Luciana.
a tal morte, que é minha única garantia.
assim, de cabeça, recordo-me de ter cruzado umas 3 vezes com ela, assim, meio que de relance.
numa delas, eu tinha uns 16 anos, na avenida JK, em governador valadares.
parei naquele instante, como que puxado por um anjo.
e o passat vermelho passou xispando, a mais de 100 por hora, tirando um pedaço do meu verniz.
senti o cheiro da gasolina queimada.
e tremi.
a morte usa, às vezes, este perfume.

beijão,
r.

marlene edir severino said...

Penso que é lento às vezes: faço tanto e não passa do meio dia.
Vez ou outra, já estou no mês seguinte.
Coisas da maturidade (acho).
Certa estou que tenho apenas o instante.
Feito este!

Abraço, Roberto!

ÍndigoHorizonte said...

El tiempo... siempre detrás de él, como dices, o intentando ir delante. Y el tiempo que se acaba, como dice Luciana, a veces, bruscamente. No sé si el tiempo es un Dios. Sí creo que el tiempo es un dictador pero solo si dejamos que nos domine su dictadura. A veces, sabemos hacernos sus aliados y estirarlo, a nuestra conveniencia, entonces el tiempo es como un amigo, un buen amigo a nuestro lado. Ese es el tiempo que busco, el de compartir, el de disfrutar del instante yendo más allá del instante. El de seguir... soñando. Un abrazo, con todo el tiempo del mundo.

Rindo de nervoso... ainda said...

Caprichou, hem, amigo? O tempo, quando sobra, e tem sobrado (tempos de aposentado), eu o engulo com a voracidade de obeso que tenta estocá-lo na ilusão de que poderá a ele recorrer quando a mim, enfim, já não se destinar tempo algum. Deve ser engraçado, e mais comum do que se enuncia, morrer-se certo de que ainda havia muito tempo pra viver. Os avaros -pobres de nós!- não gastam tempo nem pra viver.

flor de lótus said...


E assim se vai fazendo Tempo! Implacável.

Primeira Pessoa said...

o tempo não faz prisioneiros, flor de lotus.

não faz.

beijo grande do

Roberto.

Primeira Pessoa said...

paulinho,
cê é um dos caras que conseguem jogar luz sobre um assunto que eu achava já ter elucidado, e consegue me mostrar que há outras dobras para serem vistas.

é bem por aí, sim.

onde é que eu assino?

beijo grande do

r.

Primeira Pessoa said...

indigo,
mandarei pra você uma canção que você deve conhecer: la leyenda del tiempo, cantada por camaron de la isla.

vou procura-la entre os meus cds.

beijo grande do

Roberto.

Primeira Pessoa said...

marlene,
sabe o que tenho notado?
quanto mais entrado na vida, mais rápidez nas coisas à minha volta e eu ficando mais lento...
parece que encurtaram o espaço o entre os cafés da manhã.
e o que mais tenho tomado ultimamente é o bandito café da manhã.

estranho demais.

beijoca do
r.

Tania regina Contreiras said...

Caprichou, mais uma vez, na crônica; o tempo, a gente está sempre a falar dele. Eu tenho feito meditação uma vez por semana, para aprender a estar no aqui e no agora, que o antes e o depois é passado e incertezas. Viver o momento presente é o nosso grande desafio, Beto. E é bom quando conseguimos, mesmo que não perdure. Vamos aprendendo.

Tuas crônicas estão deliciosas.

Beijos,

Sílc said...

Roberto coisa boa poder te ler novamente. Amei "Tempo, o senhor de tudo". Veio a mente um livro que leio sempre e com o passar dos dias (tempo), sempre me parece muito atual. "Não apresse o Rio (ele corre sozinho)-Barry Stevens. Ela diz "Eu estava sozinha, e às vezes quando tudo sai errado, acontecem coisas maravilhosas e eu aproveito coisas que teria perdido se tudo tivesse dado certo. SE NÃO SEMPRE POSSO DORMIR." Lindo não acha?! Tentamos comprar todo TEMPO oportuno, vigilantes, atentos... Muitas vezes a cabeça pensa rápido mas o corpo não obedece ao tempo dela. Nesse momento procuro agir como a Barry... Se hoje não houve tempo... sei que sempre posso dormir. Amo-te amigo querido. Obrigada por continuar a nos deliciar com suas crônicas.
Com carinho,
Sílvia

Sônia Brandão said...

À medida que se encurta o nosso tempo mais pensamos nele.
Gostei bastante da crônica, Roberto.

Lembrei-me de um poeminha meu:
Por que me deram um relógio
quando era tempo o que eu mais precisava?

bjs

Unknown said...

"Que é, pois o tempo? Se ninguém me pergunta, eu sei; se quero explicá-lo a quem me pede, não sei." Santo Agostinho


abraço

Ana (Ballet de Palavras) said...

Roberto,
Surpreendente, ontem, escrevi sobre ele! O tempo!
O tempo irrequieto! Traquina, veloz para uns e, assustadoramente lento para outros,uma dádiva e, um bem precioso.

Um laço de Portugal.

Ana

Dois Rios said...

É bom poder vê-lo diluir-se, Roberto! Como diria Chico, ele já foi meu.

Beijo,

Eleonora Marino Duarte said...

Roberto,

não tenho mais dúvidas, diante do que li, acabo de perceber: o tempo é Deus!

Iroko! para os africanos, já era um deus, para mim, agora, é tudo em todos.
que crônica bem escrita, heim?

um beijo.

Primeira Pessoa said...

eleonora,
fico feliz que tenha gostado.
os africanos tem tanto em comum com o povo brasileiro... tanto... aqui e ali vamos redescobrindo as nossas coincidências.

beijão do

r.

Primeira Pessoa said...

inês,
desde sempre eu é que fui dele.
enquanto ele me quiser, ainda sou.

beijo grande,
r.

Primeira Pessoa said...

feliz coincidência, ana.
feliz, também, fiquei eu, ao reencontrá-la aqui.
presença sempre muito preciosa pra mim, a sua.

beijão do

r.

Primeira Pessoa said...

santo agostinho chutava bem das duas, zé de assis.

beijão do seu broda, o
r.

cirandeira said...

Essa entidade a que chamamos Tempo
nos fascina e nos amedronta logo em
seguida: não tem cor, não tem idade
nem sexo, e nos coloca em nosso devido lugar, queiramos ou não!

beijos, Roberto