Monday, August 26, 2013

Uma das invenções do capeta

 

(Para Fabio Portugal)

Comecei com um uisquinho sem compromisso.
Fim de expediente, dia chato no escritório, aquele drink serviria para relaxar e eu ainda chegaria à casa a tempo de jantar.
Não deu nem para o começo. A sede era funda e pedi mais um.
E depois outro. E mais outro.
Aí apareceu um conhecido, que falou de uma cerveja belga maravilhosa, pela qual ele acabara de se apaixonar.
Sabe aquela loura gelada? – ele perguntou.
- Então. Aquela!
E continuou como se fosse um vendedor de carros falando do último modelo da Mercedes a um aficionado:
- É ela.
Molhou a palavra na tal loura e prosseguiu:
- É ela, só que mais gostosa, perfumada, acetinada, e desce como se fizesse um carinho na pele da gente. Só que por dentro.

Decidi que tinha que conhecer a tal loura que fazia um carinho por dentro da pele.
Virei o uísque de uma talagada só, chamei o garçom e lá fui trocar uns carinhos com a loura.
Devia ser boa.
Afinal, 9 dólares por uma garrafinha de 600 ml, tinha que ser.
E era realmente muito boa.
Aí me atraquei com ela, e ela comigo. Foi amor ao primeiro gole.
O calor insuportável clamava por mais dessa maravilha belga.
Parece que os donos dos bares e restaurantes desligam o ar-condicionado e mandam os cozinheiros exagerarem no sal e na pimenta dos petiscos nestes dias mais quentes.
Pedi a saideira e um táxi, porque não me sentia apto a dirigir até em casa.
O jantar em família havia ido para as cucuias e tratei de ir logo para o quarto. O trajeto até o segundo andar fez com que eu me sentisse ligeiramente zonzo e nauseado.
Despi-me - isentado do banho - e horizontalizei.
Mal me deitei, a cama deu de rodar.
- Que diabo é este? - perguntei a ninguém.
E ela rodava como se fosse um relógio e eu o seu ponteiro. E numa velocidade de ventilador.
Não sei quando parou o homem-ventilador.
Mas foi uma eternidade.

Acordei com a cabeça oca como um abacate, os miolos chacoalhando como se fossem a semente.
Pus-me de pé, heroicamente, e arrastei o cadáver até o banheiro.
Uma vez lá, deixei a ducha fria correr sobre a minha miséria.
Maldito sujeito que inventou tudo isto, pus-me a pensar.
Quem inventou a ressaca inventou as piores coisas desta vida.
Ele inventou o imposto de renda, o trânsito de São Paulo, a Festa de Barretos e Zezé di Camargo e Luciano.
Inventou o sertanejo universitário, a broxada,  a ejaculação precoce e o zero a zero no futebol.
Ele inventou Galvão Bueno, o uísque paraguaio, o cecê no transporte coletivo, a calvície e o horário eleitoral na televisão.

Inventou os jogos do Campeonato brasileiro às 10 da noite, principalmente às quartas-feiras.
Inventou ainda a fila de banco, a repartição pública e o mau-humor das pessoas que trabalham nestes departamentos.

E inventou também o gosto do boné do chapéu do maquinista do trem.
O gosto do cabo de guarda-chuva.
E da tábua de chiqueiro de porcos, que fica na boca quando acordamos ressaqueados, achando que um pedaço da gente prescreveu.
Quem inventou a ressaca inventou um verdugo e o soltou dentro de nossas consciências para que ele nos faça jurar, a cada pileque, que nunca mais beberemos.
Sim, eu juro.
Eu prometo.
Nunca mais eu bebo.

23 comments:

na vinha do verso said...

eu também

principalmente as irresistíveis belgas, que não se dão bem com os escoceses rsrsr

abs

Dois Rios said...

Hahaha!!! O que seria da ressaca sem um amor naufragado, um papo super chato, um encontro desmarcardo na última hora e de gente como você que não pensa no depois quando se trata de um carinho por dentro da pele, hein, menino Roberto?

Concha Rousia said...

Me encantei com a leitura, até me pareceu viver certos flash-back que eram meus próprios, o texto transporta ao leitor até a dar as voltas e ir no banheiro. Adorei esta parte:

"Decidi que tinha que conhecer a tal loura que fazia um carinho por dentro da pele.
Virei o uísque de uma talagada só, chamei o garçom e lá fui trocar uns carinhos com a loura." Por um texto assim merece a pena sofrer ressaca. Parabéns e um abraço !

Ingrid said...

muito bom!..
gostei imenso..
grande abraço e boa semana!

Batom e poesias said...

Maravilha! A crônica, não a ressaca, que fique claro.
Lembrei-me de uma que li há séculos atrás sobre os tipos de ressaca dependendo do tipo de bebida que foi ingerida.
Hilária como a sua...

Rindo muito por aqui.

Bjcas
Rossana

Lídia Borges said...


É o que acontece a quem se mete com loiras. Loiras e não só, a avaliar pelo relatado.

Um beijo :)

Lu Dantas said...

Muito bom!! Hahaha
Voltarei!

http://lucadantas.blogspot.com.br/

Sílc said...

Uau Roberto! Nesse final de semana assisti ao filme O Voo com Denzel Washington... Hoje segunda leio sua crônica. Parece que passei por uma vivência corporal, sem porre, sem ressaca. Amei:"..Inventou a repartição pública e o mau humor das pessoas que trabalham nestes departamento. Vivenciar isso é demais mesmo! Beijos. Fique bem!*risos*
Sílvia

Tania regina Contreiras said...

Hahahahaha...só rindo aqui! As invenções do capeta são todas nesse estilo citado. E o fim da crônica...ah, a gente já ouviu mil vezes de tantos: quem acredita? rs

Beijos,

ÍndigoHorizonte said...

Pues no sé yo si en Braga el vino lo aguan ahora porque, si no es así, yo creo que tú bebes de nuevo ;-). Abrazo. Y grande, Roberto.

Unknown said...

a descrição dessa loura que afaga a pele pelo lado de dentro levou-me a interromper a leitura da crónica para refrescar os meus incêndios; ainda bem que não faço juras em vão :)

abracílimo, amicílimo dos meus setembros!

Unknown said...

a descrição dessa loura que afaga a pele pelo lado de dentro levou-me a interromper a leitura da crónica para refrescar os meus incêndios; ainda bem que não faço juras em vão :)

abracílimo, amicílimo dos meus setembros!

Luciana Marinho said...

excetuando a vida que prescreveu, que é cerveja choca, o resto está uma delícia! muito bom, roberto. beijinho.

Mariani Lima said...

Gostei tanto que não fiquei só para mim. Compartilhei. Fui lendo e concordando que só ele, só o capiroto poderia ter inventado certas coisas.rsrs...
Abraço.

Primeira Pessoa said...

mariani,
o capiroto é tinhoso, gosta de puxar nosso tapete.

é preciso cuidado.
muito cuidado.

abração,
R.

Primeira Pessoa said...

Luciana,
cerveja choca também é invenção do coisa ruim.

né não?

beijo,

r.

Primeira Pessoa said...

jorgíssimo,
a imperial de dona Helena espera por nós...
as pataniscas, as alheiras...

e os peixinhos da horta...

estou salivando, aqui.

tá pertinho.

abraços,

r.

Primeira Pessoa said...

indigo,
ouvi dizer que tem uma cerveja chamada estrela da galícia... e que é ótima...

que alguém a coloque para gelar.

chegarei com sede.

abração, mulher de la mancha.

r.

Primeira Pessoa said...

quase todas, taninha...
tem invenções do coisa ruim, que passam desapercebidas....

passam ao largo...

beijão do manim,

r.

Primeira Pessoa said...

Marquinho pizano,
cê matou a charada do lance: belgas e escoceses não são necessariamente aliados...
ou, então, bolaram, juntos, um plano diabólico, que originou na ressaca...
algo assim...rs

Bandys said...

Nossa Demais!! Da pra imaginar. Conhecer mesmo conheço todos, menos o Uisquinho, a Cerveginha, e a ressaquinha. Tudo assim no diminutivo mesmo.

O melhor nem é jurar é se lembrar do ultimo porre :)

Beijos

dade amorim said...

O máximo que faço é beber um vinho, assim mesmo meio copo e só.
Gostei das opiniões, dos comentários e de todo o texto.

Abraço grande.

flor de lótus said...

Lindo! Mas cuidado com as promessas e juras, pode voltar a cair na tentação provocada por essas loiras.
Eu acho-as irresistíveis. Uns copos moderados fazem bem à saúde e ao espírito.