Tuesday, September 17, 2019

Era azul a manhã



Fui dormir tarde na noite anterior e me dei ao luxo de ficar um pouco mais na cama.
Era um uma linda manhã de final de verão e eu ainda não havia me dado conta de nada. Um sol brilhante e céu muito azul se anunciavam, intrusos, pelas frestas da veneziana.
Eu residia na Belgrove Drive, em Kearny, e havia acabado de acordar, por volta das 8 da manhã. Tomei o café ainda de pijama e segui para o banho.
Tirava o xampu dos olhos quando o telefone tocou. Ninguém liga para mim a essa hora do dia.
Corri nu e ensaboado até o quarto, pois o telefone tocava insistentemente.
Do outro lado da linha, a voz apavorada de Francisco Sampa me intimava a ligar a tv.
"Liga na CNN", ele disse.
Envolto na toalha, tive dificuldade de achar o bendito controle remoto, espremido que estava nas dobras do sofá da sala.
A imagem era assustadora.
Um caos absurdo havia se instalado, e uma cena semelhante à dos filmes de Hollywood - em que heróis aparecem do nada para nos salvar - ardia na tela do televisor.
Ambulâncias, viaturas policiais e dos bombeiros, pessoas correndo desesperadas no meio da fumaça e poeira, barulho de sirenes e gritos assustados preenchiam a tela.
Demorei alguns segundos para entender que um avião acabara de se chocar com a torre norte do World Trade Center. Assim como relutei um pouco antes de especular que pudesse ter acontecido um atentado terrorista.
Uma barbeiragem de algum piloto inexperiente, talvez. Ou um defeito mecânico, quem sabe, fez a aeronave despencar do céu para se chocar com o imponente edifício fincado ao sul da Ilha de Manhattan.
Permaneci paralisado, em pé na frente da tv, molhando o chão de madeira, apesar dos protestos da minha minha mulher.
Voltei correndo ao banheiro, enxaguei o corpo e tratei de me vestir. Era urgente chegar à redação.
Desci as escadas como se estivesse atrasado para um casamento. Dei partida no carro e liguei o rádio. Não havia mais dúvida.
Outro avião se chocaria à outra torre do World Trade Center, um pouco depois. O Pentágono também seria atingido. Uma terceira aeronave cairia na Pensilvânia  - graças ao empenho dos passageiros -,  evitando que atingisse a Casa Branca, seu alvo final.
Eu veria do terraço de um prédio de Newark a queda da primeira torre. Sentiria na pele o fim daquela sensação de impenetrabilidade e segurança que sempre tive, desde que cheguei aqui.
Raciocinei que Bruce Willis não viria nos salvar, como em Duro de Matar.
Stallone e Rambo não chegariam a tempo de evitar a tragédia.
Nem Clint Eastwood.
Nem Chuck Norris.
Nem ninguém.
O filme da vida é - irreversivelmente - real.
Instalou-se uma dor instantânea - fratura exposta -, uma sensação de fragilidade que o tempo não irá remover.
Voltando do Brasil neste 11 de setembro, tantos anos depois, eu vejo dois fachos de luz gigantes brotando do chão de onde um dia estiveram de pé os edifícios mais altos do mundo.
Dois fachos de luz robustos, imponentes, furam as nuvens pesadas que pairam sobre o céu de Gotham City às 5h35min desta manhã.
Uma lágrima de dor escorre, frágil, por debaixo dos óculos de grau.

5 comments:

Dario B. said...


Me recordo que naquela manhã também de céu azul aqui em São Paulo, eu a caminho do banco passava em frente ao bar ainda vazio, de um amigo português, e me chamou a atenção o modo estático com que ele encarava a TV. Curioso, entrei e fiquei sabendo as primeiras informações desencontradas sobre o ocorrido, que a Globo transmitia. Segui meu caminho, e na volta parei de novo, pensei que estavam reprisando o acontecido e fiquei sabendo que era um segundo avião, na segunda torre, e aí, já sem duvidas de que se tratava de um ataque terrorista. E agora, na noite do dia 11 passado fiquei sabendo que na mesma Globo, um pascácio qualquer cometeu a lorpice de informar jocosamente que o atentado completava 18 anos, e já podia votar. Esta é a atual mídia do Brasil.

Joakim Antonio said...

Lembro que aqui fiquei muito abismado, tragédia das maiores...

Anonymous said...

Beleza de crónica. O testemunho ocular da história como diria aquele chavão. Ricardo Mainieri

OLINTO VIEIRA said...

Incredulidade deve ter sido generalizada. Mudez. Sinto que a divisão do mundo se instalou ali. Um muro de Berlim invisível em cada país instalando uma espécie nova de ódio e intolerância entre pessoas de todos os países. Não somos os mesmos, no pior sentido. Bela crônica, como sempre.

Manu sinistra scribere said...

O coração, é a esfera rolante da sua caneta! E eu choro... e sei que você também chorou!
Flaviane Leão