.
claro que morrerei
claro que morrerei e hão-de levar-me
em ossos ou cinzas
e dirão palavras e cinzas
e eu hei-de morrer totalmente
claro que isto acabará
minhas mãos pelas tuas alimentadas
hão-de pensar-se de novo
na humidade da terra
eu cá não quero caixão
nem roupa
que o barro aceite minha cabeça
e que os bichos me devorem
agora
despido de ti
Mi Buenos Aires querido
Sentado na borda de uma cadeira sem tampo,
enjoado, doente, vivo por pouco,
escrevo versos previamente chorados
pela cidade onde nasci.
Tenho de segurá-los, também aqui
nasceram doces filhos meus
que me adoçam belamente no meio de tanto castigo.
É preciso aprender a resistir.
Não a partir nem a ficar,
mas a resistir,
embora seja seguro
que hão-de vir mais penas e olvido.
Chuva
hoje chove muito, muito,
dir-se-ia que estão a lavar o mundo.
o meu vizinho do lado vê a chuva
e pensa em escrever uma carta de amor
uma carta à mulher com quem vive
e lhe faz a comida e lava a roupa e faz amor com ele
e se parece com a sua sombra
o meu vizinho nunca diz palavras de amor à mulher
entra em casa pela janela e não pela porta
por uma porta entra-se em muitos sítios
no trabalho, no quartel, na prisão,
em todos os edifícios do mundo
mas não no mundo
nem numa mulher / nem na alma
quer dizer / nessa caixa ou nave ou chuva que chamamos assim
como hoje / que chove muito
e me custa escrever a palavra amor
porque o amor é uma coisa e a palavra amor é outra coisa
e só a alma sabe onde as duas se encontram
e quando / e como
mas que pode a alma explicar
por isso o meu vizinho tem tempestades na boca
palavras que naufragam
palavras que não sabem que há sol porque nascem e morrem na
mesma noite em que ele amou
e deixam cartas no pensamento que ele nunca escreverá
como o silêncio que existe entre duas rosas
ou como eu / que escrevo palavras para regressar
ao meu vizinho que vê a chuva
e à chuva
ao meu coração desterrado
In
No avesso do mundo
A Música Que Toca Sem Parar:
Milton Nascimento e Fito Paez, pai da canção, Yo Vengo a Ofrecer Mi Corazón gravada ao vivo no Museu de San Telmo, em Buenos Aires.
¿Quién dijo que todo está perdido?
Yo vengo a ofrecer mi corazón
Tanta sangre que se llevó el río,
yo vengo a ofrecer mi corazón
No será tan facil, ya sé que pasa
No será tan simple como pensaba
Como abrir el pecho y sacar el alma, una cuchillada de amor
Luna de los pobres, siempre abierta,
yo vengo a ofrecer mi corazón
Como un documento inalterable,
yo vengo a ofrecer mi corazón
Y uniré las puntas de un mismo lazo,
y me iré tranquilo, me iré despacio,
y te daré todo y me darás algo,
algo que me alivie un poco nomás
Cuando no haya nadie cerca o lejos,
yo vengo a ofrecer mi corazón
Cuando los satélites no alcancen,
yo vengo a ofrecer mi corazón
Hablo de países y de esperanza,
hablo por la vida, hablo por la nada,
hablo por cambiar esta, nuestra casa,
de cambiarla por cambiar nomás
¿Quién dijo que todo está perdido?
Yo vengo a ofrecer mi corazón
25 comments:
Claro que morrerei - eis a única coisa que, de fato, sei.
acho esse cabra é parecido com Garcia Marquez, fisionomicamente. esse poema da chuva eu vi/ouvi em algum lugar e está retido na memória. também lembrei de The Buenos Aires Affair do Puig, sei lá. mas são grandes os poemas, atingem o cume,
abraço
morreremos, todos, ana.
é a única certeza que temos.
a morte é um cão adormecido.
abraçao,
r.
gelman é fera, assis. aliás, esses argentinos são uns cabras arretadíssimos. eu não tinha observado essa semelhança física com garcia marquez, mas acho que é só no bigode...
vou conferir, consultar o "guga".
abração,
r.
[a profundidade, a densidade da palavra manobrada em cada pedaço de derme poeta é sublime, sobretudo em Claro que Morrerei. Desconhecia até agora, Juan Gelman... abriu-me uma porta!]
Pela partilha,
um abraço,
Leonardo B.
e agora que a casa está aberta, entre e se faça em casa, leonardo.
descobriu juan gelman bem a tempo, poeta.
abração do
roberto.
Oiee!!! Lindos poemas... Estava com saudades de seus blog, desculpa não aparecer com frequência... Prometo que serei mais assídua, você merece! Parabéns!
você é sempre muito bem vinda, vanessa. venha sempre que puder. sua presença abrilhanta o blog.
grande abraço do
roberto.
Eu repito: CLARO QUE MORREREI! E nunca mais escrevo a palavra amor, se estiver chovendo. Ou escrevo? Não sei!
Só sei que Juan Gelman é gênio!
Beijos, Roberto!
Mirze
bem vindas as almas sensíveis deste mundo, mirze.
bem vinda seja você.
abraço grande do
roberto.
Três pérolas, Roberto!
Pérolas legítimas!
Quatro, com a música que toca, que me toca...
Abraço, amigo!
hoje chove em recife e eu estou a pensar na morte... vim aqui e encontrei-a em poesia.
belas poesias!
bjo!!
"que o barro aceite minha cabeça
e que os bichos me devorem
agora
despido de ti"
conheço alguém a quem roubo a mais feliz das interjeições: putzzzzzzz!
que malha (como se diz cá em calão rasca).
já tinha ouvido falar deste gelman, (até pelo prémio cervantes) mas não tinha explorado...
de novo, se não é o meu amigo dos estados unidos de minas :) a tirar-me das trevas da ignorância :)
revolução!
guilhotina para os pobres de espírito!
zás! (glup) - não morrerei; morri :)
um abraço sem voz (a garganta já escorre pela madeira abaixo) :)
jorgíssimo,
não se puna... se for pra fazê-lo, divida comigo as chibatadas.
gelman era-me uma quase novidade (rs... lera pouquíssmo dele... não me interessara) até um dia destes.
mas aí li numa entrevista da tertuliana mariana botelho que ela era fã do cara e fui tentar associar se havia influência na poesia dela e coisa e tal.
e nem tinha "à flor dos olhos". mas ficou a surpresa boa e aquela cara de "por que não li antes este juan gelman"?
fico feliz que tenha gostado.
abração do
r.
morrer de poesia, Lu, é bonito. é poético.
mas,morrer, eu lhe asseguro, num deve ser um trem bão não. rs
quero morrer, não.
que pena que apenas a poesia é eterna. quem escreve e/ou lê, não.
beijoca,
r.
três pérolas argentinas, zélia querida.
como três bons goles num castiço malbec.
beijão,
r.
Maravilhas, Roberto, os três, mas claro que eu morrerei, claro que penso nisso como libertador, claro que o poema é uma "coisa" e adorei.
E tu, como andas? Sonhei com vc dia desses, acredita? Dei pra sonhar com esses amigos virtuais que só vejo em verso e prosa, mas que estão entrando sorrateiramente no mundo dos meusa sonhos. Sonhei também com o Marquinho me entregando um poema feito de símbolos visuais. Enfim, acho curiosa a linguagem dos sonhos, gosto muito.
Beijão,
a morte "libertadora"? ah, taninha, é claro que não. a morte é desígmio. uma certeza.
eu, se pudesse, viveria mil anos. seria uma espécie de dercy gonçalves de calças.
ó, eu ando maomeno... trabalhando menos do que deveria e me divertindo menos ainda. aqui anda frio demais e dá um baita desânimo até pra sair de casa.
sim, eu também sou "sonhativo" pra caramba, mas meus sonhos geralmente são consequência de fatos do meu cotidiano. faz muito tempo que não sonho em technicolor.
beijo grande procê, do
r.
Só curtindo seu blog...
Adorando..
seja mais que bem vinda, raquel.
esta casa é sua.
grande abraço do
roberto.
Já venho aqui pensando "Que novidade terá o Roberto, hoje?"...
Juan Gelman... confiscado pela sensibilidade!
; )
Beijinho de Luz!
analuz,
juan gelman veio tarde pra mim. foi uma novidade tardia.
estou gostando demais.
beijão,
roberto.
El amor es una cosa y la palabra amor otra cosa... y la poesía, decía Gelman, es un árbol sin hojas que da sombra... ¡Cobijémonos a su sombra! Abrazo fuerte.
muito mais que sombra, indigo, a poesia pode frutificar.
como certas árvores.
abraço, desde o frio deste norte daqui.
r.
Muito bem! Adicionei-me aqui neste cantinho só li mesmo Juan Gelman..Volto com mais tempo para mais melhor apreciação deste acervo.
A medida que desenvolver vou partilhando suas letrinhas.Abraço fraterno.;-)
Post a Comment