.
(para tonico, pepê e bocão)
O que dar de presente a um menino no dia de seu aniversário?
Das minhas recordações da infância salta uma bola de futebol, presente de uma tia de Belo Horizonte.
Cresci achando ter ganhado menos presentes do que mereci.
Adulto, entendi que recebi muito mais do que puderam me dar.
O que dar a um filho, menino, no dia de seu aniversário?
Um futuro brilhante?
Um lugar garantido em Princeton, quando ele crescer?
Um poema?
Uma canção?
O gol da vitória numa final de campeonato na escola?
Um dez em matemática?
Um pai e uma mãe honestos e de bom coração?
Estes últimos são, a meu ver, um presente imprescindível.
Tudo o mais, vem junto, a reboque, dentro dos limites de cada um.
Eu, se pudesse, daria uma professora carinhosa e meiga, quase uma extensão da avó.
E um carrinho de madeira, com capô de lata e rodas recortadas de uma velha sandália havaiana.
Um pião, uma pipa e um carrinho de rolimã.
Um embornal com um estilingue e muitas bolinhas de gude.
E frutas maduras, cheirosas, suculentas, tiradas diretamente do pé.
Daria ainda manhãs de grama orvalhada.
Uma estrela que nunca se apaga.
E uma fogueira de São João.
Daria férias inesquecíveis na fazenda.
E um piau prateado, daqueles que dançam no extremo da linha que pende da ponta da vara de pescar.
Daria ainda um passeio no lombo de um cavalo troteiro.
E a visão confortante, ao longe, de uma chaminé fumegando na paisagem.
Construiria uma estrada margeada por flores silvestres, margaridas, cravos, lírios e jasmins.
Daria um conselho de avô.
Um biscoito da avó.
Um mergulho no riacho.
Uma ducha na cachoeira.
Uma lua cheia.
Noites sem pesadelos, sem bruxas malvadas ou dragões cuspindo fogo.
Chuvas?
Só se fossem as de verão, cantando “sol e chuva, casamento de viúva”.
E o ar com cheiro da terra molhada e um arco-íris, com seu pote de ouro, bem no fim.
Daria-lhe ainda uma festa de aniversário coalhada de balões coloridos num dia ensolarado, bem no começo da primavera.
E um bolo de chocolate com uma vela numeral em cima, e um coral de amiguinhos do peito, puxando um desafinado mas, entusiasmado, ‘parabéns’.
Mas os tempos mudaram, eu sei.
E hoje só se fala em videogames, bicicletas cibernéticas, rollerblades, Ipods, celulares, roupas de grife, viagens a Disney e bonecos de super-heróis, daqueles que lançam raios laser de seus olhos.
Não existe nada de errado nisto.
Mudaram os tempos e as prendas que damos aos meninos.
O que não podemos mudar é aquilo que acredito ser o presente maior.
No meu relicário, que é onde guardo as coisas de maior valor, estão o respeito e a admiração por um cara que sempre me deu muito mais do que pôde dar:
O amor pelo filho, esse sim, é um presente que dura para sempre. Herdei do meu como lição.
O resto, todo o resto, também é importante.
Mas é coisa menor.
Bem menor.
Grande é a infância.
A Música Que Toca Sem Parar:
Bola de Meia, Bola de Gude, de Milton Nascimento, e interpretada pelo 14 Bis.
Há um menino
Há um moleque
Morando sempre no meu coração
Toda vez que o adulto balança
Ele vem pra me dar a mão
Há um passado no meu presente
Um sol bem quente lá no meu quintal
Toda vez que a bruxa me assombra
O menino me dá a mão
E me fala de coisas bonitas
Que eu acredito
Que não deixarão de existir
Amizade, palavra, respeito
Caráter, bondade alegria e amor
Pois não posso
Não devo
Não quero
Viver como toda essa gente
Insiste em viver
E não posso aceitar sossegado
Qualquer sacanagem ser coisa normal
Bola de meia, bola de gude
O solidário não quer solidão
Toda vez que a tristeza me alcança
O menino me dá a mão
Há um menino
Há um moleque
Morando sempre no meu coração
Toda vez que o adulto fraqueja
Ele vem pra me dar a mão
24 comments:
Maravilha, meu querido!
Sol e chuva casamento de viúva...
Demais!
Abraço apertado.
Pessoamigo
Olá confrade mineiro. (Os mineiros são, sobretudo, políticos, mas também os há inteligentes, trabalhadores, honestos).
Sou jornalista velho, 69 aninhos, e dizem que escritor. Dizem... Tento manter-me jovem, porque me sinto... jovem q.b.
Quando fores à Minha Travessa - com comentários e (per)seguição - é uma ORDEM, hahahahaha - verás o que (ainda) consigo escrever sem muitos erros de ortografia, com a ajuda do Santo Corrector...
Esta tua crónica é excelente. Eu também adoro cronicar. E, já agora, sou amigo do Herberto Helder desde Angola, onde nos conhecemos. É boa praça (como vocês dizem) e está entre os poetas tugas contemporêneos mais destacados. É maluco, como eu...
Abs
PS - Conheço bastante o Brasil. Um espantooooo, como diz o Jô Soares...
Que texto lindo Roberto!
Bjs meu querido.
maravilha é te ler aqui, primeirona...rs
zélia, quando cê não vem, tenho aquela sensação de que não postei.
beijo grande do
r.
henrique,
atendendo a pedidos e ameaças irei ao seu blog. rs
seja bem vindo ao primeira pessoa.
grande abraço do
roberto.
E não é que te lendo, Roberto, me dou conta de que também tive presentes maravilhosos na infância? Noooosaaaa, quanta coisa boa!!! E a adulta aqui que vira-e-mexe balança e esquece de chamar a menina pra me dar a mão? Coisas bonitas que não podem deixar de existir. Crônica de hoje superbem-vinda, meu amigo. Vc sabe das coisas.
Bola de gude eu não sabia jogar, mas gostava de olhar por dentro e ver o infinito dentro dela. Saudades.
Beijão,
Texto lindo, meu amigo!
Suas palavras soam leves aqui no seu espaço.
Beijo no coração.
seu comentário chega vestido de leveza, larinha...
e eu que ando tão "pesado", poetinha...
literalmete e não literalmente...
apecio.
beijao,
r.
Lindo, Roberto!
Há pouco tempo me revoltei tendo que comprar um Nintendo wii. Não sabia o que era, nem para que servia.
O melhor presente é este que você tão bem escreveu. O amor de pai para filho e vice-versa.
Beijos!
Mirze
num intendo nada disso, mirze...rs
ô, não consigo entender a molecada e sofro com isto.
doido, né?
beijao,
r.
querido amigo,
não é fácil comentar um texto cuja leitura acompanhas com leves acenos de cabeça, como que pensando "ora aí está o que penso, mas que nunca disse ou fui capaz de escrever". essa é a verdadeira magia dos grandes, daqueles que tornam a distinção entre escritor e escrevente bem nítida.
um abraço!
p.s. apesar de tudo, continuo a jogar na lotaria, hihihi!
jorgíssmo,
meu amigo que reina e dá as cartas na cidade dos arcebispos.
você, que entende tudo deste riscado das escrevinhações e seus melindres.
você, que é generoso e gentil de tal maneira, que consegue dar relevância a uns nada, como este aprendiz de aprender aqui.
cê sabe que sou seu fã.
de imenso.
abraço grande do
r.
Meu pai já se foi, Roberto... Posso dizer que herdei dele respeito e admiração... e sempre os manifesto pelos que merecem... ao fazer isto, mantenho sempre viva a memória do meu amado velho...
Beijinho de Luz!
analuz,
sim, não seria redundante dizer que pai e mãe são o começo de tudo. seria?
a fruta, analuz, nunca cai muito longe do pé.
beijão do
r.
fátima, você, como sempre, gentil... generosa...
se esmerando em me trazer energia da boa.
beijão do
r.
taninha,
eu era o pior jogador de bola de gude do bairro inteiro. não se sinta mal por isso.
e, confesso, às vezes morro de morrer e ir pro inferno porque matei três passarinhos com o estilingue.
pensa que eu sou santo? rs
beijão,
r.
Querido amigo! é engraçado pensar que são justamente aqueles que tinham os melhores brinquedos, que fizeram os brinquedos que conhecemos hoje!Os tempos mudaram e as pessoas também! que bom! assim temos mil e um motivos para lembrar e refletir sobre o que sempre realmente teve muita importância em nossas vidas...o quê herdamos de nossas pais!
Abraços
Lhú Weiss
Obs:é sempre muito bom passar por aqui!!
rapaz eu me lembro de uma bola, um jogo de damas e uma bicicleta. no meio disso a figura cálida do velho Zé Freitas, e mais não me imponho a lembrar senão desato em água,
abração
assis,
não ganhei velotrol, monareta... nada de rodas e que se podesse montar. não sei se ficou trauma. toda vez que não consigo algo, lembro-me que não ganhei bibicleta e que sempre fui feliz.
meus pais me deram mais do que puderam. tenho consciência disto.
e gratidão pra transbordar uma baía de todos os santos.
beijão,
r.
estava pensando exatamente isto no outro dia, Lhu.
na outra mão, os tempos mudaram, despareceram as charretes (rs)... desapareceu tanta coisa bonita.
são os novos tempos, quero crer. e vou dando o que posso aos meus filhos. às vezes, mesmo podendo, não dou tudo o que pedem. as coisas vão perdendo o valor e são descartadas muito facilmente. as crianças de hoje são iguais às de meu tempo, mas são diferentes.
bem diferentes.
beijão do
r.
Primeira Pessoa, que com voz ativa, forte, leva-me até a minha infância, onde as recordações sacodem o meu recinto. Há saudades do simples, do brincar desprovido de tecnologia, em que se construa artesanalmente um brinquedo, e se corria na rua, sem preocupar. Não se escondia dentro de casa, os amigos eram palpáveis e de tudo se aprendia ser relacionável - o individualismo não era tão presente como nos dias atuais. Família um bem precioso, e vivido em respeito, mas o fio arrebentara, e no abismo está inserido; a moral e a ética em declínio.
Abraços
Priscila Cáliga
Bellos regalos los que le darías: me gustan todos: el poema, la canción, el buen corazón, y esa "professora carinhosa e meiga, quase uma extensão da avó" y las "frutas maduras, cheirosas, suculentas, tiradas diretamente do pé." Y, también, esa "estrela que nunca se apaga". Bellísimo, todo, de un lirismo que conmueve. Eres un verdadero poeta, porque, aunque tiempo ha decidieras no escribir más poesía, llevas la poesía en los dedos y en las venas. Un abrazo muy azul para ti.
indigo,
esqueci de mencionar como presenta a cor azul.
que é a cor mais azul que existe.
abraço grante do
roberto.
priscila.
os tempos mudaram, mas a ess6encie deve perseverar, permanecer, sempre.
grato pelo carinho.
roberto.
Post a Comment