Saturday, January 15, 2011

Três Poemas de Herberto Helder

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Não toques nos objectos imediatos.
A harmonia queima.
Por mais leve que seja um bule ou uma chávena,
são loucos todos os objectos.
Uma jarra com um crisântemo transparente
tem um tremor oculto.
É terrível no escuro.
Mesmo o seu nome, só a medo o podes dizer.
A boca fica em chaga.


Poesia Toda
Assírio & Alvim, 1996


Quero um erro de gramática que refaça
na metade luminosa o poema do mundo,
e que Deus mantenha oculto na metade nocturna
o erro do erro:
alta voltagem do ouro,
bafo no rosto.


Ofício Cantante - Poesia Completa
Assírio & Alvim, 2009



É amargo o coração do poema.
A mão esquerda em cima desencadeia uma estrela,
em baixo a outra mão
mexe num charco branco. Feridas que abrem,
reabrem, cose-as a noite, recose-as
com linha incandescente. Amargo. O sangue nunca pára
de mão a mão salgada, entre os olhos,
nos alvéolos da boca.
O sangue que se move nas vozes magnificando
o escuro atrás das coisas,
os halos nas imagens de limalha, os espaços ásperos
que escreves
entre os meteoros. Cose-te: brilhas
nas cicatrizes. Só essa mão que mexes
ao alto e a outra mão que brancamente
trabalha
nas superfícies centrífugas. Amargo, amargo. Em sangue e exercício
de elegância bárbara. Até que sentado ao meio
negro da obra morras
de luz compacta.
Numa radiação de hélio rebentes pela sombria
violência
dos núcleos loucos da alma.


Ofício Cantante
Assírio & Alvim, 2009


A Música Que Toca Sem Parar:
Same Deep Water of Me... I'm Kloot, uma banda alternativa de Manchester, Inglaterra.

28 comments:

Luciana Marinho said...

mundos tão cheios de vida. algumas imagens ficam no limite da sombra, da luz.. fantasmagóricas. linguagem altiva e penetrante. belos poemas, belíssimo poeta.

beijo!

Unknown said...

profundidades poéticas queimam, eu que ando raso na caatinga, pisando em formigueiros e carregando o couro cansado,

abraço deste sertanejo

Unknown said...

Belíssimos poemas!

Gostei de todos, mas o terceiro, calou minha alma; Morrer de luz compacta, numa radiação de hélio rebentes pela sombria violência DOS NÚCLEOS LOUCOS DA ALMA!!!!!!

Bárbaro!

Beijos, Roberto!

Mirze

Primeira Pessoa said...

pois é, luciana...
e eu só fui descobrir Herberto há cerca de dois anos.

profundo.
gosto demais.

beijão,
r.

Primeira Pessoa said...

rapaz, só consigo te ver no recôncavo... sei lá eu os meus porquês...
mas o sertão é bom também, assis.

só conheço o sertão.

beijo grande,

r.

Primeira Pessoa said...

mirze,
tem muita coisa boa de herberto helder espalhada pela internet. recorre ao guga.
c6e vai ver.

o cara é dos mió que tá teno. rs

beijão.

r.

ÍndigoHorizonte said...

Me encantó el último. Con sus perfiles de luz y de sombra, con la locura aferrándose al alma, la violencia, la luz blanca, la amargura y la sangre, arremolinándose en el poema. Tiene muchísima fuerza. Y la música, y ese océano en el que meter las manos para implorar la lluvia se acompasa, como siempre en tu casa en el aire, perfectamente a ese tono de melancolía entre luces y sombras de los tres poemas. Bellísimo. Un abrazo grande, Roberto.

ana p said...

Pois.... Eu adoro a poesia deste senhor
Bj

Jorge Pimenta said...

querido amigo, herberto helder é, a par do al berto, aquele que mais archotes consegue acender dentro de mim. o seu "ofício cantante" encontra-se entre as maiores preciosidades que guardo.
a propósito do teu comentário lá no viagens e em "bilhete de identidade":
ainda sinto a tendinite de tanto segurar a agulha e o dedal :)
sabes, os poetas plantam sonhos, acendem cidades, iluminam bocas e dão vida aos moribundos. depois, há os aprendizes de feiticeiros, que têm de agarrar na picareta, no cinzel, no martelo, na agulha e, com mãos calosas, escavam dentro e fora do peito, até o sangue jorrar no delírio despedaçado de uma pepita faiscante (mas que, com o tempo e os olhares, se vem a descobrir ser apenas reflexo do filão que o poeta, o genuíno, foi capaz de tragar). resta-lhe lamber as feridas, estancar o golpe e escarrar o sangue para, de novo e de novo, recomeçar. é neste carrossel de começos e jamais-desfechos que vou redescobrindo a identidade (sem bilhete :)).
um abraço, querido amigo de minas, states e, sobretudo, do mundo!
um abracílimo!

Wilson Torres Nanini said...

Roberto,

venho aqui para adocicar meu dia, e saio muito melhor que de missa (essa coisa ritualística de que não comungo mais, sem trocadilho).

Helberto é um sábio, esgrima com a palavra sabendo que só perderá para a poesia. Seu pedido de humildade, aceitando que o erro é o melhor atalho para a plenitude, sabendo que a poesia o consolará, o perdoando.

Aqui se bebe só as águas das melhores. Dessas que saciam e nos dão mais sede.

Forte abraço!

Primeira Pessoa said...

nanini,
é louco demais esse lance de igreja e de missa. trata-se de uns lugares em que me sinto mais incomodado, estando dentro. não sei se é a liturgia... não sei...
mas, quando não tem missa eu gosto de ir. vou, respiro lá dentro, pigarreio, faço com que Deus me veja e saio.

abraço dominical (desses de missa mesmo...rs),

r.

Primeira Pessoa said...

pois é, jorgíssimo:

"os poetas plantam sonhos, acendem cidades, iluminam bocas e dão vida aos moribundos"...

vou me calar.
meu silência (difícil para um gregário, tagarela) é minha admiração.
meu respeito.

ao poeta e sua poesia.

calo-me.

mas dou-te um abraço antes.

r.

Primeira Pessoa said...

magnólia,
como dizemos lá no brasil, esse senhor é "tudo de bom".

sou um crente.

abs,

r.

Primeira Pessoa said...

indigo,
leio seu comentário e constato o óbvio:
que lindo é o idioma espanol. certas palavras ficam mais bonitas em espanhol. "la sangre", por exemplo, fica mais dramática no feminino, mais vermelha, mais contundente e violenta, dita em espanhol.
o poder da palavra aos meus "ouvidos"... rs
fico pensando nessas coisas e dá vontade de escrever algo neste sentido.
pode faltar-me lastro para tanto, mais sobeja vontade.

abração do

roberto.

Tania regina Contreiras said...

Conhecia não (nossa, vou descobrindo pérolas através de vc e de outros....fico feliz...)...e vc...ah, a gente é o que a gente olha, o que a gente fala, do que a gente gosta...e vc, Roberto, é isso: figuraça, autêntico, desmedido, coraçãozão...Poxa, conhecer vc vc, mesmo assim, virtualmente, foi um presentão preu. Conhecer gente de verdade é raro e bom. Vc é raro e não deixo de passar por aqui por nada.

Bjos,
T.

Zélia Guardiano said...

Roberto querido
Três bençãos!
Sinto até os respingos de água benta...
Poemas magnificos!
A música , demais...
Então, está salva a minha tarde de domingo.
Abraço apertado, amigo!

Canteiro Pessoal said...

Acima do muro alto paladando janeiro dos olhos, da janela embaçada, a mulher salta das margens e, de si mesma nas cheias nada precisas o esfumaçado ao prenúncio desfolha ante o traçado do sopro avalassador em primeira pessoa e, de ombros postos, concentra-se nas notas sem voz figurada e do castelo da alma que conflui nas rugas comunicáveis do sistema larga para a metamorfose em foro íntimo.


Abraços

Priscila Cáliga

Primeira Pessoa said...

parabéns pelos blogs, priscila.
e, gratíssimo por ter vindo plantar uma açucena aqui nesse meu bagunçado jardim.

abraço grande do

roberto.

Primeira Pessoa said...

zélia,
quando cê não aprece aquié como se eu não tivesse postado.
agora posso fechar a cortina do meu domingo e esperar uma semana luminosa diante de mim.

diante de nós.

abs,

r.

Primeira Pessoa said...

taninha,
cê fala assim e eu quase acredito.
tem muita gente que não vê nada disto...rs

mas suas palavras são de puro carinho. e eu gosto de carinho.

beijo grande,
r.

Joelma B. said...

Roberto...

Para minha surpresa, tua página abriu... olha que venho tentando te ler há tempos...

Aproveitei para ler as postagens de janeiro...

Sou do tipo que respeita as obras do acaso...e algumas sentenças e versos lidos aqui,hoje, sossegaram por hora a angústia que sempre me assombra em viradas de ano...

Espero conseguir voltar em breve...

Beijinho de Luz!

Primeira Pessoa said...

volte quando quiser, analuz.
esta casa é dos amigos.
e deles somente.

abraço grande do

roberto.

Joelma B. said...

Verdade, Roberto... quando se herda respeito e admiração, a memória do pai será sempre viva...

Beijinho de Luz!

Primeira Pessoa said...

analuz,
não seria redundante dizer que pai e mãe são o começo de tudo. seria? rs

beijão do

r.

Shirley Brunelli said...

encontrei seu Blog por acaso, e gostei do que aqui encontrei, muito bem elaborado. Sucesso.
abrçs
Shirley

Primeira Pessoa said...

shirley,
seja bem vinda a este espaço.
as portas aqui ficam abertas 24 horas por dia. 7 dias por semana. 12 meses por ano.

faça uso e gáudio.

abraço grande do

roberto.

Em@ said...

Roberto,
gosto muito do Herberto Hélder e amei relê-lo aqui. só tenho pena que os seus livros tenham sempre uma tiragem muito reduzida de exemplares e nunca haja uma reedição. para além disso, a sua timidez faz com que ele não seja (re)conhecido pelos seus conterrâneos, mesmo por muitos que gostam de poesia, o que é uma tremenda pena!
beijo

Primeira Pessoa said...

em@,
herberto merece mais reconhecimento, um lugar maior na literatura.

e vamos fazendo a nossa parte, divulgando, como podemos.

é bom revê-la por aqui.

abs,

r.