Saturday, June 11, 2011

Um Poema de Manoel de Barros















Seis ou Treze Coisas que Aprendi Sozinho
de "O Guardador de Águas", Ed. Civilização Brasileira.


1
Gravata de urubu não tem cor.
Fincando na sombra um prego ermo, ele nasce.
Luar em cima de casa exorta cachorro.
Em perna de mosca salobra as águas se cristalizam.
Besouros não ocupam asas para andar sobre fezes.
Poeta é um ente que lambe as palavras e depois se alucina.
No osso da fala dos loucos têm lírios.

3
Tem 4 teorias de árvore que eu conheço.
Primeira: que arbusto de monturo agüenta mais formiga.
Segunda: que uma planta de borra produz frutos ardentes.
Terceira: nas plantas que vingam por rachaduras lavra um poder mais lúbrico de antros.
Quarta: que há nas árvores avulsas uma assimilação maior de horizontes.

7
Uma chuva é íntima
Se o homem a vê de uma parede umedecida de moscas;
Se aparecem besouros nas folhagens;
Se as lagartixas se fixam nos espelhos;
Se as cigarras se perdem de amor pelas árvores;
E o escuro se umedeça em nosso corpo.

9
Em passar sua vagínula sobre as pobres coisas do chão, a
lesma deixa risquinhos líquidos...
A lesma influi muito em meu desejo de gosmar sobre as
palavras
Neste coito com letras!
Na áspera secura de uma pedra a lesma esfrega-se
Na avidez de deserto que é a vida de uma pedra a lesma
escorre. . .
Ela fode a pedra.
Ela precisa desse deserto para viver.

11
Que a palavra parede não seja símbolo
de obstáculos à liberdade
nem de desejos reprimidos
nem de proibições na infância,
etc. (essas coisas que acham os
reveladores de arcanos mentais)
Não.
Parede que me seduz é de tijolo, adobe
preposto ao abdomen de uma casa.
Eu tenho um gosto rasteiro de
ir por reentrâncias
baixar em rachaduras de paredes
por frinchas, por gretas - com lascívia de hera.
Sobre o tijolo ser um lábio cego.
Tal um verme que iluminasse.

12
Seu França não presta pra nada -
Só pra tocar violão.
De beber água no chapéu as formigas já sabem quem ele é.
Não presta pra nada.
Mesmo que dizer:
- Povo que gosta de resto de sopa é mosca.
Disse que precisa de não ser ninguém toda vida.
De ser o nada desenvolvido.
E disse que o artista tem origem nesse ato suicida.

13
Lugar em que há decadência.
Em que as casas começam a morrer e são habitadas por
morcegos.
Em que os capins lhes entram, aos homens, casas portas
a dentro.
Em que os capins lhes subam pernas acima, seres a
dentro.
Luares encontrarão só pedras mendigos cachorros.
Terrenos sitiados pelo abandono, apropriados à indigência.
Onde os homens terão a força da indigência.
E as ruínas darão frutos



A Música Que Toca Sem Parar:
tão pantaneira quanto Manoel de Barros, Tetê Espíndola tem pássaros na garganta. Dela e de Arnaldo Black fomos buscar Ararinha Azul, um passeio pelo Pantanal.

16 comments:

Tania regina Contreiras said...

Amo o Manoel de Barros...Descobri muito de mim lendo ele. Obrigada por trazê-lo aqui, Roberto.
Beijo,

Zélia Guardiano said...

Muito, muito, muito lindo, Roberto!
Demais da conta...
Grata, querido, por mais este mimo!
Abraço apertado.

Unknown said...

voltaste cabra arredio, fugir das palavras é uma luta vã, paródia de Drummond, o teu alforje de areia e barro esperneia,

abraço daqui da beira do sertão

Primeira Pessoa said...

assis, pra falar a verdade, não sei sequer se saí daqui.
às vezes me ausento de mim, eu sei.

às vezes tranco a porta e engulo a chave.
às vezes, somente às vezes...

beijao,
r.

Primeira Pessoa said...

zélia,
é presente pro seu dia,
esse manoel de barros, e seu olhar pantaneiro.

faz-nos bem, ne?

beijo afetuoso do

roberto.

Primeira Pessoa said...

taninha,
voce é sensivel, parabolica do bem.

que manoel de barros te mostre mais de voce, para que voce fale dele pro mundo, como uma daquelas correntes de oração que vemos por aí.

beijos,

r.

na vinha do verso said...

a gente não consegue ficar sem se esfregar em palavras que tiram frutos de ruinas

belo poema, Beto


(quando vc vai aparecer por aqui?)

Luiza Maciel Nogueira said...

lindíssima postagem Manuel de Barros é um grande construtor de versos. bjs

Primeira Pessoa said...

luiza,
manoel de barros é patrimônio do brasil. e escrebe lindinho demais.
ali, cada palavra é verdadeira, mesmo ele dizendo 1ue é invencionisse.

abraçao do

roberto.

Primeira Pessoa said...

marquinho,
ja adiei algumas vezes a ida até vocês. qualquer dia destes eu tomo coragem e vou mesmo.

beijao,
r.

Moisés de Carvalho said...

Salve Manoel de Barros ...!

o homem que carrega água na peneira.

muito bom encontrar esse poeta magnífico por aqui.

um abraços, meu querido !

Primeira Pessoa said...

salve manoel, salve a poesia, e salve você, poeta moisés!

Anonymous said...

Tão bom ler Manoel de Barros!
Bjs Roberto e estou esperando a música da Rita Ribeiro viu?!!!
Bjs.

Primeira Pessoa said...

fatima, me manda seu email que mando na hora.
quem tá na espera, sou eu.

beijao, r
.

Unknown said...

Meu Deus, como amo esse cara!

Manoel é gente, é poesia latente que nunca morre.

Lindo post!

Beijos

Mirze

Primeira Pessoa said...

é o manoel mais amado do brasil, né?

bandeira que se cuide.
beijao, mirze.

r.