Eu era rapazote em Governador Valadares e começava com o vício da leitura e as invencionices da escrevinhação.
Poesia foi a primeira grande fixação.
Misturava Augusto dos Anjos, Carlos Drummond de Andrade, Arthur Rimbaud e Charles Baudelaire com os catecismos de Carlos Zéfiro e as estórias do Jeca Tatu, do Almanaque Biotônico Fontoura.
Depois descobri a beleza das crônicas, o que acabou se tornando um ofício diário. Era um banquete requentado, é verdade, mas ainda sim, um banquete.
Paulo Mendes Campos, Fernando Sabino e Rubem Braga me eram servidos à medida que os jornais do Rio e Belo Horizonte chegavam à cidade, três dias após terem sido publicados.
Os Lima - de posses modestas -, não assinavam aquelas publicações, mas um vizinho que trabalhava numa barbearia chique do centro da cidade as trazia para mim, depois que já haviam sido lidas e relidas pela clientela e um número mais recente as substituía.
Só comecei a gostar dos romances depois de ter experimentado outros gêneros mais curtos. E bem depois. Eu não queria o compromisso duradouro da leitura.
Queria algo rápido, como uma paixão. Os jovens, em geral, são assim.
Impetuosos, apaixonados, preguiçosos e, às vezes, radicais...
Roberto Drummond entrou em minha vida às prestações, bem depois.
Ele assinava uma coluna no Estado de Minas e fazia crônica esportiva com muita poesia. Chamava Reinaldo de Baby Craque. O ponta-esquerda Joãozinho era o bailarino da Toca.
Os craques dos quais não gostava ou não aceitava eram chamados de tigres de papel.
Nunca escondeu de ninguém que era atleticano. É dele a célebre frase adotada por toda a massa carijó:
"Se houver uma camisa preta-e branca pendurada num varal durante uma tempestade, o atleticano torce contra o vento".
Roberto escrevia com maestria sobre outras coisas, também.
No Segundo Caderno do jornal, transformava Belo Horizonte na Cartagena de Garcia Marquez, na Pamplona de Ernest Hemingway.
Era ali, na fonte que borbulhava à sombra da Serra do Curral, que ele bebia a água da inspiração. Melhor do que nenhum outro escritor da capital mineira desvendou com o toque de sua pena a alma do belorizontino.
Tornava possível o amor da moça da Avenida Barbacena com o rapaz que veio do interior e foi morar em Betim.
Conversava com uma cotovia que lhe dava conselhos de cima dos postes da Rua Rio Grande do Norte.
Promovia duelos de adversários políticos ao pôr-do-sol em plena Praça do Papa, e marchava pela Afonso Pena com pobres miseráveis pedindo terra, trabalho e pão.
Li seu primeiro livro quando já vivia nos Estados Unidos e tornei-me um ardoroso fã.
Em 1988, quando fundei o Brazilian Voice, resenhei um trabalho seu, que acabara de ser lançado no Brasil.
Alguém de passagem por aqui levou-lhe o jornal e, algum tempo depois, recebi um recado dele: queria me encontrar quando fosse a BH.
Um mês depois estávamos no Dona Lucinha comendo feijão tropeiro e bebendo umas e outras. Foi impactante aquele primeiro encontro.
Passamos a nos encontrar sempre, todas as vezes que eu ia ao Brasil. E ficávamos horas a fio conversando sobre tudo e nada nos bares da capital.
Dono de uma generosidade ímpar tomava-me debaixo de suas asas fazendo-me sentir como se fosse um filho querido. O filho varão, que ele não teve.
Quando retornei aos Estados Unidos, ele já era colaborador do Brazilian Voice.
Nunca levou um tostão por suas crônicas, e dizia que um dia cobraria um dólar por cada um de seus inventos publicados no BV. Mas que isto só aconteceria depois que ele ganhasse o Nobel de literatura.
Se eu não cheguei a entrar para a sua família, ele foi, certamente, o primeiro grande nome a entrar para a família Brazilian Voice. E a honraria maior veio com a publicação do livro Hilda Furacão, seu grande sucesso literário, que ele dedicou, junto com outras pessoas, também a mim. Meu querido amigo, cujos títulos de livros tinham uma obcessão pela morte ("Quando Fui Morto em Cuba", "O dia em que Ernest Hemingway Morreu Crucificado", "A Morte de Dj em Paris" e "Os Mortos Não Dançam Valsa") me ensinou muito sobre imortalidades e o avesso de certos mistérios do ofício de viver.
Aprendi com ele que as coisas verdadeiras não morrem jamais.
Não morre o amor.
Não morre a amizade.
Não morre a gratidão.
Não morre a saudade.
Como que cumprindo uma sentença assinada por Deus, somos nós que morremos um pouquinho, a cada nascer de sol.
Morremos como morre a juventude, os arroubos desta e tudo o que for apenas paixão.
A Música Que Toca Sem Parar:
na voz de Milton Nascimento, dele e de Fernando Brant, Itamarandiba.
No meio do meu caminho
Sempre haverá uma pedra
Plantarei a minha casa
Numa cidade de pedra
Itamarandiba, pedra comida
Pedra miúda rolando sem vida
Como é miúda e quase sem brilho
A vida do povo que mora no vale
No caminho dessa cidade
Passarás por Turmalina
Sonharás com Pedra Azul
Viverás em Diamantina
No caminho dessa cidade
As mulheres são morenas
Os homens serão felizes
Como se fossem meninos
34 comments:
com também não morre este meu abraço que vim de propósito deixar p'ra você.
até sempre moço Roberto.
Mas fala, digo, escreve, bonito esse Roberto :) O Lima mesmo!!
beijos
ROBERTO!
Que coisa mais linda! Chorei e me arrepiava enquanto lia.
Sinto saudades dele, do seu jeito simples de ser. Um dia saímos juntos. eu tinha ganho um prêmio de redação que o homenageava. Ficamos amigos. Eu tinha dez anos e ele distribuia seus primeiros livros em escolas.
Morávamos perto, mas eu ainda não sabia da importância daquele homem.
Um dia, casualmente nos encontramos numa livraria. Mostre à ele um poema que tinha feito para ele. Emocionou-se. Não mais que eu que já acompanhava sua trajetória.
Quando escutei a notícia da sua morte, chorei tanto que meu ex precisou interferir. Ainda hoje quando passo em frente ao prédio onde morava, meu coração acelera. Foi aí que comecei a admirar a beleza da terra dele.
A emoção voltou.
Viu como há tempos, somos manos?
Excelente!
Beijos
Mirze
E assim seguimos morrendo pela vida...
Belíssima crônica, Roberto, assim como as amizades eternas.
Queria muito uma cotovia a me soprar conselhos, ou simplesmente cantar músicas assim...
Bjs
Rossana
Interessante ver como alguns fatos ficam na memória de quem gosta de ler!
Una crónica llena de poesía y de esas pequeñas grandes cosas que como los versos nunca mueren. Un abrazo añil.
Gosto de beber palavras aos poucos, como poesias, contos e crônicas belas como as suas!
Beijos.
Tu sabes ser amigo e ter amigos...é linda a crônica, Beto. Como lindas sempre são as palavras escritas por ti.
Bj
Lindas palavras! Uma linda crônica!
Uma boa semana.
Beijos, Marie
amoreoutrosdelirios.blogspot.com
Rapaz,
os Robertos são drummondianamente mineiríssimos!
Depois que se nasce, se morre uma vida por dia. Se renasce no instante seguinte, ainda com mais poesia.
Forte abraço!
ô, nanini,
cê faz poesia até quando parece que não tá fazendo.
senti sua falta na tertúlia. até mesmo porque rolou uma ocorrencia policial por lá...rs...
beijo grande, poeta.
r.
marie, desejo-lhe o mesmo, na mesma medida.
abraço grande do
roberto.
daniela,
desde menino, sempre fui rodeado de gente, sempre tendo a impressão de que recebo muito mais do que dou. acho isso de troca, muito espontaneo e salutar e, de uma forma bonita, me deixa feliz.
e voce, agora que faz parte dos meus, vê se não desaprende o caminho das montanhas. lá, basta ficar na ponta dos pés para furar uma nuvem com a ponta do indicador.
beijão,
r.
iara, sempre que posso, tomo um porre de palavras.
beber poesia faz bem à pele. arrepia.
abração do
roberto.
indigo,
esta semana estarei bem perto da sua espanha. a convite do poeta jorge pimenta estarei na cidade do porto, a partir de quinta-feira, para um concerto do Trovante.
senti falta da sua presença por aqui.
grande abraço do
roberto.
pedra,
o que seria dos grandes momentos, sem a nossa memória, para dar-lhes vida, sempre que o tempo cisma em engolir nossas melhores lembranças?
se for pra esquecer, que seja o ter sofrido.
abração do roberto.
rossana,
você não precisa de uma cotovia. você é uma cotovia.
ou não é?
abração do
roberto.
ah,
mirze, tenho tantas estórias do roberto pra contar. tantas...
ele foi, muito mais que um amigo, uma referência nesse meu gostar das palavras.
sinto imensas saudades dele até hoje.
roberto drummond, que no início era uma influência e depois se transformaria em presença física e afeto, é hoje minha maior referência de perda.
beijo grande do
roberto.
ah, lelena,
cê fala assim e eu fico vermelho...rs
eu costumo dizer que a beleza está nos olhos de quem lê.
beijo grande do
roberto.
moça dos outrosEncantos,
sinta-se abraçada, também.
é muito bom tê-la por aqui, entre os meus.
mais um, do
roberto.
Porque cada vez que se vem aqui, a gente vê e sente a pessoa bonita e agregadora que és, Roberto.
rejane,
bonitos são vocês todos, generosos, que vem até aqui irrigar esse canteirinho de quimeras.
beijo grande do
roberto.
Tu fica bem aí, não sai e não some, porque quando a alma emperra e eu acho que não sei mais sentir, te leio e os olhim marejam sempre, que tu escreve é mesmo muito bonito !
Beijos,
Vim até aqui através do nosso poet'amigo Jorge Pimenta, e confesso, que beleza de convite, pois estou encantada com as suas palavras e todo sentimento escrito aqui.
E sim, as coisas verdadeiras não morrem jamais...
Estou aprendendo isso, aos poucos, mas estou...
Lindo!!
Beijos e obrigada pelas suas palavraws...
No meu caso, os primeiros contatos de leitura foram com a prosa, romances policiais e infanto-juvenis na infãncia, eu adorava narrativas longas, era mesmo uma criança estranha. Já a poesia veio bem depois e, por mais improvável que pareça, as leituras poéticas aprofundadas que tive que fazer durante a faculdade eram atividades maçantes, poesia pro meu gosto sempre teve que ser desobrigação, até mais do que a prosa. Mas foi com a descoberta dos cronistas, da leitura rápida que não se esgota no momento da decodificação, que minha vontade de escrever se aguçou. Cronistas existem muitos, mas aqueles que conseguem nos alcançar até nos dias mais nebulosos são mais raros, são os que se distinguem pela familiaridade que transmitem para o leitor, são os que verdadeiramente nos ensinam e, por vezes, encorajam os jovens entusiastas da escrita, num movimento constante e cíclico...
Falei demais, mas não poderia ficar caladinha diante dessa belezura de crônica, não resisto! rs
Abraços :)
quando Beto enlaça uma amizade
é pra sempre
sempre
abs mano
Paixões que conheço bem: galo, literatura e robertos (rsrsrsrs)
E que não morra nunca uma amizade!
Um beijo!
Roberto!
Beber palavras de tão bom gosto...
Eita!
É bom, é bom, é bommm!!!!!!!!
Vale um abraço!
Linda Simões
vale mais que um abraço, linda simões.
vale uma amizade.
vale uma vida inteira.
abração do
roberto.
adriana,
só não entendo muito bem desses lances do seu "galo". o restó, até que dá pra tentar entender...rs
abração do
roberto.
marquinho,
amizade pra sempre, é a nossa.
assim como, pra sempre, são a gratidão e o amor que devoto a você, grande culpado por eu andar por aí achando que exista alguém que queira ler alguma coisa que saia de mim.
beijão do
roberto.
aline,
não resita, jamais.... quando o assunto for esse seu expressar sobre as pessoas coisas e pessoas que a impulsionaram a chegar até aqui.
eu acendo uma vela pros meus todos os dias.
beijão do
roberto.
suzana,
se chegou pelas mãos de jorge pimenta, já é de casa.
puxa uma cadeira e se senta à cabeceira dessa mesa.
abração do
roberto.
taninha,
pressinto que entrarei numa fase de farta produção. e tô esperando por isto há mais de dois anos.
te ver por aqui é meu incentivo.
beijão do seu amigo
roberto.
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