Monday, April 9, 2012

Dois Poemas de João Cabral de Melo Neto





















Tecendo a Manhã

Um galo sozinho não tece uma manhã.
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito que um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.

E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.



***

Alguns Toureiros

Eu vi Manolo Gonzáles
e Pepe Luís, de Sevilha:
precisão doce de flor,
graciosa, porém precisa.

Vi também Julio Aparício,
de Madrid, como Parrita:
ciência fácil de flor,
espontânea, porém estrita.

Vi Miguel Báez, Litri,
dos confins da Andaluzia,
que cultiva uma outra flor:
angustiosa de explosiva.

E também Antonio Ordóñez,
que cultiva flor antiga:
perfume de renda velha,
de flor em livro dormida.

Mas eu vi Manuel Rodríguez,
Manolete, o mais deserto,
o toureiro mais agudo,
mais mineral e desperto,

o de nervos de madeira,
de punhos secos de fibra
o da figura de lenha
lenha seca de caatinga,

o que melhor calculava
o fluido aceiro da vida,
o que com mais precisão
roçava a morte em sua fímbria,

o que à tragédia deu número,
à vertigem, geometria
decimais à emoção
e ao susto, peso e medida,

sim, eu vi Manuel Rodríguez,
Manolete, o mais asceta,
não só cultivar sua flor
mas demonstrar aos poetas:

como domar a explosão
com mão serena e contida,
sem deixar que se derrame
a flor que traz escondida,

e como, então, trabalhá-la
com mão certa, pouca e extrema:
sem perfumar sua flor,
sem poetizar seu poema.



.






10 comments:

Luiza Maciel Nogueira said...

vejo que chegou o livro de portugal do poeta, espero que tenha muitos mais! beijos

Unknown said...

Você fez uma boa escolha de |João Cabral.
Legal!

Andrea de Godoy Neto said...

que bom ler joão cabral aqui, beto.
estava com saudade da poesia dele...

aliás, estou com saudade de tantos livros...

gosto, particularmente, desse primeiro poema... da manhã de tecido aéreo...

beijos meus

CANTO GERAL DO BRASIL (e outros cantos) said...

Um mestre, esse Cabral...
Poeta único...

Abração do Valadão, que te aguarda em outubro.

Bípede Falante said...

Esse danado nos dá todas as partes que nos cabem nesse latifúndio. Dá as amargas e as que nos inspiram. Vou procurar e trazer pra você o meu poema favorito dele.
Beijos :)
BF

gagau said...

Eita cabra porreta,arretado de bom meu irmãozinho bjs no teu coração..GAGAU

sandrafofinha said...

gostei muito do primeiro poema, já o segundo não gostei. Beijinhos,uma maravilhosa terça-feira,eu te desejo uma boa semana com tudo de bom!!

Bell said...

seguindo seu lindo blog =)

Anonymous said...

O primeiro poema eu já conhecia, mas o segundo não. Gostei!

Anonymous said...

alô alô, de Portugal:

saudades do Roberto por cá, a cidade começa a perder o brilho que outrora me fizeste descobrir

beijinho