Friday, April 20, 2012

O Presente Maior


(Para os meninos Hique, Pepê e Dedé)

O que dar de presente a um menino no dia de seu aniversário?
Das minhas recordações da infância salta uma bola de futebol, presente de uma tia de Belo Horizonte.
Cresci achando ter ganhado menos presentes do que mereci.
Adulto, entendi que recebi muito mais do que puderam me dar.
O que dar a um filho, menino, no dia de seu aniversário?
Um futuro brilhante?
Um lugar garantido em Princeton, quando ele crescer?
Um poema?
Uma canção?
O gol da vitória numa final de campeonato na escola?
Um dez em matemática?
Um pai e uma mãe honestos e de bom coração?
Estes últimos são, a meu ver, um presente imprescindível.
Tudo o mais, vem junto, a reboque, dentro dos limites de cada um.
Eu, se pudesse, daria uma professora carinhosa e meiga, quase uma extensão da avó.
E um carrinho de madeira, com capô de lata e rodas recortadas de uma velha sandália havaiana.
Um pião, uma pipa e um carrinho de rolimã.
Um embornal com um estilingue e muitas bolinhas de gude.
E frutas maduras, cheirosas, suculentas, tiradas diretamente do pé.
Daria ainda manhãs de grama orvalhada.
Uma estrela que nunca se apaga.
E uma fogueira de São João.
Daria férias inesquecíveis na fazenda.
E um piau prateado, daqueles que dançam no extremo da linha que pende da ponta da vara de pescar.
Daria ainda um passeio no lombo de um cavalo troteiro.
E a visão confortante, ao longe, de uma chaminé fumegando na paisagem.
Construiria uma estrada margeada por flores silvestres, margaridas, cravos, lírios e jasmins.
Daria um conselho de avô.
Um biscoito da avó.
Um mergulho no riacho.
Uma ducha na cachoeira.
Uma lua cheia.
Noites sem pesadelos, sem bruxas malvadas ou dragões cuspindo fogo.
Chuvas?
Só se fossem as de verão, cantando “sol e chuva, casamento de viúva”.
E o ar com cheiro da terra molhada e um arco-íris, com seu pote de ouro, bem no fim.
Daria-lhe ainda uma festa de aniversário coalhada de balões coloridos num dia ensolarado, bem no começo da primavera.
E um bolo de chocolate com uma vela numeral em cima, e um coral de amiguinhos do peito, puxando um desafinado mas, entusiasmado, ‘parabéns’.
Mas os tempos mudaram, eu sei.
E hoje só se fala em videogames, bicicletas cibernéticas, rollerblades, Ipods, celulares, roupas de grife, viagens a Disney e bonecos de super-heróis, daqueles que lançam raios laser de seus olhos.
Não existe nada de errado nisto.
Mudaram os tempos e as prendas que damos aos meninos.
O que não podemos mudar é aquilo que acredito ser o presente maior.
No meu relicário, que é onde guardo as coisas de maior valor, estão o respeito e a admiração por um cara que sempre me deu muito mais do que pôde dar:
O amor pelo filho, esse sim, é um presente que dura para sempre. Herdei do meu como lição.
O resto, todo o resto, também é importante.
Mas é coisa menor.
Bem menor.
Grande é a infância.



Ilustração, "Infância", quadro de Marina Jardim.

29 comments:

Anonymous said...

puxa! alguma coisa aconteceu em meu coração ao ler esta cronica...senti de volta a certeza de que fui feliz e que sabia...

tudo de bom aos meninos.

beijo

Unknown said...

Todos juntos dão recordações.
Uma forma de motivar você a fazer poemas.
Beijos!

MA FERREIRA said...

Olá!!

Logo que entrei no teu blog me encantei com o quadro que emoldura a tua cronica.

O que dar para um menino no dia do seu aniversário neste mundo contemporâneo, onde o possuir parece ter uma importancia muito maior que o ser?

Não sei o que daria...mas acho que uma vara de pescar seria um bom presente!!

Um abraço, parabéns pelo seu DOM!!

Primeira Pessoa said...

Dam,
fico muito feliz que tenha gostado.
Marina Jardim é uma das maiores pintoras do Brasil.
Ela é um dos segredos mais bem guardados do Brasil.

Beijão do

Roberto.

Primeira Pessoa said...

Janice,
poema é pra gente mais gabaritada.
Quem dera a mim, soubesse escrever poemas.
Escrevesse, seria mais feliz.

beijão do

r.

Primeira Pessoa said...

margoh,
foi, é e será...
uma pessoa sensível como você merece esse estado constante.

fico feliz que minha croniquetas tenha desperto boas recordações em você.

beijão do

roberto.

marlene edir severino said...

Ai que coisa mais linda essa tua escrita, Roberto!
E me remete sempre a minha infância:
pobre de presentes de aniversário, mas com todas essas riquezas que escreveu, tão sinceras e amorosas.

Além dos meninos, fui presenteada aqui, nesse sábado com cara chuvosa.

Carinhoso abraço!

Primeira Pessoa said...

marlene,
no que eu crescia, achava que presente era aquilo mesmo (e tão somente isto) e presença de pai e mãe.
não tive a alegria de um filho,
mas tive três lindas meninas.
a as duas pequenas me pedem maravilhas eletrônicas, videogames, essas coisas... como se eu fosse um jetson.
reluto. mas dou. não tô me queixando (acho!)

beijão do

r.

Reginagato said...

Excelente! Revejo-me nisso tudo,todos os detalhes.Brasileiros e Portugueses mesmas raízes,tradições e sentimentos.Faço votos que sejamos cada vez mais unidos. Seremos uma grande marca cultural no Mundo.
Regina Gato

Márcia Rodrigues said...

Grandes, raras e ótimas lembranças...

Suas crônicas me fazem voltar no tempo. Tempo bom, de coisas simples mas de grande significado, que hoje infelizmente meus filhos não vivenciam.Elas tocam minha alma...

Grande abraço!

Bípede Falante said...

Roberto

Eu nao tive a de ter pequenas bípedes. Tive a de ter o meu pequeno. Também tecnológico.
Mas sendo meu, também, um pouco bicho de pelúcia.
Nesse ano, o presente dele será uma TV mais complexa do que um ser humano rsrs
E como sempre, um cartão, que é nas palavras que o afeto se inscreve.
Portanto, o que na minha bipedice, prenuncia um pedido, vou anexar sua crônica a ele, que eu quero, evidentemente, que ele seja um menino esperto e adaptado à geração dele, mas mais ainda que seja um ser humano sensível e generoso com olhos de avistar amor.

Beijoss

BF

CANTO GERAL DO BRASIL (e outros cantos) said...

Beto...
Grande é a infância. E essa sua crônica tem um sabor de infância, com aquele gosto e cheiro que faz a gente saber que a vida vale a pena, apesar de tudo...
Pena apenas que a gente nunca saiba, a tempo, que nossas histórias são mais bonitas que a de Robinson Crusoé...

Abração, da rama.

gagau said...

Marina Jardim sempre colocando teu lindo coração bem na pontinha de seu pincel.E quanto a crônica é um grande presente a todos que tem o previlégio de poder ler e se deliciar com que tu escreve eu irmão ..bjs no teu coração.
GAGAU

Anonymous said...

É, quem nasceu e viveu no Rubim sabe disso e vive disso. Muito bom! Beijos.

Primeira Pessoa said...

anônimo de rubim...
muito bom receber a sua visita no Primeira Pessoa.

grande abraço do

roberto.

Primeira Pessoa said...

gagau,
ainda te apresentarei a marina jardim.
trata-se de uma grande pintora, sim, mas ela é, acima de tudo uma pessoa imensa.

adoro a marina.

beijão, brodinha.

r.

Primeira Pessoa said...

da rama,
nossa história será sempre maior que a de robinson crusoé...
se a minha é,
a sua também é...

rs...
tava procurando uma rima.

beijão, da rama.


r.

Primeira Pessoa said...

Bípede,
no meu caso, até um prosaico radinho de pilha é mais complexo... quanto mais essa televisão a que se refere... afinal, eu sou do tempo da telefunken.

e esta crônica é uma homenagem também ao seu filho, principalmente depois daquela foto que vi de vocês dois passeando em nova york (diego Rivera ao fundo), imenso derramamento de afeto entre mãe e filho.

e eu era assim com a minha mãe.... se puder, mostre a ele a croniqueta, ele vai curtir ver que os presentes das crianças de antanho eram muito diferentes das de agora.

beijo grande, pros dois, do

r.

Primeira Pessoa said...

márcia, fico muito feliz que a cronica tenha emocionado você.

gostei, de imenso.

abração do

roberto.

Primeira Pessoa said...

regina,
sua presença entre os meus me deixa muito orgulhoso e feliz.
não apenas pelo fato de você ser mãe de Vasco Gato, um dos maiores poetas da nova literatura portuguesa, mas por você ser essa pessoa bacana que é e que entende, como poucos, esta relação tão próxima entre brasileiros e portugueses (no ser e no sentir).

volte quando quiser.
esta casa é sua.

abração do

roberto.

Anonymous said...

Roberto, seus textos são como as telas de Marina Jardim, nos faz viajar, nos faz pertencer.
A presença é o melhor presente! Sempre digo isso a minha filha, que uma vez não queria ir a uma festa da melhor amiga porque não tinha presente para levar. E eu lhe disse: já pensou se ninguém for a festa por falta de presentes? Faça uma cartinha bem personalizada, carregada de carinho e quem receber ficará muito feliz!! Inspirada nas telas de Marina, ano passado dei de presente o famoso "Peão", foi bacana ver a interação de pai e filho com descobertas e recordações.

Abraços,
Rozana Soares

Cecília Romeu said...

Roberto,
cê convidou, estou aqui.
Tem cafezinho e pão de queijo mineiro? Se não, não comento... haha!

Complicada essas coisas..., tecnologias e afins.
Sou da época do celofane na TV-cafão, te lembra? Ah! E em algumas casas colocavam umas três cores diferentes na tela, ficava um arco-iris, muito tri..., mas a gente se divertia, assim como a gurizada de hoje, cada um com sua TV é certo, mas amor de pai e mãe é o principal.
O que eu daria para um menino de aniversário? Ora...,uma TV-cafão com celofane arco-iris, peça de museu, raríssima. Avatar dos anos 70.

Grande beijo!
Estou adorando o jeito que você escreve!
Convida que eu venho, tá bom?

Anonymous said...

fiquei com vontade de ser o seu filho

[cuida-te Roberto e isto não é uma frase feita, e de alguém que te quer bem]

beijinho

Primeira Pessoa said...

lauríssima,

preciso me cuidar mais, sim.
mas tenho obtido progressos, pequenos progressos, mais ainda sim, progressos.

é bom saber que tenho pessoas como você, cuidando de mim.

beijão do

r.

Primeira Pessoa said...

ana cecília,
eu convidei mas nem precisava, porque você já é de casa. e sabe que não precisa de permissão pra abrir a geladeira.
o cafezinho, cê sabe onde tem.
e o pão de queijo, também.

seja-se aqui.

beijão do

r.

Primeira Pessoa said...

Rozana,
devo confessar que o meu peão não rodava dentro dos conformes. aliás, confesso também que, no que crescia, nAo aprendi a jogar carteado, sou péssimo em sinuca e presa fácil no totó... a santíssima trindade de moleque de cidade do interior.

marina jardim?

ah, a marina é minha tarsila.

beijão do

roberto.

Além da Porteira said...

É isso manim...
Esse presente é eterno, atual, ultrapassa gerações... maior que esse, impossível.
A gente perde tanto tempo pensando no quanto as coisas eram melhores no nosso tempo... às vezes esquecemos que as que realmente importam, essas são eternas.

Bjo grande

Primeira Pessoa said...

já viu, diubs?

quantos gigs de memória tinha o amor de sua mãe????

tô aqui, calculando com os meus botões, o da minha.... rs

beijão do

r.

Sílc said...

Viajei... Senti o cheiro dos meus Pais,irmãos (quatro meninas e um menino) Avós, Tios, Primos, da minha Rua Felix Guilhenn, do quintal, onde descalços brincávamos de amarelínha, pega-pega, como esta fica, bola atrás, bolinha de gúde e por ai afora... Saudades do cheiro gostoso da infância.Obrigada querido Roberto, muito obrigada.
Com amor e carinho,
Sílvia