Wednesday, March 13, 2013

Um grande poema de Daniel Faria



Quero a Fome de Calar-me


Quero a fome de calar-me. O silêncio. Único
Recado que repito para que me não esqueça. Pedra
Que trago para sentar-me no banquete

A única glória no mundo — ouvir-te. Ver
Quando plantas a vinha, como abres
A fonte, o curso caudaloso
Da vergôntea — a sombra com que jorras do rochedo

Quero o jorro da escrita verdadeira, a dolorosa
Chaga do pastor
Que abriu o redil no próprio corpo e sai
Ao encontro da ovelha separada. Cerco

Os sentidos que dispersam o rebanho. Estendo as direcções, estudo-lhes
A flor — várias árvores cortadas
Continuam a altear os pássaros. Os caminhos
Seguem a linha do canivete nos troncos

As mãos acima da cabeça adornam
As águas nocturnas — pequenos
Nenúfares celestes. As estrelas como as pinhas fechadas

Caem — quero fechar-me e cair. O silêncio
Alveolar expira — e eu
Estendo-as sobre a mesa da aliança



Daniel Faria, in "Dos Líquidos"

.

12 comments:

ÍndigoHorizonte said...

Daniel Faria es inmenso, inmenso, querido Roberto, como tú bien dices. y este poema de silencio y recogimiento, de naturaleza, de refugio, de universo... inmenso, sí, inmenso.

Besos, Roberto.

ana p said...

Lindissimo

mム尺goん said...

Duro. Doído. Mas não.
...
Vou com fé,
acredito no invisível.
Nos sinais.


abç

mary.yamin said...

Poeta místico..
misterioso... Beto..

e olha o verso profético...


Caem — quero fechar-me e cair. O silêncio
Alveolar expira — e eu
Estendo-as sobre a mesa da aliança


e faleceu ao cair...

Mistério dos mistérios..

beijão

Anonymous said...

Era tudo que eu precisava para esse momento.

Beijo!

Unknown said...

a intacta ferida de quereres que se não sabem.

daniel faria e dos líquidos: muito bom, verdade, robertílimo?

abraço!

Primeira Pessoa said...

euriquíssimo,
estou lendo "ilíquidos" (rs...)
e me deleitando.
só a dedicatória, já reli pelo menos trinta vezes.

abraços do seu amigo
r.

Primeira Pessoa said...

a palava tem este poder, Ari...
chega na hora certa. em alguns casos, a palavra lambe as nossas feridas.

beijão,
r.

Primeira Pessoa said...

mariângela,
já vi que você leu daniel e sobre daniel.
ele caiu da escada e "subiu".
queria ser padre, o nosso poeta.
virou anjo.

beijão do
r.

Primeira Pessoa said...

magnólia,
aprendi a gostar de vários autores portugueses no seu blog, um dos mais qbelos que existem.
beijão,
r.

Primeira Pessoa said...

indigo,
poeta imenso, sim.
deixou-nos jovem demais.
já imaginou se ainda estivesse entre nós?

abração do

roberto.

Primeira Pessoa said...

margoh,
também sou dos que acreditam e seguem os sinais, sem saber, no entanto, o que me espera dentro do pote ao final do arco-íris.

abração do

r.