Tuesday, June 28, 2011

Do Mercado Central de Beagá

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Fui ao Mercado Central de Belo Horizonte comprar uma panela de pedra-sabão, que pretendia trazer para New Jersey com a finalidade de incrementar minha modesta moqueca de peixe.
- Mas isto é um trambolho, ponderou meu pai.
E não ficou nisto:
- Você vai carregar um ‘esparrame' destes no avião?
Saí sorrindo, evitando mais uma polêmica entre pai e filho, ciente de que nosso relacionamento estava inaugurando uma nova era na minha não resposta.
Uma vez no destino, acabei não resistindo e comprando um montão de tralhas numa lojinha simpática, não me preocupando com o excesso de peso que a balança da companhia aérea certamente acusaria.
Comprei um pilão de socar alho em madeira de lei, que é um charme.
Adquiri, também, um bule de café, daqueles feitos de esmalte - muito usados nas casas da roça -, juntamente com seis simplórias canequinhas que darão um aspecto jeca-chique à minha modesta cozinha.
Para meu amigo Neném Corrêa, que ganha a vida erguendo casas por aqui, descolei um jogo de marmitas de alumínio, que será muito apreciado por ele, e motivo de gozação de seus pares.
Para Fábio Portugal pensei em trazer um urinol, à guisa da mais ingênua troça.
Desisti, mas os vi lá, em diversos materiais: alumínio, esmalte, ou plástico duro, nas mais variadas cores, pendurados na entrada de um bequinho onde vendiam ainda artigos de umbanda e enfeites feitos de palha e cipó.
Para meu irmão Toninho, que curte velharias decorando a sala de sua casa, comprei um prosaico ferro à brasa, pesadíssimo, que certamente comprometeria minha cota de peso no avião.
E, só não comprei mais coisas, porque fui arrastado por um amigo boquiaberto, que se recusava acreditar que, além da caixa de latinhas de skol e cinco garrafas de cachaça de Salinas já adquiridas, eu falava em incorporar alguns espetos de churrasco em diversos tamanhos.
Queria, também, um cortador de feijão, uma forminha de alumínio apropriada para fazer misto-quente, e um tacho de cobre que seria usado no feitio de doce de leite.
Não fosse pela intervenção desta alma de bom senso, teria adquirido muito mais.
Ah, amigos, como eu gostaria de ter trazido para todos vocês, um pouco do muito existente naquela imensa vitrine de vida, que é o mercado central.
Queria trazer um cheiro de umas douradas carambolas, que vi na banca de uma barraca ao lado de caquis, jambos, pitangas e cajás.
Queria trazer a essência e o perfume de alguns abacaxis maduríssimos, frutas do conde, mexericas e mangas rosa e espada, exuberantes, que vi numa outra loja.
Sem me esquecer de encher uma sacola com jilós, maxixes, quiabos, batata doce, mandioca (enxutíssima!), agrião, taioba, mostarda e limões-capeta e galego.
Para temperar nossas vidas traria uma réstia de alho em forma de trança, um "molho" de coentro e pequenos feixes de alecrim e manjericão.
Numa barraca de aves, compraria uma galinha velha, e preferência do "pescoço pelado", que traria, na esperança de conseguir alguém que nos fizesse uma canja como aquelas da lavra de nossas mães.
Poderia trazer, ainda, uns ovos de codorna, que tomaria batido com cerveja preta da marca Caracu, que também viria camuflada em algum lugar da mala.
E mais umas garrafas de raízes fortes: losna, carqueja, jurubeba e boldo.
Da floricultura eu traria umas hortênsias, umas "flores de visgo", uns copos-de-leite e algumas mudas de mal-me-quer.
Queijos, requeijões, carne-de-sol, linguicinha defumada e paio, que não poderiam ser esquecidos em minha lista.
Mas ficou tudo lá, e destas coisas tantas só posso dar a notícia.
Inclusive minha mala, extraviada pela companhia aérea, e que foi localizada, pela última vez, em algum lugar de minha saudade.

*

Foto surrupiada da internet, bonecas de barro do Vale do Jequitinhonha, abundantes no Mercado Central, em Belo Horizonte.



A Música Que Toca Sem Parar:
Paulinho Pedra Azul canta, de Elomar Figueira de Melo, O Pedido,.

Já que tu vai lá pra feira
traga de lá para mim
Água da fulô que cheira,
Um novelo e um carrim
Traz um pacote de miss
Meu amigo Ah! Se tu visse
Aquele cego cantador
Um dia ele me disse
Jogando um mote de amor
Que eu havera de viver
Por este mundo e morrer
Ainda em flor


Passa naquela barraca
Daquela mulé resera
Onde almoçamo paca,
Panelada e frigideira
Inté você disse uma loa
Gabando a bóia boa
Das casas da cidade
Aquela era a primeira
Traz pra mim umas brevidades
Que eu quero matar a saudade
Faz tempo que eu fui na feira
Ai saudade...


Ah! Pois sim, vê se não esquece
D'inda nessa lua cheia
Nós vai brincar na quermesse
Lá no riacho d'areia
Na casa daquele homem,
Feiticeiro curador
O dia inteiro é homem
Filho de Nosso Senhor
Mas dispois da meia noite
É lobisomem comedor
Dos pagão que as mãe esqueceu
Do Batismo salvador
E tem mais dois garrafão
Com dois canguim responsador


Ah! Pois sim vê se não esquece
De trazê ruge e carmim
Ah! Se o dinheiro desse
Eu queria um trancelim
E mais três metros de chita
Que é pra eu fazê um vestido
E ficar bem mais bonita
Que Madô de Juca Dido,
Zefa de Nhô Joaquim
Já que tu vai lá pra feira
Meu amigo, tras essas coisinhas
Para mim.




26 comments:

Luciana Marinho said...

gosto de mercado e de bugigangas... fui te lendo e sentindo o cheirinho de ervas e temperos do Mercado da Boa Vista (mercado de minha infância).

lindo final... fez jus à poesia do mercado :)

beijoca!!

cinha said...

Adorei esse seu post Roberto. Uma mistura de desejos e saudades que só quem está longe pode entender o significado, e mesmo sendo difícil explicar a saudade do que deixamos pra trás é reconfortante saber que tudo continua no seu devido lugar. Parabéns e um bj carinhoso.

Luiza Maciel Nogueira said...

tem de tudo esses mercados, cada vez mais raros nas cidades. Saudade daqueles mercados da minha infância, rs

beijos!

Primeira Pessoa said...

luciana,
mercado é essa orgia de cores, sabores, cores, histórias e gentes... sempre vi assim... quando vou a bh, costumo me exilar no mercado central... por mim, viveria lá.

ele ja vive em mim.

beijão do

r.

Tania regina Contreiras said...

Bule de esmalte, ferro a brasa, cheiro de tempero, urinó...nossa, saudades da infância no interior. Tuas crônicas são veículos que nos transportam com velocidade pra o lugar que a gente viu e hoje sonha...E a gente volta com os olhos molhados quando acaba a viagem.
Beijo,

P.S. - ah, tenho um ferro a brasa na minha estante, e não dou, não troco, não vendo...rs

Primeira Pessoa said...

cinha,
às vezes quase entrego os pontos, achando que que nasci pra viver "longe". ontem tive uma vontade absurda de voltar pra perto de tudo.
mas isto foi ontem.

às vezes, quase sempre, nossas vontades não dependem de nós. é preciso uma mola propulsora, ou um outro alguém que aperte o botão.

quase sempre, encontramos omissão, negligência.

e fica tudo como antes. como nunca. como se fosse uma maldição.

abraço grande do

roberto.

Primeira Pessoa said...

luiza,
eles rareiam, mas não se estinguem.

sempre vai haver um pedacinho de roça dentro de cada um de nós.

abração,

r.

Primeira Pessoa said...

taninha,
benditos aqueles que possuem um ferro véio daqueles...
e que nao vendem, não emprestam e não doam...

ferro desse é pra sempre.
como o são, esses sentimentos que te norteiam e fazem de voce uma das pessoas mais bonitas que a vida me deu de presente.

beijão do seu amigo

roberto.

Anonymous said...

Nos seus escritos vc nos traz tudo isso, e mais um pouco dessa sua alma tão cheia de bibelôs e poesia.

Beijo, tio!

MA FERREIRA said...

Bacana o que vc escreveu... vc queria levar uma parte de vc que esta em BH para onde vc mora..
sei bem o que é isso...

Qdo.solteira..fui passar carnaval em Recife..Galo da madrugada..bons tempos..e fui ao mercado municipal de Recif.
Lá..com tantos artesantos de ceramica..eu ingenuamente pensei que poderia trazer minos para todos..
Além do excesso de peso cheguei a SP com todos os mimos quebrados.
Mas só a alegria na hora da compra..valeu..
Restou-me rir.. de toda situação.

bjkas
Ma

Unknown said...

pidido e feira: cordel no varal: feira de mangaio


abração

Primeira Pessoa said...

alma de bibelôs... voce acaba de fazer um poema, larinha.

beijão do tio

roberto.

Primeira Pessoa said...

ma,
ja tive esse dissabor de ver uma preça comprada com toda a euforia, chegar em casa aos caquinhos.
a alegria da compra, no entanto, não se desfez. exatamente copmo aconteceu com você.

abraço de argila do

roberto.

Primeira Pessoa said...

zé de assis,
voc6e que é de feira.
e que é do ramo.

manja tudo do riscado.

tim-tim!

Lua Nova said...

Ah... que saudade de uma vida que eu nunca vivi!
Meu grande sonho sempre foi viver no campo, no meio do mato, cercada de coisas simples. De vez em quando, ir até a cidade grande e comprar umas riquezas na feira ou no mercado central do jeitim que vc descreveu. Ficar encantada com as cores, os cheiros, os sons, mas logo voltar correndo pro meu cantim pra conversar com meus passarim e os bichim que vão comer as frutim do meu quintal.
Poxa, Roberto que leitura deliciosa, que viagem!
Vou te dizer, esses mercados centrais são um portal para a alma. Como o mercado de São Paulo. Tenho vontade de "acampar lá dentro e passar uns 4 ou 5 dias" só pra ter tempo de viajar, Deus sabe pra que paragens, em cada barraca que se para. E oia que isso pode levar tempo. Conversar com algumas daquelas pessoas é outra delícia.
Roberto, estive off alguns meses mas não esqueci meus queridos e, claro, vc é um deles.
Vá tomar um chocolate quentinho comigo na varanda do meu blog, aproveitando o friozinho que anda fazendo. Podemos até tocar um violão e cantar. Gostcho muito disso.
Beijokas.

Linda Simões said...

Roberto,

Quando vou a feira ou ao mercado ,trago de tudo um pouco.De cascas para fazer chá a pequenos trecos que vou achando ali e acolá.A lista que levo com itens que realmente preciso fica esquecida na bolsa...rsrsrs.

Adorei teu texto.


Beijo

Primeira Pessoa said...

linda,
é bem isto. depois, na saída, é "carregar um mundo nas costas", porque é o que a ente traz de lá. e o grande barato é que é quase tudo feito artesanalmente.

eu adoro essas coisas.

abração do

roberto.

Primeira Pessoa said...

lua nova,
é um universo muito especial, o dos mercados. eu adoro fazer essa viagem dentro do brasil, quando vou a belo horizonte. é um dos lugares em que sou mais feliz e em que melhor me sou.

sem falar nos petiscos, nas bebidinhas, nas pequenas indulgências.

é uma grande viagem.

abração do

roberto.

Paulo Jorge Dumaresq said...

Mundo fantástico esse do Mercado Central, Bob.
Deu até um nó na garganta com tantas citações desses artigos da vida inteira.
Semana passada o filho de uma amiga trouxe pra ela de BH as miniaturas dos profetas de Aleijadinho em pedra-sabão.
Achei um charme.
Agora quero ir a BH, que não conheço, para adquirir as réplicas do escultor e otras cositas mas.
Forte abraço e muitas quinquilharias na nossa vida.
Merecemos.

Primeira Pessoa said...

paulo poeta,
bh e e minas gerais esperam por você. e você se entiraá tão bem recebido, que ser;a mais um mineiro no undo. minas tem essa capacidade.

estivesse eu em minas, voce receberia a chave da cidade, do estado e o que mais tivéssemos pra oferecer a um não-mineiro tão querido.

como diria aquele bordão global, minas e você, tudo a ver.

duvida?

abração do roberto.

Paulo Jorge Dumaresq said...

Duvido, não, querido.
Com você gostaria de conhecer a famosa esquina do Clube.
Respirar o ar e fazer uma foto.
E voltaria para a Praia dos Artistas safado da vida.
Beijão procê.

Primeira Pessoa said...

quando eu for a bh, dou um toque. quem sabe ce não se junta a mim, por lá?

ce vai sair de lá com passaporte mineiro, poeta.

abração do

roberto.

Jorge Pimenta said...

robertílimo,
há coisas que nunca levamos, porque respiram nos lugares que [en]formam as pessoas. e os mercados são, por norma [ainda que, com o tempo, cada vez menos] os corações dos lugares.
um abraço sempre saciado com os teus olhares por debaixo da pele!
p.s. quanto aos bens materiais que dizes levar, vê-se logo que não és português, que com a política de austeridade que os nossos mandantes nos impõem, até a chuva custa dinheiro.
abraço renovado!

Primeira Pessoa said...

o mercado é o coração dos lugares... que frase mais feliz, jorgíssimo.

posso samplear?
promete que não me processa?

saudades de de te encontrar por aqui, jorgíssimo. saudades de te encontrar.

e saudades, também, de mim próprio, tateador no escuro de paredes de gilete platinum plus.

abração desse seu amigo de sempre, o

roberto.

Jorge Pimenta said...

a frase é tua. tu a arrancaste com a tua crónica, querido amigo.
abraço com saudades tuas, querido amigo!

Primeira Pessoa said...

nem o que é nosso nos pertence, disse salgado maranhão e repetiu-o, gritou ao meu ouvido, uma pessoa que admiro muito, há não muito tempo atrás.

mas se cê diz que é minha, jorgíssimo, se um dia eu republicar esse invento, incluo a frase e dedico a você.

você é, de meus amigos-irmãos, um dos mais próximos, desde sempre.'

beijão,

r.