Com um salutar pedido de desculpas
Adorava o som de Kleiton e Kledir, a então jovem dupla gaúcha que enchia auditórios de todo o Brasil.
Era início dos anos oitenta e eu respirava música. Eu os vi pela primeira vez abrindo um show do MPB4, no ginásio Arnóbio Pitanga, em Valadares. Eu devia ter uns 16 anos e fiquei encantado com a energia dos guris.
Saí de lá falando "bah"e "tchê", doidinho para beber chimarrão. Encantei-me.
Adotei um ritual - quando servia o exército em Juiz de Fora -, de todas as vezes que ia visitar meus pais em Valadares, deixar tocando na vitrola, no momento da saída, a música Deu Pra Ti.
Era como se dissesse aos meus pais que, assim que baixasse o astral na caserna, estaria de volta ao convívio familiar.
Curiosamente, deixei essa canção tocando na vitrola no dia 9 de abril de 1984, dia em que embarquei para a capital mineira e de lá para Nova York, definitivamente.
Lembro-me claramente de minha mãe enxugando os olhos com as costas da mão, enquanto os guris enchiam de som o ar da casa da Rua Topázio.
Desde então, essa canção ficou reverberando dentro de mim, como um daqueles tangos-fantasma, que nunca deixam de tocar dentro da cabeça e do coração da gente.
Passaram-se os anos, tornei-me um operário da notícia e eles construíram uma carreira sólida, interrompida por um hiato que nos deixou, fãs, muito decepcionados.
Eu não conseguia conceber o Kleiton sem o Kledir e vice-versa.
Sabe aquela coisa de quando dois são um?
Felizmente, soprou um minuano lá pelas bandas de Paris - onde Kleiton se exilou estudando música -, e ele resolveu voltar ao Brasil e retomaram a dupla.
Há algum tempo, juntamente com os empresários Kiko Salles e Fábio Portugal, criamos o MPB Club, projeto que trouxe aos palcos americanos muitos artistas brasileiros de primeira grandeza. Kleiton e Kledir foram incorporados e, não apenas fizeram espetáculos inesquecíveis, como acabaram se tornando grandes amigos e parceiros.
Sim, parceiros, pois os guris musicaram Água e Vinho e A Outra Metade, dois poemas meus.
Hoje nos frequentamos, a gente dá sempre um jeitinho de se ver e o Kledir escreve (bem!) para o Brazilian Voice.
Paralelamente à música, ele editou dois livros que foram sucesso de publico e crítica no Brasil (Tipo Assim - um fenômeno na Internet - e O Pai Invisível).
Kledir costuma dizer que sou padrinho de sua carreira literária, o que me enche de orgulho, embora não seja verdade.
Kledir já era um escritor feito quando nos conhecemos.
Estava apenas esperando o momento certo de sair da casca.
Em julho passado estivemos juntos no Rio de Janeiro. Hospedei-me uns dias na bela casa na Joatinga.
Enquanto ele tentava me converter ao vegetarianismo, levei-o para a noite, tentando convencê-lo a freqüentar o meu mundo: o da esbórnia.
Durante um breve período, ele chegou mesmo a cheirar rapé, um hábito mineiro que ainda não abandonei, e que o seu médico desaconselhou peremptoriamente.
O doutor diz que dá taquicardia.
Não sei se é verdade.
Afinal, meu coração sempre desafinou.
Sempre bateu fora do tom.
Desnecessário dizer que ninguém convenceu ninguém.
Quando saí de sua casa para o aeroporto, parei numa churrascaria e ataquei um rodízio. Sem o menor remorso.
Sabe lá o que é ficar cinco dias numa casa onde jamais se fritou um bife?
E ele não deve estar com saudade da cerveja sem álcool, que praticamente o obriguei a beber enquanto me escoltava pela noite carioca. Não devo ser boa companhia.
E eu ainda o provocava, dizendo que beber cerveja sem álcool é o mesmo que dançar com a irmã. Quando Julia (sua primogênita) veio fazer um intercâmbio nos EUA, tomou o primeiro porre da vida, e o Kledir entrou em desespero.
Ligou-me, todo aflito, pedindo conselhos ao cara que ele diz ser a "maior autoridade em pileques fora do Brasil". Não é bem assim.
Mas o tranqüilizei.
Ressaca não mata ninguém.
E Julia sobreviveu lindamente.
Começo a falar dos guris e acabo me perdendo em recordações.
Essa crônica iniciou-se, na verdade, com o propósito de ser lida como um envergonhado pedido de desculpas.
Kledir aniversariou semana passada e esqueci completamente desse que, desde que nos tornamos amigos, é sempre um dos primeiros a ligar para os nem sempre merecidos parabéns.
Portanto, Kledir, que você seja muito feliz nessa nova idade.
E que continue sendo esse sujeito fantástico que é.
E que nunca se esqueça desse meu amor por você.
Aceite meus atrasados, mas sinceros parabéns. E uma pitada exagerada de carinho desse seu irmão, nascido estranhamente do ventre de uma outra mãe.
A Música Que Toca Sem Parar:
aquela canção-fantasma que ficava tocando quando eu saía de casa no início dos anos 80 e que nunca mais deixou de tocar dentro do meu coração. De Kleiton e Kledir, Deu Pra Ti.
16 comments:
Delícia de crônica, Roberto! Ah...
Sou doida pela dupla Kleiton e Kledir! [Fiquei desolada quando do afastamento deles]
Sendo assim, tudo que você conta , interessa-me demais. Vou lendo, vou sentindo saudade de um tempo, vou me emocionando com a música emblemática que toca sem parar e vou me sentindo cada vez mais grata a você, que faz muita diferença aqui, com o conjunto da obra.
Jeito bom de encerrar mais um domingo...
Abraço apertado, meu amigo!
Orgulho de conhecer você, viu, Roberto! (Mesmo que só virtualmente)
Acho que Kledir te desculpou bem antes, e depois de ler essa declaração de amor deve mesmo é estar querendo te dar um abraço, um beijo...
Aceite também um abraço e um beijo meus (em meu nome e no do Kledir)
pólen,
esta estrada tem mão dupla. o carinho reverbera do lado de cá e volta pra você em igual tamanho e intensidade.
quanto ao kledir, dispensa comentários. tanto ele, quanto o irmão, são pessoas da prateleira de cima.
amo-os.
beijo grande do
r.
zélia, e eu gosto muito de você...rs
e fico feliz demais quando voce gosta de alguma coisa que eu escreva.
você é muito generosa, boa... especial.
e eu sou seu fã. já disse e repito. é quase um um mantra pra mim.
beijão do
roberto.
Amo os meninos Kleiton e Kleidir...Não tanto quanto você ama, né, que é esse amor de onde nasceu a crônica (mais uma) tão bonita. Gosto sim, dos irmãos, mas gosto bem mais dessa emoção que só vc sabe colocar em palavras.
Bjos e agrardando o link para manoel de barros, recitada pelo PP rangel.
taninha, ó aí o link... devidamente amanteigado:
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é baixar e sair pro abraço. curta muito!
beijao,
r.
ps: você é muito gentil. te um um coraçao bom. alma leve.
Que encanto de leitura..
Escorrega delicadamente até alma da gente.
Abarço meu.
angélica,
a gentileza vindas em seu post, deslizaram delicadamente alma adentro.
visitarei seu cantinho. assinarei o livro de visitas. virarei freguês.
abraço grande do
roberto.
pense num cara que esquece datas soy yo, acho que por isso que escrevo poemas. é como se fosse um pedido de desculpas para os amigos e ao mesmo tempo uma entrega de minha alma para os que amo,
abração desse teu
p.s. adoro esses caras, são dois ou melhor três, tem o Vitor, tri legal
"Afinal, meu coração sempre desafinou.
Sempre bateu fora do tom."
então, e isso é mau? :)
um abraço, robertílimo!
jorgíssimo,
deve ser por isto que não sirvo para tocar na banda dos homens desta vida... atravesso, desafino... não tenho vocação pra música da vida, tocada e bailada, assim...rs
bom mesmo é te receber aqui, bardo de braga.
abração deste desafinado (e atravessado...rs)
roberto.
assis,
tenho três filhas en ão sei, eatamente, o dia no nascimento de nenhuma delas.
o meu também é uma encrenca. nasci em 4 de dezembro, mas meus documentos atestam que sou um ano mais velho... então, caro amigo, alego este episódio para justificar minha desorientação.
e olha que nem faço poemas, pra conpensar... c6e leva vantagem em mais esta...rs
beijo grande desse seu leitor "de cabresto", o
roberto.
Há rostos que são seguidos por interesse...
Há palavras que são capturadas por necessidade...
E há leitores ávidos por elas... como eu!
Abraço de Luz!
me edifico nelas, nas palavras, analuz.
são elas que clareiam a escuridão do mundo.
bem vinda, todo dia!
abração do
roberto.
Mas bah, tchê! Que baita declaração de amor!
O coração dele deve ter derretido...aliás, alguém resiste a esse teu coração aí?
Lindo texto...que sorte têm as pessoas que moram nesse peito desafinado!
Bjo, Beto!
;)
que bom que ce gostou, dani.
seu conterrâneo vive no lugar mais alto de minha prateleira.
beijo grande.
R.
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