Tuesday, December 11, 2012

Atenção, silêncio!


 
 
Para meu amigo Zé Andrade*, guardião do panteão brasileiro


Eu me iniciei nos mistérios da Sétima Arte no Cine Poeira lá em São Raimundo. Como tantos meninos de minha geração beijei Greta, Marlene, Marylin, Sophia e Raquel Welch, deusas que amei com as mãos.
Nos momentos pós sessão eu saía apaixonado pelas protagonistas e tão encarnado em seus pares românticos que, dependendo do filme, eu me achava complexo e profundo como Marlon Brando, sofisticada como Roger Moore, bravo como John Wayne, duro como Clint Eastwood ou belo como James Dean.
Mal saía do cinema e já era um rebelde sem causa, um poderoso chefão a um passo da eternidade, um herói de capa e espada, Lawrence da Arábia que ia para casa à pé.
Mais entrado na vida flertaria com a novidade baiana Glauber Rocha e as coisas que me encantavam vindas da Europa.
Era fã de Fellini, de Antonioni, Rossellini, Fassbinder e François Truffaut.
Depois descobriria Wim Wenders, Copolla, David Lynch e Allan Parker, que fez Coração Satânico e O Selvagem da Motocicleta, meus dois filmes favoritos de todos os tempos.
No Brasil de meus primeiros anos o cinema nacional se resumia a chanchadas e uma ou outra pérola esparsa.
Até os livros densos de Nelson Rodrigues viravam chanchada naquele Brasil.
Tivemos estórias magníficas que se perderam nas nossas precariedades tecnológicas e na mordaça da censura de um país que não ia pra frente, como tentavam nos fazer crer aqueles senhores que nos enfiavam suas botas militares garganta abaixo.
Felizmente os tempos mudaram – nos mudando junto - e o país vem produzindo um cinema cada vez melhor.
De Central do Brasil para cá, entramos numa dimensão internacional, criando peças relevantes, bem feitas, e que podem fazer frente a trabalhos desenvolvidos em qualquer outra parte do mundo.
Este é o Brasil de A Grande Arte e de Cidade de Deus.
Estamos revelando diretores, atores e atrizes, roteiristas e temos excelentes motes à mão. Não falta o que retratar ao cinema nacional.
E é pensando nisto que resolvi dar uma “mãozinha” aos realizadores da Sétima Arte no Brasil.
Se vocês quiserem uma película de guerra, abundam estórias de glória e dor dos pracinhas brasileiros da FEB.
Poderia ser um filme ambientado na Itália e no Brasil, tendo Thiago Lacerda atormentado pelas ordens superiores de invadir o vilarejo de onde teriam vindo seu pais, agora imigrantes italianos na Mooca, em São Paulo.
O personagem de Thiago ainda teria parentes vivendo na região de Monte Castelo e se apaixonaria por uma camponesa italiana.
Pronto!
Está criado um romance em tempo de guerra, com todas a sua beleza e drama, culminando em deserção e fuga no porão de um navio da marinha mercante argentina.
Já imaginaram?
Se os cinéfilos quiserem um épico, eu lhes dou um épico.
Eu lhes dou Canudos com José de Abreu no papel de Antônio Conselheiro, ostentando a mesma barba de profeta cultivada em Avenida Brasil.
Dou-lhes a agonia de Portinari morrendo consumido por suas tintas.
Dou-lhes as formas de Tarsila e as cores de Caribé.
Dou-lhes as curvas de Niemeyer e os jardins futuristas de Burle Marx.
Dou-lhes o urbano Adoniran e os sertanejos Zé Coco e Patativa do Assaré.
Dou-lhes crimes passionais de famosos, como os de Lindomar Castilho e Guilherme de Pádua.
Dou-lhes roteiros de ação como o do roubo do Banco Central de Fortaleza, ou catástrofes do colarinho branco como o absurdo do mensalão e a história de PC Farias todo banhado de sangue.
Dou-lhes os últimos dias de Getúlio e o impeachment de Collor de Mello.
Dou-lhes Ângela e Leila Diniz, mulheres de lâmina e rosa.
Dou-lhes Elis.
Dou-lhes a boemia de Vinícius e todas as suas musas.
Dou-lhes Heitor Villa Lobos e Geraldo Vandré.
Dou-lhes a alegria de Chacrinha e a inocência de Grande Otelo.
Dou-lhes as tristezas de Garrincha.
E a melancolia de Dolores Duran.
Eu dou-lhes um samba de Cartola. E um solo de Jacob do Bandolim.
E dou-lhes Roberto Carlos e Antonio Carlos Jobim.
Dou-lhes, ainda, a inquietação colorida da Tropicália, o movimento modernista de 22, a Inconfidência Mineira e o Clube da Esquina.
Dou-lhes estórias de amor como as de Lampião e Maria Bonita, Jorge Amado e Zélia Gattai, Tomás Antônio Gonzaga e Marília de Dirceu.
Dou-lhes roteiros subversivos e de final infeliz como os de Carlos Lamarca e Vladimir Herzog.
Dou-lhes a história e as estórias do Pasquim, com as pérolas de Jaguar, Millôr, Ziraldo, Henfil e Redi.
Leminski daria um grande filme. Clarice daria outro.
O Encontro Marcado, de Sabino, poderia ser readaptado para um tempo mais recente.
Grande Sertão Veredas traria Lima Duarte, Jackson Antunes, José Mayer e Rolando Boldrin em papéis relevantes.
Santos Dumont decolaria num 14 Bis e o voo 3054 da TAM seria o nosso Titanic.
Ayrton Senna sucumbiria numa curva, levando um país inteiro a bordo de seu cockpit.
Pelé sonharia, menino em Três Corações, com mais de mil gols.
E os nossos cineastas, com mais de mil ideias na cabeça e uma câmera na mão, sairiam por aí gritando em alto e bom som:
Atenção, silêncio.
Câmera, ação!



* Foto com Paulo Autran em cena do longa-metragem "Terra em Transe" (1967), de Glauber Rocha

** Zé Andrade (a quem dedico esta crônica) é um artista plástico baiano sensacional, criador de uma série imperdível com ícones brasileiros e algumas excessões internacionais.
Quem quiser conhecer melhor o seu trabalho basta acessar www.zeandrade.com

32 comments:

ÍndigoHorizonte said...

Te he leído, de arriba a abajo, sin dejar una sola letra. Y estoy contenta. Abrazo grande y añil, Roberto. Hoy, cansada ya, no me dan para más mis letras.

Tania regina Contreiras said...

Nossa, Beto, as ideias estão lançadas, todas ótimas, tomaram possam aproveitar muitas delas. Pena não ser você um cineasta, e, si, teríamos verdadeiras pérolas do cinema brasileiro, que deu a volta por cima.
Beijos, maninho!

Clarice-Bela said...

Amei e novamente me emocionei com esta crônica. Perfeita e seu amigo certamente ficou(ficará)? Bastante lisonjeado.Meus mais sinceros parabéns! Quero lhe dizer que também somos três irmãs sendo eu a primogênita. outro abraço.

Unknown said...

mileum roteiros e direção, boa, boa, boa
e o Zé é um porreta

abração broda

Lhu Weiss said...

Tantão de veiz que esperei por um comentário de um mineirim...e eis que chegou quando menos esperava...obrigada pela visita!!
Abraços
Lhú Weiss

Primeira Pessoa said...

lhú weiss,
os minerim são tudo meio lerdo...
atrasam-se, são demorados... mas chegam.

me perdoe, então, pelo atraso.
a reciprocidade é uma coisa bonita de se praticar.

abração do

r.

Primeira Pessoa said...

dá até pra fazer um blog, né zédeassis?
mileumroteiros....
que tal? boralá???

putz, esse zé andrade é foda. e é baiano, como você.

abração,
r.

Primeira Pessoa said...

clarice,
podendo e querendo, dê uma olhada no site do zé andrade.
eu coleciono os ícones dele...
quero aumentar a familia neste inicio de ano e estou de olho em augusto dos anjos e patativa do assaré.

abração do

r.

Primeira Pessoa said...

taninha,
vou criar o roteiro de um filme sobre irmãos nascidos da barriga de mães diferentes.

ja pensou?
cê protagonizaria.

beijão,
r.

Primeira Pessoa said...

os melhores abraços são em anil, indigo.

a vida é mais bonita em azul.

abração do

r.

Bandys said...

Uau, Zé Andrade vai adorar. Se fosse atriz queria representar Ângela,Maria Bonita, Leila, Eliane e Daniella.
Você é fera. Passarei no teu amigo.


abraços
PS: uai e eu não vim te avisar sô, só não pude trazer o folego. rs.

LauraAlberto said...

Roberto

saudades tuas, de passar aqui, de te ler

saudades de te ver na calçada da minha cidade, de ouvir a tua voz, de me deliciar com as tuas gargalhadas

estamos em dezembro, já passou mais de um ano...
quando é que voltas?

Beijinho

Primeira Pessoa said...

laura alberto,
sinto imensas saudades daí e de ti e de meus amigos Raquel Mendes, Jorge Pimenta e e, agora mais recentemente, eurico portugal.

ah, claro, saudades de dona helena, também.

precisamos fazer isto acontecer o mais prontamente possível.

beijo grande do

r.

Primeira Pessoa said...

bandy,
e há outras tantas mulheres brasileiras (tantas anônimas) que mereciam um filme, dois filmes, uma trilogia.

a caminho do escritório eu pensava em dona zica (mulher de cartola), em zilda arns, em clementina de jesus e na princesa isabel.

e em ângela ro-ro... a vida desta moça daria um filmaço.

abração do

r.

cirandeira said...

Quanta imaginação, quanta criatividade, mineirim :)
Vamos lá: AÇÃO!!!

beijos

Primeira Pessoa said...

eu ia responder que é falta do que fazer, cirandeira.
mas, infelizmente, não é.
eu ando por aqui de teimoso. rs

beijo grande do

r.

Mariangela Alvarez said...

Uai... Beto..
Por quê minha foto não aparece?
Beijoka..
Mariangela Alvarez
mary.yamin@gmail.com

Primeira Pessoa said...

não sei, mariângela...

será que vamo ter que reclamar com o "guga"?

acho que para aparecer voce tem que ter um perfil no gmail, ou um blog.
eu não sou la dos mais cibernéticos.

com foto ou sem foto, voce é sempre muito bem-vinda.

beijão,
r.

Nirton Venancio said...

Meu caro, excelente o seu texto! Mexeu com minha memória no cinema.

Com relação ao livro do Celso Borges, aqui em Brasília tem pra vender na Livraria Sebinho. Mas creio que você pode pegar informações diretamente com o poeta sobre como adquirir um exemplar: cpoema@uol.com.br
Se você tiver Facebook ele está por lá também.

Lázara papandrea said...

Podemos recolher por este país tantos e diferentes retratos e situações! Que bela crônica!abraços meus!

Primeira Pessoa said...

lazara,
nosso país é manancial de grande pessoas, grandes histórias que merecem ser retratadas.
depois que escrevi a crônica não parou de brotar motivo pra fazer filme.

abraço grande do
r.

Primeira Pessoa said...

nirton,
cê conhece o nosso conterrâneo wilson pereira?

grande poeta e imensa pesssoa, ele é seu vizinho aí em brasília.

vou me acercar sobre o livro do celso.
grande abraço do

roberto.

Tatiana said...

Ei! Faltou "O bebê de Rosemary (a do Lula)" - versão brasileira.
E Zé Dirceu e os quarenta ladrões.
E tantos outros filmes de terror possíveis nos sets do planalto...

Roberto, dê esses a um bom cinesta e o desafie a transformar em água com açúcar.

Primeira Pessoa said...

dá pra ir por este caminho também, tati.
e dá para ir por outros.
agora ha pouco pensei quem canções que renderiam excelentes filmes.
ja pensou???
garota de ipanema, esse é fácil, né?
asa branca seria a saga de um sertanejo.
maria fumaça, de kleiton e kledir, seria uam expressa de orient express com sotaque gaudério, pra gente rir bastante com os personagens riquíssimos da canção...
joquim, do vitor ramil, ficaria bonito demais...

ah, tem trocentas...

beijão,
r.

na vinha do verso said...


AQUI ESTÁ UM POETA
QUE TEM UM PAÍS
NO CORAÇÃO

evoé

Primeira Pessoa said...

aqui está um poeta, na mensagem acima.
ele, marcos pizano.

Bandys said...

Ô moço,

Há cinco anos que tento fazer o que me sugeriu, as vezes eu tenho recaída, rs, mas se voce conseguiu estou progredindo. Cê não ta mentindo não né? rs.☺

Estou pelas suas terras onde trabalho de de 5ª à Dom. E dessa vez me lembrei de voce. Por aqui em Lima Duarte ja tem influencias cariocas, o termo pode ser travessura, gostosuras..influencias trazidas do RJ, rsrs.
Obrigado pela visita .

Beijos doces meus daqui,

Primeira Pessoa said...

então, toma tenência, bandys... toma tenência! 5 anos é muito tempo...rs e eu não presto atenção nas figuras porque tô veio demais pra prestar atenção nestas coisas.

lima duarte fica na zona da mata, perto de juiz de fora. eu morei em JF e foi um tempo muito bom de minha vida. servi o exército aí... descobri a liberdade (tinha 18 anos) e suas responsabilidades andando por estas ruas.
eu estranhava os carioquismos dos juizforanos. e eles me achavam meio abaianado, sertanejo, acho eu.

sertanejo já teve outro significado, saiba você.

abração do r.

byTONHO said...



CINEMA VIVO!

:o)

Primeira Pessoa said...

cinema cinema, querido tonho.
e ainda faremos a versão cinematográfica das charqueadas...
ou o drama "churrasquinho de mãe", com teixeirnha e mary terezinha nos paéis principais.


abração, parceiro.

Unknown said...

pois é, primeiríssimo amigo,
o segredo do cinema reside aí mesmo; não nos dólares da sua rodagem ou da bilheteira, não na capacidade de pintar o céu e o sangue da cor da fúria ou da vertigem, não de olhos bonitos que amamos com a mão; a verdadeira essência está na palavra, na forma de dizer e de ser, que a todos nos faz um povo só. o brasil, como portugal, é o mote para todo um cinema. e esta verdade está para lá, bem para lá das câmaras e da lente.
grande crónica, hein? é só verve e inspiração, robertílimo! e li-a num dia em que se assinala o 104º aniversário do maior mito do cinema português: manoel de oliveira.

um abração!

Primeira Pessoa said...

euriquíssimo,
hoje, com o avanço da tecnologia, sabe o que daria um filme e tanto?
a revolução dos cravos.
eu entregaria a trilha sonora a sérgio godinho.
e, veja:
a imagem dos cravos pendendo das bocas das caçadeiras.... ta vendo? ja tenho até o cartaz para a porta do ciunema.

e uma releitura de amália;
a vida tumultuosa do ex-benfiquista vitor baptista;
o dia que coluna parou pelé.
as dores de florbela...

ah...
coçar e sonhar, é só começar...

abração domingueiro,

r.