Sunday, February 3, 2013

A verdade dividida


A porta da verdade estava aberta
mas só deixava passar
meia pessoa de cada vez.

Assim não era possível atingir toda a verdade,
porque a meia pessoa que entrava
só conseguia o perfil de meia verdade.
E sua segunda metade
voltava igualmente com meio perfil.
E os meios perfis não coincidiam.

Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.
Chegaram ao lugar luminoso
onde a verdade esplendia os seus fogos.
Era dividida em duas metades
diferentes uma da outra.

Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.
Nenhuma das duas era perfeitamente bela.
E era preciso optar. Cada um optou
conforme seu capricho, sua ilusão, sua miopia.


Carlos Drummond de Andrade
(Itabira, Minas Gerais, Brasil)

.

22 comments:

Anonymous said...

Muito bom...

..cada um vez a sua opção...

Beijinhos


Ana

Dois Rios said...

Assim somos. Meio qualquer coisa de quase tudo.

Adoro essa poesia!

Beijos,

byTONHO said...



Veda...arde!"

:o)

ÍndigoHorizonte said...

Así, yo, y tantos otros. Mitades, que, en ocasiones, se unen. Besos, Roberto.

Cecília Romeu said...

Roberto, moço simpático, tudo bem?
Pois é, sempre achei que existem verdade(s) e não uma única verdade, ainda considerando que o ser humano é uma dicotomia encima de duas pernas, e que, ainda assim, existem as meia-verdades... talvez nós sejamos meio-homem e meio-mulher algumas vezes, pelos menos quando passamos pela porta, verdade?

Hoje estou meio-mulher, meio qualquer coisa, Roberto: gripe com febre em pleno verão de 42 graus aqui nos Pampas, céu cinzento que anuncia chuva que vem e deixa tudo mais quente, bah! Atchim!

Um abração para ti e uma ótima semana!
Adorei teu comentário por lá sobre as saudades.

Luciana Marinho said...

bela escolha!

"Cada um optou
conforme seu capricho, sua ilusão, sua miopia."

preciso dizer mais alguma coisa?


beijos!

Sônia Brandão said...

Sempre um prazer ler Drummond.

Beijo. Feliz semana.

Unknown said...

o primeiro verso me lembrou aquela canção: "a porta da verdade estava bem fechada, mas nada resistiu à chave que eu te trouxe" Alucinante Alice - Sá e Guarabira



abração broda

Paulo Jorge Dumaresq said...

Drummond sempre fundamental para a compreensão do gênero humano. Bela postagem, BOB.

Primeira Pessoa said...

ana,
com drummond não tem erro.
é tiro e queda!

abração,
r.

Primeira Pessoa said...

essa mistureba, inês... essas duas faces que brigam quando nos olhamos no espelho.

beijão,
r.

Primeira Pessoa said...

e como arde, tonho, a verdade.
mas a mentira é pior.
a mentira é punhal.

abraços,

r.

Concha Rousia said...

Belíssimo intensíssimo Drummond, um prazer visitar seu blog, Abraço

Primeira Pessoa said...

indigo,
algo assim do tipo "linhas paralelas"?

só não me atrevo a dizer que andam de màos dadas, mentira e verdade.

Deus e o diabo não se dão as mãos.

beijo grande,

r.

Cris de Souza said...

Preciso rever minhas lentes...

Beijo, Roberto!

Primeira Pessoa said...

ô, ana cecília...
quando é pra esse assunto gripe, não conheço uma única pessoa, homem, mulher, jacaré, poste, que não fique assim, "carecido"...
a gripe desmoraliza, quase tanto quanto o "piriri"(rs)...

quanto ao dito sobre dualidade, pode ser, pode ser...

drummond sabia das coisas.

beijão do "simpático"(rs)

r.

Primeira Pessoa said...

e por aí seguimos, luciana, mais míopes do que nunca, mais cegos... posto que com a idade (esta que nunca mais foi a mesma) já não é sinônimo de aprendizado... quanto mais entrados na vida vamos ficando, mais desaprendidos vamos nos tornando.

estaremos, humanos desumanos, desaprendendo este ofício???

penso bem que sim.


beijão do

r.

Primeira Pessoa said...

sônia, drummond é daqueles... ,amja, "aqueles"?
e eu tenho sempre o mesmo prazer em (re)lê-lo.
desde sempre.

beijão do

r.

Primeira Pessoa said...

zé de assis,
vou perguntar ao sá, se foi respingada do poema... esta é uma das canções da dupla que mais me emocionam... eu adoro... tem um piano soturno, e aquele verso "preso neste doce/ de laranja amarga/ de limão galego/ de batata doce"(...)

juro que pensei no mesmo, na canção, no que reli o poema trocentos anos depois.

beijào,
r.

Primeira Pessoa said...

paulo poeta,
tão bom quanto ler drummond é te reencontrar por aqui.
saudade das prosas.

abraçõa do

r.

Primeira Pessoa said...

concha rousia,
poeta que encanta a galícia e o mundo,

disto de poesia bonita, sei que você sabe muito.

abração do

roberot.

Primeira Pessoa said...

cris,
a melhor lente é aquela que nos permite ver para dentro...
ando atrás das minhas, irremediavelmente perdidas.

beijão,

r.