Monday, November 26, 2012

Voar é com os pássaros



Onde eu vivi os primeiros anos chamavam de campo de aviação aquilo que o mundo já chamava de aeroporto.
Para o sãoraimundense todo avião era a jato.
Em São Raimundo - no meio das minhas precariedades - havia a certeza de que eu jamais entraria em um avião.
Primeiro, porque voar era com os pássaros.
Segundo, porque a grana era curta.
Minha mãe gosta de relembrar que eu, filho único, gritava para o céu sempre que os teco-tecos sobrevoam a cidade:
- Ô avião, joga um irmãozinho pra mim.
Antônio Carlos nasceu quando eu tinha seis anos e não veio pela Varig.
Varig, Vasp e Transbrasil: alguém se lembra delas?
Em 1984 apenas três companhias aéreas operavam no eixo Rio/São Paulo-Nova York.
Varig, Aerolineas Argentinas e Panam.
Hoje são muitas, mas a concorrência ao invés de estimular uma melhoria nos serviços de bordo e a qualidade da experiência do voo, teve um efeito inverso.
Mudou tudo.
Fundem-se e fornicam-se – nos fornicando junto - o tempo todo.
Recentemente, a Lan Chile comprou a Tam e o seu jeito Tam de voar.
No céu “doméstico”, a Gol comprou a Webjet.
Gol, no meu tempo, era outra coisa.
Aposto que o cara que fundou a Gol - dono dos ônibus da Itapemirim - nem jogava futebol.
À medida que viajar de avião foi ficando mais acessível ao cidadão comum, foram banalizando a coisa.
Acabaram-se os lanchinhos e a cervejota por conta da casa. Agora, abundam os saquinhos de amendoim e os biscoitinhos de água e sal.
Cobram pela bebida, por todo e qualquer excesso de bagagem e diminuíram o tamanho dos assentos, que é para caber mais gente.
Recordo-me que no primeiro voo encantei-me com o sorriso da aeromoça.
Impressionou-me também a maneira cordial com que me apresentaram o menu do jantar, uma opção honesta de carne, peixe ou pasta.
Hoje, as aeromoças e "aeromoços" mais se parecem funcionários de repartição pública.
Em sua grande maioria antipática, as tripulações introduzem o jantar oferecendo duas opções: vai ou não vai?
E com talheres de plástico, rescaldo do excesso de cuidados pós- atentados de 11 de Setembro.
Nos bons velhos tempos, recebia-se uma charmosa embalagem contendo miniaturas de produtos de higiene de primeiríssima necessidade.
Hoje, o que oferecem é quase nada e ainda existem algumas companhias com o descaramento de cobrar pela utilização de um fone de ouvido previamente usado, e de assepsia duvidosa.
Em uma viagem mais recente recebi da aeromoça uma embalagem contendo um "plug" de ouvido e uma máscara de poliéster.
Deve ser para não ver nada. Não ouvir nada.
Eu, que definitivamente não gosto de voar, já dei pequenos vexames, como o de segurar a mão de um passageiro no momento de uma aterrisagem mais trepidante.
Nunca penso coisa boa, confesso:
Como posso me sentir confortável num objeto mais pesado que o ar e, ainda por cima, inventado por um mineiro?
Mas fico bastante religioso sempre que vou viajar.
Rezo, beijo a medalhinha de São Judas Tadeu e, só para “garantir”, bebo uns três uisquinhos antes.
Recentemente, uma senhora se apiedou de minha agonia durante uma turbulência e me consolou:
- Já está pertinho de São Paulo -, disse ela.
Ao que respondi:
- Não é a distância daqui até São Paulo, o que me trucida. O que me preocupa é a distância daqui até o chão.
Ela não achou graça. E começou a roer as unhas junto comigo.
Tenho notícias de muitas estórias engraçadas envolvendo brasileiros de origem humilde em sua primeira aventura aérea.
Uma delas foi protagonizada por um dos membros de uma Banda de Pífanos de Pernambuco, que vinha a Nova York para uma apresentação no Central Park, num evento produzido por uma destas Ongs modernetes.
Desacostumado a voar e aparentemente alérgico a comida de avião, um dos pifeiros passaria boa parte da viagem no banheiro.
Logo em sua primeira incursão ao toalete ele protagonizou uma cena insólita, duas horas após a decolagem, mal acabaram de servir o jantar.
Fez o que tinha que fazer e, ainda grudado ao vaso sanitário, apertou o botão de descarga de água.
Foi-lhe assustador.
A novidade do barulho e força da sucção, fez com que Severino saísse aos berros pelo corredor da aeronave, as calças pela altura dos joelhos, em visível agonia.
Apavorado e suando frio, avisou à aeromoça, ainda correndo e se recompondo, que “a privada estava avariada e que tinha acabado de lhe roubar um bago".






24 comments:

controvento-desinventora said...

As asas nos ensinaram inventar a liberdade: nossos aeroportos nunca mais...

Bandys said...

Ola,
Eu adorei. O final da estoria foi muito bom , hilário.

Eu odeio andar de avião, tenho claustrofobia e se o voo dor longo é um sacrifício.

Um abraço e o desejo de uma semana cheio de paz.

Unknown said...

saudade dos aviões da panair, meu último voo pela webjet (já acabou) foi um passeio pelo inferno, sem dante




abração broda

Lídia Borges said...


Uma delícia!...
Revejo-me em algumas afirmações.

Um beijo

Tania regina Contreiras said...

Ainda rindo do final de sua crônica, não posso deixar de me lembrar que, na minha infância, no interior, avião era festa. "Olha um avião!!!" Todo mundo olhando e alguns acenando...rs

E eu nunca consegui deixar de ser a caipira que corria a olhar o avião...

Beijos, Beto

Primeira Pessoa said...

isso de acenar pra avião, passa despercebido, taninha.
na minha terra, os maluquinhos, jogam pedra em avião, beliscam azulejo e os cambaus.
mas nunca vi nenhum maluquinho sapecando porco com nota de cem.

beijão, maninha.

Primeira Pessoa said...

voce também reza, lidia?
tambem bebe uns uisquinhos pra toimar coragem?

eu fico católico, que só um beato.

beijão,
r.

Primeira Pessoa said...

uai, zé de assis..
agora conta a estória. ajoelhou, tem que rezar.

falando da webjet, compraram pra eliminar a concorrência, pra cartelizar mais facilmente.

beijão,

r.

Primeira Pessoa said...

bandys,
pra mim, qualquer voo é um sacrificio.
e olha que ja voei de ultraleve, uma daquelas loucuras após uma caixa de cerveja com dois amigos, em natal.

por pouco, tinha que trocar a frauda...rs


abração do
r.

Primeira Pessoa said...

desinventemos os aeroportos, desinventora...
desinventemos.
abração do

r.

Dois Rios said...

Rolando de rir da tua prosa, Roberto! Eu também morro de medo e, definitivamente, não acredito nessa coisa, rs. Já protagonizei vexames históricos, sendo o último no trajeto Rio/Campinas que, diante de uma turbulência assustadora, soltei o cinto e saí correndo para os fundo do avião aos apelos suplicantes de "senhora, senhora, não pode levantar..." Quando dei por mim, estava sentada no colo de uma das aeromoças que "descansava" do seu turno.

Beijo,

Primeira Pessoa said...

pegar na mão do homem, eu peguei.
sentar no colo de alguém, ainda não sentei.
em se tratando de viajar de avião, jamais direi neste colo nào sentarei...rs

ô inês, cê levou o clichê "medo de avião' para um outro patamar.

beijão do
r.

Dois Rios said...

Ah, e tem mais uma coisa: eu não rezo com medo de que Deus se vingue, já que nunca rezo pros "sins" e nem pros "nãos".

Primeira Pessoa said...

pois é, inês... aí é que tá!
se eu começar a falar, tenho certeza de que falarei bobagem.
acho Deus fundamental. o limite - da condição humana - é o que nos dá "limite".
eu desafino muito.
sabemos, Ele e eu.

beijão,
r.

Tatiana said...

óh, Roberto, tuas crônicas são genais, ricas em sentido e reflexão, porque misturam o olhar crítico com o olhar patético da vivência humana. Eu adoro! NAo pára, ta?
Eu sou do tempo em que a Varig servia com talher de prata! E tinha uma maletinha que pra mim era a maior sensação: continha o único vinho que minha mãe deixava criança tomar, misturado com água e açúcar, vinho que vinha ainda em garrafinha de vidro, lá no tempo do êpa, aquela época em que fumar era bonito, homem dar mão para homem era feio, e não se produzia tanto lixo reciclável. Depois o céu caiu, a PanAm quebrou e uma empresa de carroceiro começou a crescer no Brasil. Isso sim é que dá medo de voar.
Abração pra ti!

Primeira Pessoa said...

ô, tatiana... então troca a foto do perfil...rs
a foto da minha coluna no jornal mandarei trocar esta semana. é de quando eu tinha quarenta e dois, algo assim.
emplaco meia década de abobrinhas e pequenos delirios na terça-feira.

falando das aéreas, tenho um amigo que costuma dizer que elas, as aéreas, entraram no periodo militar: só tem "sargentas".
ele costuma dizer, também, que é do tempo em que todas as aeromoças eram aviões. (rs)

cada um com o seu jeito de olhar, né?
beijão,
r.

cirandeira said...

Roberto, estou meio "invocada"rsrs
porque escreví um longo(!)comentário sobre essa tua crônica
e, parece que se foi pelos ares.Da
Panam?
Tô fazendo um teste pra ver se dessa vez ele emplaca por aqui :)

beijo

Primeira Pessoa said...

cirandeira,
e ainda tem - como lembrou o zé de assis - os aviões da panair... aqueles de milton, de brant e elis... aqueles da canção.
que se conste nos autos que, só de você ler minhas bobagens, eu ja fico feliz.
estou terminando de escrever nas próximas horas um conto, chamado "os dez segredos de ernesto", uma espécia de soinho e pesadelo habanero.
paralelamente, eu to cozinhando (macarrão frito e reengajado numa misturança de iscas peito de frango salteadas em echalotes, cogumelos e hortelã... tomara que fique bom...)

pelo sim, pelo não, to bebericando uma bitruca pra desentrar no clima, o que não fazia ha alguns dias (clima e bitruca)
meu coração desembarcou em havana nesta manhã e levou um pedaço grande de mim.

beijão,

r.

Tatiana said...

Essa foto é dos 40, cheia de photoshop pra ficar bela. É do portrait do meu livro, o fotografo é um superamigo aí de NY acostumado a fotografar beldades pra Vogue, entao ficou meio perdido na missão e deu uma maozinha tecnologica. Vou trocar em breve. Eu to com 42. Vivenciei os talheres de prata na infancia. E miquei com milhagens da panam.
Desejo muita saude e paz para ti nessa segunda metade da vida! Terça eu volto pra cantar happy birthday to you. Abraçao

flor de lótus said...

Hilariante este texto. Fez-me rir com gosto.

cirandeira said...

Bingo!!! Agora deu certo!
"O Arnesto nos convidou prum samba,
ele mora no Brás, nóis fumo e num incontremos ninguém/ nóis vortemos cum'a baita de uma reiva, da outra vez nóis num vai mais..."!
Fiquei curiosíssima pra ler esse conto, e não sei por quê, lembrei-me de Adoniran Barbosa, acho que pq ele também era um cronista dos
bons, que nem tu :)
E essa tua culinária com ingredientes os mais variados possíveis deixou-me com água na boca! E essa bebidinha, ein? Desse jeito não há
quem resista,

BOM APETITE!!!

Primeira Pessoa said...

fico feliz que tenha gostado, flor de lotus.

abração do
r.

Primeira Pessoa said...

para os editores de revistas,
o photoshop é a melhor invenção do mundo.
com o cujo-dito, até dercy sai lisinha.
quando alguem me fotografa pra alguma coisa, peço sempre que seja "sem papada, sem bispada"... rs


beijão,
r.

Primeira Pessoa said...

cirandeira,
o rango saiu. tava áté mais ou menos.
já o texto, não.
fiz uma postagem, hoje, explicando meu dilema. tá fueda!

beijão,
r.